Este quarto capítulo de Juízes é introduzido com a citação de que os israelitas haviam retornado a fazer o que era mau aos olhos do Senhor, depois da morte de Eúde. Não se diz depois da morte de Sangar, e daí podemos inferir que este agira contra os filisteus em seu próprio território, nos dias em que Eúde julgava a Israel, e deste modo, é citado em apenas um versículo do terceiro capitulo de Juízes (v. 31).
Esta nova apostasia de Israel produziu uma nova
opressão que veio sobre os israelitas e que durou vinte anos, e se diz que
foram oprimidos cruelmente neste período pelo rei Jabim de Canaã, cujo general
do seu exército se chamava Sísera, e que tinha sob o seu comando novecentos
carros de ferro, que foram o motivo alegado pelos israelitas desde os dias de
Josué, para não empreenderem guerra contra os cananeus do vale, por temerem
aqueles carros.
Mas, tendo os israelitas clamado mais uma vez ao
Senhor, depois de terem sido devidamente instruídos por Débora quanto ao modo
como deviam caminhar diante de Deus, obedecendo os seus mandamentos, pois além
de profetiza ela os julgava apontando-lhes qual era a vontade de Deus, e qual
era o motivo daquela opressão que perdurava por vários anos. E isto certamente contribuiu
grandemente para o arrependimento deles que trouxe como consequência uma
promessa de livramento da parte do Senhor, que veio a Débora, apontando-lhe
qual a estratégia de guerra que seria usada por Ele para prevalecer sobre o
exército de Jabim e seus carros de ferro. A profecia afirmava que o Senhor
atrairia o exército de Sísera ao ribeiro Quisom, com a intenção de destruir o
exército de Israel que estaria sob o comando de Baraque. O texto deste capítulo
não revela o modo como Deus inutilizou os carros de ferro dos cananeus, mas se
pode inferir pelas palavras do cântico de vitória de Débora, do capítulo
seguinte a este (quinto), que Deus fez desabar uma grande tempestade que fez
com que o ribeiro Quisom transbordasse, tornando deste modo todos aqueles
carros de ferro inúteis para as ações de guerra. Ao contrário, eles se
transformaram num peso para os cananeus e serviram para abalar a confiança
deles que era em grande parte depositada naquelas máquinas de guerra.
Destacamos a seguir trechos do quinto capítulo que
denotam o uso desta estratégia de Deus para paralisar os carros de Sísera:
“Ó Senhor, quando saíste de Seir, quando caminhaste
desde o campo de Edom, a terra estremeceu, os céus gotejaram, sim, as nuvens
gotejaram águas.” (v 4).
“Desde os céus pelejaram as estrelas; desde
as suas órbitas pelejaram contra Sísera.” (v. 20).
“O ribeiro de Quisom os arrastou, aquele antigo
ribeiro, o ribeiro de Quisom. Ó minha alma, calcaste aos pés a força.” (v.
21)
“Então os cascos dos cavalos feriram a terra na
fuga precipitada dos seus valentes.” (v. 22).
Israel havia sido desobediente ao mandado de Deus
quanto a expulsar os cananeus, sem qualquer piedade, e agora estava pagando o
preço da sua desobediência. De igual modo os cristãos quando se deixam arrastar
por seus sentimentos e pelas razões do seu próprio coração, para estar em jugo
desigual com os incrédulos, ainda que sabendo que está agindo contra a vontade
de Deus, o preço a ser pago no final será caro. Há leis espirituais que sempre
entrarão em ação para os cristãos, que necessariamente não atuam no caso dos
incrédulos, isto em decorrência de os cristãos estarem aliançados com o Senhor
e por isso as correções e disciplina da aliança sobrevirão sobre eles toda vez
que desobedecerem expressamente o mandado de Deus, porque são filhos amados e
já não serão mais condenados eternamente. No caso do ímpio, este poderá ter o
seu caminho ainda mais alargado, quando pratica a iniquidade, porque não é
filho, não está debaixo da aliança e do compromisso com o Senhor, e sofrerá um
maior juízo, porque em vista da abundância de bens e de toda a longanimidade de
Deus para com ele, em vez de se arrepender de seus pecados e emendar o seu
caminho, isto serviu somente para que se afastasse ainda mais do Senhor. Por
isso não se deve invejar a prosperidade do ímpio, enquanto pratica a iniquidade,
porque sofrerá um maior juízo e estará sujeito a uma condenação eterna. Veja o
caso do próprio Israel que foi vendido a
seus inimigos, quando deixou de caminhar com o Senhor e se voltou para os
ídolos! A prosperidade deles serviu apenas para afastá-los de Deus, e que
prosperidade é esta que nos leva a ficar debaixo da opressão dos nossos
inimigos? Por isso se diz que uma grande fonte de lucro é a piedade, com
contentamento (I Tim 6.6), e não as riquezas deste mundo que são incertas e
passageiras. Todo aquele que quiser fazer do dinheiro a sua segurança estará
construindo sobre a areia e mais cedo ou mais tarde sofrerá as consequências de
ter colocado as suas esperanças no poder que o dinheiro dá, e não em um viver
reto na presença do Senhor, fazendo dEle, em todo o tempo e circunstância, a
verdadeira segurança da sua vida.
