segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Comentário de Cantares


Cantares 1

“1 O cântico dos cânticos, que é de Salomão.
2 Beije-me ele com os beijos da sua boca; porque melhor é o seu amor do que o vinho.
3 Suave é o cheiro dos teus perfumes; como perfume derramado é o teu nome; por isso as donzelas te amam.
4 Leva-me tu; correremos após ti. O rei me introduziu nas suas recâmaras; em ti nos alegraremos e nos regozijaremos; faremos menção do teu amor mais do que do vinho; com razão te amam.
5 Eu sou escura, mas formosa, ó filhas de Jerusalém, como as tendas de Quedar, como as cortinas de Salomão.
6 Não repareis em eu ser escura, porque o sol crestou-me a tez; os filhos de minha mãe indignaram-se contra mim, e me puseram por guarda de vinhas; a minha vinha, porém, não guardei.
7 Dize-me, ó tu, a quem ama a minha alma: Onde apascentas o teu rebanho, onde o fazes deitar pelo meio-dia; pois, por que razão seria eu como a que anda errante pelos rebanhos de teus companheiros?
8 Se não o sabes, ó tu, a mais formosa entre as mulheres, vai seguindo as pisadas das ovelhas, e apascenta os teus cabritos junto às tendas dos pastores.
9 A uma égua dos carros de Faraó eu te comparo, ó amada minha.
10 Formosas são as tuas faces entre as tuas tranças, e formoso o teu pescoço com os colares.
11 Nós te faremos umas tranças de ouro, marchetadas de pontinhos de prata.
12 Enquanto o rei se assentava à sua mesa, dava o meu nardo o seu cheiro.
13 O meu amado é para mim como um saquitel de mirra, que repousa entre os meus seios.
14 O meu amado é para mim como um ramalhete de hena nas vinhas de En-Gedi.
15 Eis que és formosa, ó amada minha, eis que és formosa; os teus olhos são como pombas.
16 Eis que és formoso, ó amado meu, como amável és também; o nosso leito é viçoso.
17 As traves da nossa casa são de cedro, e os caibros de cipreste.”