Enquanto os israelitas confiavam em si mesmos e
sofriam uma dura opressão dos cananeus, uma mulher chamada Débora colocava toda
a sua confiança no Deus de Israel e recebeu bênçãos da parte dEle não apenas
para si mesma mas para todo o povo de Israel porque foi o instrumento usado
pelo Senhor para trazer libertação a eles. O seu nome Débora significa, no
hebraico, abelha, e o caráter dela fazia jus ao seu nome, porque ela produziu
doçura para os seus amigos, e foi um ferrão doloroso para os seus inimigos. Ela
tinha intimidade com Deus e era usada como Sua boca por ser uma profetiza, e
era dotada do dom de conhecimento e de sabedoria, de modo que atingiu um
reconhecimento admirável por parte dos israelitas que vinham serem julgados por
ela (v. 5), certamente não em questões de demandas pessoais contra o próximo,
mas para saberem o caminho e a vontade do Senhor para suas vidas. E ela os
concitava a retornarem ao Senhor e abandonar a sua idolatria, que estava sendo
a causa da dura opressão que toda a nação estava recebendo da parte dos
cananeus por causa da sua desobediência a Deus. É dito que ela os julgava no
lugar onde havia uma palmeira, que ficou
sendo conhecida como a palmeira de Débora, e disto se dá testemunho na Palavra
porque a palmeira era símbolo da justiça.
Os julgamentos de Débora deviam reformar a muitos e
encorajar os magistrados de Israel a colocarem em uso as leis que foram dadas
por Deus através de Moisés.
Por ser uma mulher, ela não estava em condições de
comandar um exército pessoalmente, e por isso nomeou Baraque, da tribo de
Naftali, seguindo a direção e instrução do Espírito Santo, porque através da
grande fé de Débora, Baraque seria encorajado a confiar que de fato seria
possível, sob a provisão de Deus, vencer os novecentos carros de ferro dos
cananeus. Deus havia associado então para aquela empresa a cabeça de Débora às
mãos de Baraque, de forma que ela não poderia fazer nada sem as mãos de
Baraque, e este nada poderia fazer sem a cabeça de Débora. Isto é ilustrativo da cooperação que deve
haver entre os membros do corpo de Cristo, no qual o maior e melhor nunca é
auto-suficiente, pois Deus fez com que os membros do corpo necessitem um do
outro, para o trabalho que devem realizar para Ele.
Débora afiançou a Baraque que ele poderia estar
confiante, de acordo com a palavra dela, e a palavra de Débora, era de fato uma
palavra de autoridade, porque Deus era com ela em tudo o que havia profetizado
em nome dele, de modo que alcançou renome em Israel ao ponto de muitos virem
ter com ela para serem julgados. Um ministério confirmado pelo Senhor é uma
fonte de bênção para muitos porque é legitimado pelo próprio Deus pelos
resultados que o acompanham, e tal era o caso de Débora.
O que ela
dizia era digno de confiança, de modo que todo um exército de dez mil homens
sob o comando de Baraque, se colocou em ordem de batalha porque sabia que a
palavra que aquela mulher proferia da parte de Deus era digna de inteiro
crédito.
Em Amós 3.7 nós lemos o seguinte: “Certamente o
Senhor Deus não fará coisa alguma, sem ter revelado o seu segredo aos seus
servos, os profetas.”. Se diz aqui de uma certeza de que Deus nada fará sem que
antes o revele aos seus profetas, e isto tem a ver com o fato de que suas
grandes ações devem ser preditas para que Ele possa receber a glória, o louvor
e as ações de graças que Lhe são devidos, de modo que suas bênçãos não sejam
consideradas como sendo obra do acaso. Daí a importância de que haja profetas
que sejam reconhecidamente pessoas que são a boca de Deus, na Sua igreja, de
modo que as operações da Sua graça e Seus grandes feitos possam ser preditos
antes que se cumpram, para que se saiba que foi a Sua poderosa mão e não a
força do homem que o fez.