Caso este livro de Cantares não tivesse a inspiração do Espírito Santo, e caso se tratasse apenas de um cântico dirigido por um esposo à sua esposa, certamente não constaria nas páginas da Bíblia, porque teria sido excluído do Cânon, porque não teríamos nele, nenhuma mensagem da parte de Deus para o Seu povo, para a Sua amada Igreja, senão apenas um poema dentre tantos outros poemas.
No entanto, nós podemos ver nas páginas deste livro, Cristo falando pela boca de Salomão à Sua noiva, que é a Igreja, que Ele tanto ama, e à qual estará ligado para sempre depois de celebradas as bodas de casamento, quando a apresentar a Si Igreja santa, perfeita, sem qualquer ruga ou mancha. E também nós vemos a Sua noiva lhe dirigindo os cânticos do seu amor por Ele, louvando-O por todos os Seus atributos, que são perfeitos, não apenas aos olhos da noiva, mas porque é de fato como eles existem neste Noivo celestial.
Neste livro de Cantares, podemos então, ver qual é o tipo de sentimento que há no coração do Senhor pelos amados que Ele comprou pelo Seu sangue, para estar aliançado com eles para sempre, numa aliança de caráter matrimonial, na qual há a intimidade da participação da Sua vida na nossa vida, do Seu espírito no nosso espírito, da Sua alma na nossa alma e do Seu corpo no nosso corpo, porque foi dado pelo Pai para ser a cabeça do corpo que é a Sua Igreja.
Este cântico foi composto também, para revelar como a Sua Noiva deve responder a tal amor.
Caso este cântico fosse apenas uma poesia que tivesse sido composta por Salomão para a sua esposa amada, ele o teria iniciado, falando do seu próprio amor pela noiva, mas ele fizera exatamente o oposto disso, porque o cântico é introduzido pela expressão do amor da sua esposa por ele. 
Então, em nosso comentário, usaremos o nome de Cristo nas referências ao esposo, e o da Igreja, nas referências à esposa, porque o cântico foi escrito para o propósito de revelar o modo pelo qual deve ser exibido o  grande amor que eles sentem mutuamente. 
Este cântico pode ser aplicado ao tempo da dispensação da Lei, mas é especialmente dirigido para a dispensação da graça, na qual o Senhor tem dado um novo cântico ao Seu povo. Um cântico que é resultante do vinho novo que foi colocado em odres novos, a saber, a habitação do Espírito Santo nos corações transformados dos crentes.       
Não é sem razão que Salomão intitulou esta composição que lhe fora dada pelo Espírito, de cântico dos cânticos, ou seja, o melhor dentre todos eles, que foram escritos para celebrar o amor, porque não celebra o amor filéo (de simples amigos), ou Eros (sensual), mas o amor ágape,que é o amor que existe entre Deus e os crentes e destes uns com os outros. É portanto um amor sobrenatural, espiritual produzido pelo Espírito Santo, que nos vem do céu, e não é um produto das coisas que há na terra.   
Salomão havia composto mil e cinco canções, além dos três mil provérbios que ele escreveu (I Reis 4.32), e isto prova então, que somente esta teve a marca especial do Espírito Santo em tudo o que fora escrito, porque nenhuma das mil e cinco canções foram reconhecidas, como tendo tal inspiração divina, senão apenas esta à qual ele chamou, por isso, de cântico dos cânticos, porque ele próprio reconheceu que era um cântico diferente de todos os demais que havia escrito, porque houve nele esta inspiração que lhe veio do alto da parte de Deus, ligando o seu coração ao dEle, mostrando-lhe quão elevado é o Seu amor divino, que Ele tem derramando abundantemente em nossos corações por meio de Jesus Cristo, e pela habitação do Espírito.   
O Senhor havia dado por isso a Salomão um nome profético, Jedidias, que significa “o amado do Senhor” (II Sam 12.25). Deus lhe havia conhecido antes mesmo de tê-lo formado no ventre de Bate-Seba, e lhe moldara o caráter pacífico que ele possuía, e tanto se agradou dele, que lhe deu sabedoria e riquezas mais do que a qualquer outro.
Em Sua presciência, o Senhor sabia que ele viria ser corrompido, na sua velhice, pelas muitas alianças que havia feito com nações estrangeiras, que lhe deram esposas idólatras para firmar aquelas alianças, e viria assim a fazer o que era mal perante aos olhos do Senhor, permitindo que elas dessem honra aos deuses de suas nações construindo santuários para eles em Israel.
Todavia, como ele era justificado pela graça de Deus, o Senhor profetizara a Davi, seu pai, que usaria de misericórdia para com ele, mas o corrigiria assim como um pai corrige a seu filho, mas não desfaria a aliança eterna que havia firmado com Salomão, porque era sem dúvida, um dos seus escolhidos, tal como fora Sansão, e para com o qual também usara de misericórdia, quando se desviou dos Seus caminhos, no final da sua vida, mas lhe deu honra, inserindo o seu nome na galeria dos heróis da fé de Hebreus 11.
Acerca de Salomão, o Senhor disse através do profeta Natã a Davi, o seguinte, em II Sam 7.12-15, onde vemos a promessa de não retirar de Salomão a Sua benignidade, tal como ela havia sido retirada de Saul, porque quanto à salvação, Salomão era um eleito de Deus, pelo que podemos inferir dos Provérbios e Salmos que escreveu, bem como deste cântico, e que estão na Bíblia como Palavra inspirada de quem tinha o Espírito Santo, e todo aquele que tem o Espírito Santo, pertence a Cristo, daí a promessa de que não seria lançado fora da presença de Deus, apesar de ter vindo a transgredir, como se vê no verso 14, mas foi castigado por Deus como filho, porque o Senhor disse que lhe seria por pai, e ele lhe seria por filho. Certamente esta parte da profecia não está dirigida a Cristo, a quem ela também se refere na condição de quem firma o trono de Davi para sempre, porque Ele nunca pecou, e jamais seria necessário dizer acerca dEle, que caso viesse a transgredir, que seria castigado pelo Pai.

12 Quando teus dias forem completos, e vieres a dormir com teus pais, então farei levantar depois de ti um dentre a tua descendência, que sair das tuas entranhas, e estabelecerei o seu reino.
13 Este edificará uma casa ao meu nome, e eu estabelecerei para sempre o trono do seu reino.
14 Eu lhe serei pai, e ele me será filho. E, se vier a transgredir, castigá-lo-ei com vara de homens, e com açoites de filhos de homens;
15 mas não retirarei dele a minha benignidade como a retirei de Saul, a quem tirei de diante de ti.” (II Sam 7.12-15).