Um profeta verdadeiro não profetiza para alcançar
renome, e tendo o verdadeiro temor do Senhor, e sabendo a grande
responsabilidade que é afirmar aquilo que Deus tem realmente dito, falará
sempre debaixo deste temor, e não ousará proferir aquilo que Deus não lhe
mandou dizer. E este caráter essencial que identifica um verdadeiro profeta de
Deus é algo muito precioso e raro, porque não são poucos os que são governados
pela sua própria imaginação e desejo de falarem coisas da parte do Senhor, e
não é de se estranhar portanto que muito se ouça debaixo do nome de Deus,
coisas que Ele não falou realmente.
Mas, no caso de Débora temos uma verdadeira
profetiza, cuidadosa e criteriosa em todo o seu caminhar, e isto foi comprovado
no fato de ter sido o instrumento escolhido por Deus para trazer a promessa de
livramento de Israel depois de vinte longos anos debaixo da opressão dos
cananeus.
Se a palavra do Senhor não tivesse sido realmente
soado através de Débora, dez mil homens de Israel teriam sido horrivelmente
massacrados pelos novecentos carros de ferro dos cananeus. Quão grande
responsabilidade havia naquela palavra que foi proferida para os israelitas se
juntarem em ordem de batalha contra os cananeus. E Baraque sabia disto, de modo
que não se dispôs a subir ao campo de batalha sem que Débora estivesse presente
com eles. A fé de Baraque não era tão grande ao ponto de receber ele próprio
tal instrução diretamente da parte de Deus. E ele se moveu baseado não numa fé
que descobrisse por si mesma qual seria a ação de Deus naquela guerra. A fé que
descobriu e revelou a vontade de Deu não foi a de Baraque que estava se
apoiando na palavra proferida por Débora. Uma fé forte descobre as coisas
relativas à verdade que está em Cristo e se apropria tenazmente delas, e jamais
se abala ou teme, porque sabe que tudo aquilo que a boca do Senhor proferiu
terá cumprimento cabal. E tal era a fé de Débora.
Como a fé de Baraque não era tão forte como a
de Débora, ela lhe disse que a honra da vitória seria atribuída a ela e não a
ele, e isto não foi proferido por motivo de vanglória, mas por revelação de
Deus, pois a mesma Débora disse em complementação a tal afirmação que isto se
deveria ao fato de o Senhor ter vendido Sísera nas mãos de uma mulher (v. 9),
como que a dizer que o mérito não era sequer propriamente dela, mas de Deus que
lhe revelara o que iria fazer e a usou com sua grande fé para não somente
encorajar o exército de Israel, como o seu próprio general, Baraque. Uma grande
fé sempre será honrada por Deus, de modo que a Baraque não foi dada a honra de
se gloriar naquela vitória, porque não tinha uma fé da qualidade da de Débora
por meio da qual pudesse não apenas conhecer a vontade de Deus, como também
ficar firme, sem vacilar até o cumprimento do que lhe foi revelado.
Tanto foi do propósito
de Deus que Baraque não fosse honrado, apesar de ter dirigido o exército de
Israel naquela batalha, que Sísera, general do exército dos cananeus foi morto
pelas mãos de uma outra mulher, Jael, fazendo assim o Senhor uso do vaso mais
fraco para que toda glória Lhe fosse tributada, como de fato convinha que o
fosse.
Jael matou a Sísera
depois de ter este fugido para onde um dos descendentes do sogro de Moisés
havia se instalado com sua família, dando início a um povoado, e Jael fazia
parte desta família. A narrativa do verso 11, aparentemente está solta e
deslocada, mas, na verdade, foi feita a título de introdução e entendimento das
ações de Jael que são narradas nos últimos versículos deste capítulo. No verso
17 se diz que havia paz entre o rei de Canaã, Jabim, e os queneus, de cujo povo
Jael fazia parte. E foi por isso que Sísera fugiu para lá julgando que seria
escondido por eles, de Baraque que saiu em sua perseguição.
Exausto que estava da
batalha, e tendo sobrado somente ele dos dez mil homens do seu exército, que
foram todos mortos pelos israelitas, pediu água a Jael, mas esta lhe deu leite
a beber, contando certamente que isto ajudaria para que ele caísse num sono
profundo, como de fato ocorreu, e ela pegando uma estaca de barraca cravou-a na
cabeça de Sísera, pregando-a ao chão.
E uma vez morto o general do exército dos cananeus
e a quase totalidade do seu exército, e tendo sido destruídos os carros de ferro,
o rei de Canaã foi enfraquecido de maneira que se afirma que ele veio a ser
destruído pelos israelitas, e ao que parece, eles baniram aquele reino da face
da terra, de maneira que daqui em diante não se ouve mais falar em reis de
Canaã.