A transgressão de Salomão no final de sua vida, ainda que não deva servir de inspiração para ser imitada ou defendida por nenhum crente, no entanto, não pode desqualificá-lo como homem de Deus que ele havia sido, tal como todos os demais que vieram a transgredir naquela Antiga Aliança, firmada na Lei, tal como os reis piedosos Asa, Joás, Uzias e outros depois dele, e que eram também, sem dúvida eleitos de Deus, tal como Salomão.
Nós vemos então a segurança eterna da salvação que é garantida por causa da eleição de Deus, e não por qualquer mérito ou capacidade existente em nós para garantirmos a nossa própria salvação.
Em I Reis 3.3 está registrado que Salomão amava o Senhor e que andou nos estatutos de Davi.
Ele era Jedidias, o amado do Senhor, e por isso nós podemos agora comentar o cântico de louvor e amor que ele compôs, porque era do Seu amado, e o Seu amado era dele; ele amou o Senhor, porque o Senhor o amou primeiro, e o salvou para que fosse Seu filho. 
Por vezes eu indagava por que Deus não deu a Davi este cântico, que perseverou em fidelidade a Ele até o final da sua vida? Por que havia dado a Salomão, e não a Davi? Creio ter a resposta para isto, provavelmente dentre outras razões, para que saibamos que o amor que temos para com Ele, e da Sua parte para conosco, não se baseia na nossa perfeição pessoal, que a propósito, ninguém a possui, mas na Sua graça e misericórdia, para com pessoas imperfeitas e pecadoras, tal como nós.
O amor que aqui se expressa não é o amor que existirá em perfeição para sempre, sem nenhum ruído na nossa comunhão com o Senhor, quando estivermos reunidos com Ele na glória, mas é o amor que Ele tem manifestado enquanto ainda permanecemos sujeitos à influência da natureza terrena e do pecado que opera na nossa carne.
É por este amor que temos sido aperfeiçoados, em graus cada vez maiores pelo derramar abundante da Sua graça. Amar o que é perfeito é fácil, mas como no dizer de Paulo:

“Mas Deus dá prova do seu amor para conosco, em que, quando éramos ainda pecadores, Cristo morreu por nós.” (Rom 5.8)  

Não foi por pessoas perfeitas que Cristo morreu.      
Não foi um mundo de homens que eram perfeitos em amor e justiça, que Deus amou.
Então o que fez Deus para que pudéssemos amá-lO? Não somente nos deu Cristo para morrer pelos nossos pecados, como também nos deu o Espírito Santo para habitar em nossos corações, para que conhecêssemos o Seu fruto do amor:

“porquanto o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado.” (Rom 5.5 b).

Foi para este amor que fomos criados, porque em Sua própria essência Deus é amor.
Então este cântico, nos alerta para esta realidade de que não acharemos a satisfação plena, a realização plena segundo a nossa real vocação, se não formos inteiramente absorvidos pelo amor de Deus.
Nada e ninguém poderá ocupar o lugar de Deus, porque fomos programados para amá-lO com toda a nossa força, com toda a nossa mente e com todo o nosso coração. E quem faz isto se transformar em realidade é o crescimento neste amor que é promovido em graus pelo Espírito Santo que Ele derramou em nossos corações para tal propósito.
Este amor é de intimidade. É de participação comum de vidas. Portanto, não pode ser conhecido e vivido por aqueles que não participam da intimidade com o Senhor, a qual é para aqueles que O temem.
Não é um amor romântico que está em foco. Não é um amor que consiste meramente em palavras. Mas um amor que funde espíritos num só espírito, a saber, o do crente com o de Cristo, de modo que já não são, como no casamento entre homem e mulher, mais dois, mas um só espírito, e daí se dizer em I Cor 6.17:  

“Mas, o que se une ao Senhor é um só espírito com ele.” (I Cor 6.17).