JUÍZES 4
“1 Mas os filhos de Israel tornaram a fazer o que
era mau aos olhos do Senhor, depois da morte de Eúde.
2 E o Senhor os vendeu na mão de Jabim, rei de
Canaã, que reinava em Hazor; o chefe do seu exército era Sísera, o qual
habitava em Harosete dos Gentios.
3 Então os filhos de Israel clamaram ao Senhor,
porquanto Jabim tinha novecentos carros de ferro, e por vinte anos oprimia
cruelmente os filhos de Israel.
4 Ora, Débora, profetisa, mulher de Lapidote,
julgava a Israel naquele tempo.
5 Ela se assentava debaixo da palmeira de Débora,
entre Ramá e Betel, na região montanhosa de Efraim; e os filhos de Israel
subiam a ter com ela para julgamento.
6 Mandou ela chamar a Baraque, filho de Abinoão, de
Quedes-Naftali, e disse-lhe: Porventura o Senhor Deus de Israel não te ordena,
dizendo: Vai, e atrai gente ao monte Tabor, e toma contigo dez mil homens dos
filhos de Naftali e dos filhos de Zebulom;
7 e atrairei a ti, para o ribeiro de Quisom,
Sísera, chefe do exército de Jabim; juntamente com os seus carros e com as suas
tropas, e to entregarei na mão?
8 Disse-lhe Baraque: Se fores comigo, irei; porém
se não fores, não irei.
9 Respondeu ela: Certamente irei contigo; porém não
será tua a honra desta expedição, pois à mão de uma mulher o Senhor venderá a
Sísera. Levantou-se, pois, Débora, e foi com Baraque a Quedes.
10 Então Baraque convocou a Zebulom e a Naftali em
Quedes, e subiram dez mil homens após ele; também Débora subiu com ele.
11 Ora, Heber, um queneu, se tinha apartado dos
queneus, dos filhos de Hobabe, sogro de Moisés, e tinha estendido as suas
tendas até o carvalho de Zaananim, que está junto a Quedes.
12 Anunciaram a Sísera que Baraque, filho de
Abinoão, tinha subido ao monte Tabor.
13 Sísera, pois, ajuntou todos os seus carros,
novecentos carros de ferro, e todo o povo que estava com ele, desde Harosete
dos Gentios até o ribeiro de Quisom.
14 Então disse Débora a Baraque: Levanta-te, porque
este é o dia em que o Senhor entregou Sísera na tua mão; porventura o Senhor
não saiu adiante de ti? Baraque, pois, desceu do monte Tabor, e dez mil homens
após ele.
15 E o Senhor desbaratou a Sísera, com todos os
seus carros e todo o seu exército, ao fio da espada, diante de Baraque; e
Sísera, descendo do seu carro, fugiu a pé.
16 Mas Baraque perseguiu os carros e o exército,
até Harosete dos Gentios; e todo o exército de Sísera caiu ao fio da espada;
não restou um só homem.
17 Entretanto Sísera fugiu a pé para a tenda de
Jael, mulher de Heber, o queneu, porquanto havia paz entre Jabim, rei de Hazor,
e a casa de Heber, o queneu.
18 Saindo Jael ao encontro de Sísera, disse-lhe:
Entra, senhor meu, entra aqui; não temas. Ele entrou na sua tenda; e ela o
cobriu com uma coberta.
19 Então ele lhe disse: Peço-te que me dês a beber
um pouco d'água, porque tenho sede. Então ela abriu um odre de leite, e deu-lhe
de beber, e o cobriu.
20 Disse-lhe ele mais: Põe-te à porta da tenda; e
se alguém vier e te perguntar: Está aqui algum homem? responderás: Não.
21 Então Jael, mulher de Heber, tomou uma estaca da
tenda e, levando um martelo, chegou-se de mansinho a ele e lhe cravou a estaca
na fonte, de sorte que penetrou na terra; pois ele estava num profundo sono e
mui cansado. E assim morreu.
22 E eis que, seguindo Baraque a Sísera, Jael lhe
saiu ao encontro e disse-lhe: Vem, e mostrar-te-ei o homem a quem procuras.
Entrou ele na tenda; e eis que Sísera jazia morto, com a estaca na fonte.
23 Assim Deus naquele dia humilhou a Jabim, rei de
Canaã, diante dos filhos de Israel.
24 E a mão dos filhos de Israel prevalecia cada vez
mais contra Jabim, rei de Canaã, até que o destruíram.” (Jz 4.1-24).