E isto se aplica aos próprios crentes, em relação a uns com os outros, como se vê em textos como os seguintes:

“3 procurando diligentemente guardar a unidade do Espírito no vínculo da paz.
4 Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação;” (Ef 4.3,4)

“Somente portai-vos, dum modo digno do evangelho de Cristo, para que, quer vá e vos veja, quer esteja ausente, ouça acerca de vós que permaneceis firmes num só espírito, combatendo juntamente com uma só alma pela fé do evangelho;” (Fp 1.27)

Tal unidade em Cristo, e uns com os outros, faz com que o Espírito Santo seja uma fonte inesgotável de um amor que não se cansa de expressar, e que quanto mais se experimenta dele, mais se deseja experimentar. 
Por isso Cantares começa de modo abrupto e sem qualquer delonga, falando da expressão deste amor, da seguinte forma: 
     
2 Beije-me ele com os beijos da sua boca; porque melhor é o seu amor do que o vinho.
3 Suave é o cheiro dos teus perfumes; como perfume derramado é o teu nome; por isso as donzelas te amam.
4 Leva-me tu; correremos após ti. O rei me introduziu nas suas recâmaras; em ti nos alegraremos e nos regozijaremos; faremos menção do teu amor mais do que do vinho; com razão te amam.” (v. 2 a 4).

Pergunto-me se haveria forma mais bela de se exaltar este grande amor sobre o qual temos discorrido!
Que força de expressão amorosa há nestas palavras!
O Rei inspira em nós o desejo de o beijarmos por causa da excelência do Seu amor. O Seu perfume é desejável porque a simples menção do Seu nome é como o derramar dos mais preciosos perfumes. De modo que aqueles que O amam não conseguem resistir ao Seu chamado e logo correm após Ele, para privar da intimidade das suas recâmaras, que é a Sua própria pessoa, na qual encontramos vida, alegria e regozijo em abundância. Tal é a força impulsora deste amor espiritual em nós que nos leva a proclamá-lo, porque não é sem razão que Ele é amado, por tudo o que é em Si mesmo e por tudo o que faz por nós.     
Este amor não é um amor egoísta, é um amor para ser compartilhado com outros, e o impulsionar do Espírito em nós nos conduz a isto, quando estamos cheios do amor de Cristo.
As palavras proferidas pela esposa de Cristo (Igreja) nos versos seguintes deste capitulo do cântico bem comprovam o que afirmamos anteriormente quanto ao amor de um esposo perfeito por uma esposa ainda imperfeita que está destinada a ser perfeita na glória.
Ela afirma ser escura, apesar de saber que ainda assim é formosa para o Seu noivo. Ela pede para que os outros não reparem no fato dela ser escura, não no sentido da cor da sua pele, porque como dissemos, este cântico é espiritual, e portanto, retrata a condição escura da alma, por causa do pecado. É como se a noiva dissesse, que apesar de ter saído das trevas do pecado, e de ainda estar sujeita à ação destas trevas, no entanto, o seu Esposo a ama.   
A noiva diz que os filhos da sua mãe, ou seja seus irmãos se indignaram contra ela (uma referência aos seus semelhantes, e não propriamente a crentes), e para impedir que ela estivesse com o amado da sua alma, lhe haviam colocado como guarda de vinhas, mas ela não se submeteu a eles e não cuidou da sua vinha como os demais. Ela não se envolveu com os negócios deste mundo porque o seu único desejo era o de agradar ao amado da Sua alma. Assim é como age de fato a Igreja que é fiel a Cristo.

“Nenhum soldado em serviço se embaraça com negócios desta vida, a fim de agradar àquele que o alistou para a guerra.” (II Tim 2.4).

“4 Infiéis, não sabeis que a amizade do mundo é inimizade contra Deus? Portanto qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus.
5 Ou pensais que em vão diz a escritura: O Espírito que ele fez habitar em nós anseia por nós até o ciúme?” (Tg 4.4,5)

Deus não dividirá o Seu amor por nós com coisas vãs, e de igual modo não devemos dividir o nosso afeto e amor por Ele com as coisas vãs deste mundo.
Entristece ao amor divino ver o nosso tempo sendo gasto com coisas vãs, quando deveria estar sendo ocupado com Ele e com os Seus interesses santos, justos, bons e perfeitos.
Então a esposa procura saber onde pode achar o Amado da sua alma. Ela deseja chegar ao lugar onde Ele apascenta costumeiramente o Seu rebanho. Ela não quer de modo nenhum ser achada errante em outro rebanho que não seja o do Seu Esposo, que é Cristo.
Como era este o desejo da Igreja então Cristo se deixou achar por ela.
É sempre assim que ocorre porque Ele prometeu se deixar achar por aquele que O buscar, e de abrir-lhe a porta ao bater nela.
É também Seu desejo nos achar, tanto quanto o nosso de achá-lo.
E é exatamente o que se afirma nos versos 8 a 17, o que ocorre quando estamos em comunhão com Ele, porque nestas horas, são trocadas as mais profundas e belas expressões de amor espiritual, que se traduz em aprovação, consolações, fortalecimentos de graça, visões e revelações do Espírito, enchimento de poder, amor, paz, alegria, bondade e todos os demais dons, da parte do Esposo (V. 8 a 11, 15); e da parte da esposa  (v. 12 a 14; 16, 17) Ele é brindado com reverência, humildade, louvores, intercessões, serviços, proclamação das Suas virtudes e obra, gratidão, e dando-Lhe por devolvido tudo o que recebe da Sua parte quanto ao Seu amor, alegria, justiça, bondade, etc.  


Cantares 2

“1 Eu sou a rosa de Sarom, o lírio dos vales.
2 Qual o lírio entre os espinhos, tal é a minha amada entre as filhas.
3 Qual a macieira entre as árvores do bosque, tal é o meu amado entre os filhos; com grande regozijo sentei-me à sua sombra; e o seu fruto era doce ao meu paladar.
4 Levou-me à sala do banquete, e o seu estandarte sobre mim era o amor.
5 Sustentai-me com passas, confortai-me com maçãs, porque desfaleço de amor.
6 A sua mão esquerda esteja debaixo da minha cabeça, e a sua mão direita me abrace.
7 Conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém, pelas gazelas e cervas do campo, que não acordeis nem desperteis o amor, até que ele o queira.
8 A voz do meu amado! eis que vem aí, saltando sobre os montes, pulando sobre os outeiros.
9 O meu amado é semelhante ao gamo, ou ao filho da gazela; eis que está detrás da nossa parede, olhando pelas janelas, lançando os olhos pelas grades.
10 Fala o meu amado e me diz: Levanta-te, amada minha, formosa minha, e vem.
11 Pois eis que já passou o inverno; a chuva cessou, e se foi;
12 aparecem as flores na terra; já chegou o tempo de cantarem as aves, e a voz da rola ouve-se em nossa terra.
13 A figueira começa a dar os seus primeiros figos; as vides estão em flor e exalam o seu aroma. Levanta-te, amada minha, formosa minha, e vem.
14 Pomba minha, que andas pelas fendas das penhas, no oculto das ladeiras, mostra-me o teu semblante faze-me ouvir a tua voz; porque a tua voz é doce, e o teu semblante formoso.
15 Apanhai-nos as raposas, as raposinhas, que fazem mal às vinhas; pois as nossas vinhas estão em flor.
16 O meu amado é meu, e eu sou dele; ele apascenta o seu rebanho entre os lírios.
17 Antes que refresque o dia, e fujam as sombras, volta, amado meu, e faze-te semelhante ao gamo ou ao filho das gazelas sobre os montes escabrosos.”

Foi com o nome de “Eu sou o que sou”, que  Deus se apresentou a Moisés, quando este lhe perguntou qual o nome que deveria dar aos israelitas quando fosse a eles no cativeiro no Egito, quando lhe perguntassem o nome do Deus que lhe havia enviado a eles. 
Então não é incomum vermos nosso Senhor dizendo de si mesmo tanto no Antigo, quanto no Novo Testamento, esta expressão “Eu sou...”, como por exemplo:

“Eu sou o pão que desceu do céu...” (Jo 6.41)
“Eu sou o pão da vida...” (Jo 6.48)
“Eu sou o pão vivo que desceu do céu...” (Jo 6.51)
“Eu sou a luz do mundo...” (Jo 8.12)
“Eu sou a porta das ovelhas...” (Jo 10.7)  
“Eu sou o bom pastor...” (Jo 10.11)
“Eu sou a ressurreição e a vida...” (Jo 11.25)
“Eu sou o caminho e a verdade e a vida...” (Jo 14.6)
“Eu sou a videira verdadeira...” (Jo 15.1) 

E aqui logo no início do segundo capitulo de Cantares, o Senhor falou pela boca de Salomão que Ele é a rosa de Sarom e o lírio dos vales.
Nosso Senhor não é uma rosa de um jardim fechado, mas a rosa das campinas de Sarom, que era a rosa mais excelente que havia, e também não é o lírio entre rochas escabrosas, mas o lírio dos vales, pelos quais revelou a Sua beleza e o adorno do Seu povo, que não está em nenhum lugar de difícil acesso em que não possa ser achado, mas que se encontra à disposição de todo aquele que procurar por Ele.
A palavra hebraica Sarom, significa planície, lugar nivelado, e era por esse nome que era chamado o território que ficava situado entre as montanhas de Efraim e o Mar Mediterrâneo.
Então é num vale plano e não em terras escarpadas que nos encontramos com Cristo. Isto indica que Ele não criará nenhuma dificuldade para ser achado por aqueles que O buscam.      
Ele não é como a Sua Igreja amada, à qual ele se refere como sendo um lírio entre espinhos. A Igreja é um lírio, mas possui, enquanto neste mundo as imperfeições e pecados, com os quais fere o coração de Cristo.
Os crentes são nova criatura, são co-participantes da natureza divina, e por isso Cristo os chama também de lírios, mas, enquanto na carne, estão sujeitos aos espinhos da natureza terrena, que devem ter a diligência de mortificar, e de se despojar, para que não firam tanto ao Seu Amado, de modo que possam ter uma maior comunhão com Ele.    
Todavia, em relação a Cristo, a Igreja não pode dizer que há qualquer espinho no lírio dEle, na condição de lírio dos vales, ao contrário, ela afirma que Ele é como a macieira entre as árvores do bosque; e que isto se refere à sua condição entre os seus filhos. Se Cristo e os crentes são considerados como árvores, Ele é uma árvore mais excelente do que eles, porque se estão sendo feitos à Sua semelhança, no entanto não são da Sua mesma essência, que em relação a Ele é somente igual à do Pai e à do Espírito Santo.
Por isso a Igreja descansa à Sua sombra, porque Ele mesmo é o descanso do Seu povo, e o Seu fruto que é implantado em nós pelo Espírito Santo, não é algo duro ou amargo, mas doce (v. 3).      
Se buscarmos a presença de Cristo sempre seremos achados em banquetes espirituais, e por isso é dito que a Igreja foi introduzida à sala do banquete pelo Seu Amado. E a condição em que se encontram estes crentes que estão participando do banquete espiritual de Cristo, em Sua adoração, sempre será a de triunfo e exaltação, porque o Senhor estenderá sobre eles a bandeira (estandarte) do Seu amor, pelo qual todo medo é lançado fora, porque nos fará sentir seguros em Sua presença, não por causa de fazer prevalecer o Seu domínio sobre nós pela força, senão unicamente pelo Seu amor (v. 4).

“Graças, porém, a Deus que em Cristo sempre nos conduz em triunfo, e por meio de nós difunde em todo lugar o cheiro do seu conhecimento;” (II Cor 2.14).

“Pois o amor de Cristo nos constrange, porque julgamos assim: se um morreu por todos, logo todos morreram;” (II Cor 5.14)

Embriagados não com vinho mas com o Espírito Santo (Ef 5.18), estando cheios da plenitude do amor de Cristo, os crentes somente acharão conforto no alimento espiritual que há no banquete espiritual do qual eles participam juntamente com nosso Senhor nas regiões celestiais, aos quais são chamados pela esposa em Cantares, por passas e por maçãs, que são frutos nobres de árvores nobres (v. 5).   
E nesta condição nada mais lhes interessa senão o regozijo espiritual da manifestação da presença de Cristo, que arrebata todo o nosso ser à Sua própria presença, para a íntima comunhão em amor que Ele tanto anseia ter conosco, e que tanto nos agrada quando a estamos experimentando (v. 6). 
Todavia, estas horas sagradas e elevadas de comunhão não ocorrerão sempre no momento mesmo em que as desejarmos, porque Ele sempre operará pela Sua própria e exclusiva soberania e autoridade. 
Por vezes nos visitará inesperadamente, surpreendendo-nos com as manifestações do Seu poder e amor. Por isso se diz que o amor não deve ser despertado até que nosso Senhor o queira. Porque não o fará por ser obrigado a fazê-lo, porque agirá sempre de modo voluntário. Por isso espera que O busquemos também voluntariamente e por inspiração do Seu Espírito, e não por qualquer impulso da carne (v. 7).
Contudo, sempre que Ele vier ao nosso encontro, nós o saberemos, porque a Sua voz é inconfundível, e virá ao nosso encontro rapidamente, como um cavaleiro em seu cavalo que vem saltando velozmente sobre os montes elevados da Sua glória. Ele virá das alturas em que se encontra ao nosso encontro aqui embaixo, e  nos conduzirá em espírito às mesmas alturas em que Ele se encontra, para que o adoremos na beleza da Sua santidade (v. 8). 

“19 Tendo pois, irmãos, ousadia para entrarmos no santíssimo lugar, pelo sangue de Jesus,
20 pelo caminho que ele nos inaugurou, caminho novo e vivo, através do véu, isto é, da sua carne,
21 e tendo um grande sacerdote sobre a casa de Deus,
22 cheguemo-nos com verdadeiro coração, em inteira certeza de fé; tendo o coração purificado da má consciência, e o corpo lavado com água limpa,
23 retenhamos inabalável a confissão da nossa esperança, porque fiel é aquele que fez a promessa;” (Hb 10.19-23)

Assim como o gamo ou o filho da gazela que espreita por entre as janelas das casas, aproximando-se delas inesperadamente, de igual modo nosso Senhor vigia constantemente a vida dos Seus amados, e os chama para se levantarem e caminharem ao Seu lado, porque importa que estejam onde Ele estiver.

“Se alguém me quiser servir, siga-me; e onde eu estiver, ali estará também o meu servo; se alguém me servir, o Pai o honrará.” (Jo 12.26)

Uma vez passado o inverno da disciplina do Espírito, ou a breve ausência do Senhor produzida por aflições ou quaisquer outras condições pelas quais esteja provando a nossa fé para que seja aumentada, Ele voltará a nos chamar para a primavera da alegria de andarmos com liberdade, sem o temor do frio ou da chuva, porque nos mostrará a beleza e das flores e nos fará sentir o seu aroma, os frutos, o cântico dos pássaros, porque é chegado o tempo de mais uma vez trazer regozijo, paz e alegria às nossas almas (v. 10 a 13).  
O amor do Senhor pela Sua Igreja é tão grande que Ele lhe pede para que Lhe mostre o seu semblante e que lhe faça ouvir a sua voz, saindo das fendas e das penhas em que geralmente costuma ser encontrada, porque fora da Sua presença santa, não se pode ouvir a sua voz doce e o seu semblante formoso.
A tendência do pecador desde que Adão caiu no Éden, é sempre a de se esconder da presença do Senhor, como Adão tentara fazer atrás das árvores do jardim. Todavia o Senhor veio ao Seu encontro para lhe oferecer redenção. Mas Adão teria quer ser sincero, teria que mostrar a cara, teria que revelar o que estava atrapalhando agora a sua comunhão com Deus, e tudo aquilo que se encontrava em seu coração. Nosso Senhor é a verdade, e é necessário que sejamos verdadeiros perante Ele, e sairmos dos esconderijos em que nos encontramos em nossos espíritos, para que a Sua luz penetre o mais interior do nosso ser, para que possamos desfrutar da Sua presença no nosso interior.   
Por isso se ordena que sejam capturadas as raposinhas que destróem as vinhas da Sua lavoura divina, a qual somos nós. E estas raposinhas representam tudo aquilo que possa nos separar da comunhão com Ele (v. 15).
Enquanto elas estiverem na lavoura não será possível frutificar para Deus. Então se exige diligência para que o pecado seja mortificado diariamente, porque é ele a raposinha principal que impede a nossa frutificação espiritual.  
Há portanto este trabalho que deve ser feito pelo Espírito que visa à santificação da Igreja.
Todavia, independente do grau de santificação obtida por este trabalho, há uma relação de laços indissolúveis, como a do casamento, conforme estabelecido por Deus, para ser sinal da união que há entre Cristo e a Igreja.
Por isso a Igreja pode afirmar o que lemos no verso 16:

“O meu amado é meu, e eu sou dele; ele apascenta o seu rebanho entre os lírios.” (v. 16).
 
Não é somente Jesus que nos possui, porque a Igreja também Lhe possui. Ambos se pertencem mutuamente. Já não podem ser separados, porque aquilo que Deus uniu o homem não pode separar.
Por isso o apóstolo afirma o seguinte em Rom 8.35:

“quem nos separará do amor de Cristo? a tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada?” (Rom 8.35.

E em I Cor 3.21-23: 

“21 Portanto ninguém se glorie nos homens; porque tudo é vosso;
22 seja Paulo, ou Apolo, ou Cefas; seja o mundo, ou a vida, ou a morte; sejam as coisas presentes, ou as vindouras, tudo é vosso,
23 e vós de Cristo, e Cristo de Deus.” ( I Cor 3.21-23).

O Senhor apascenta o Seu rebanho entre os lírios. É em pastos verdejantes que alimenta as Suas ovelhas. Isto significa que Ele é um provedor bondoso para os que Lhe pertencem. Ele não lhes dá o pão de amargura por alimento. Este pão de amargura do qual alguns crentes estão se alimentando não lhes foi dado certamente pelo Senhor, senão pelos seus próprios pecados. 

A Igreja clama para que Cristo, Seu amado venha rapidamente ao Seu encontro, antes do cair da noite (v. 17).   
Ela anseia andar como filha da luz, e somente na luz, porque sabe que já vai alta a noite de trevas sobre este mundo, que precipitará os juízos de Deus sobre toda a terra, e sabe que não tem participação neste juízos, porque não é filha da noite, mas do dia; não é filha das trevas, mas da luz. Todavia, sabe que não tem esta luz em si mesma, porque somente o Seu amado é a Luz, e ela apenas reflete esta luz, sem a qual não há a verdadeira vida que procede de Deus.  

“1 No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
2 Ele estava no princípio com Deus.
3 Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez.
4 Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens.
5 E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam.”. (Jo 1.1-5)

João afirma no verso 4 que a vida estava em Cristo, e que esta vida era a luz dos homens.
Ele é portanto o Deus vivo, que não é Deus de mortos, mas de vivos, porque tudo o que vive tem a sua origem em Deus, por meio de quem tudo subsiste. Todo espírito que está ligado a Deus vive e viverá eternamente. Mas fora de Deus tudo é morte.   
O fato de ser a vida de Cristo a luz dos homens, isto está restringido no verso 5 àqueles que são de Cristo, porque aqueles que amam as trevas não podem compreender esta luz, espiritual, celestial e divina.
Mas os que compreendem e amam a luz, devem andar na luz de Jesus para que possam também ser luz no Senhor. Ele criou os homens para serem uma lâmpada que brilhe com a Sua luz, queimando com o óleo do Espírito Santo.
João diz que a vida de Cristo é a luz dos homens, porque os crentes devem ser como lâmpadas que emitem a luz de Cristo.  
É a Palavra eterna na lâmpada que é o crente, que o faz brilhar com o brilho que procede de Deus. 
 Sem a Palavra que acende esta lâmpada, ela permanece apagada. Por isso se ordena aos crentes que não apaguem o Espírito Santo, para não terem as suas próprias lâmpadas, que são suas vidas, apagadas. 
Para que tenha luz, o crente depende inteiramente de Deus, e portanto da Sua Palavra e do fogo do Espírito Santo. Deus uniu a ambos para que o crente possa brilhar, e assim manifeste a vida eterna de Deus para iluminar este mundo de trevas.
A luz condenará as obras infrutíferas das trevas naqueles que permanecem no pecado, porque fará a exposição do que se ocultava nas trevas:
“Mas todas estas coisas, sendo condenadas, se manifestam pela luz, pois tudo o que se manifesta é luz.”  (Ef 5.13).
É pela luz da revelação divina que o pecado pode ser condenado ou extirpado.  E João nos diz que a vida está em Jesus, e que esta vida era a luz dos homens; isto é, somente quando a vida poderosa de Jesus se manifesta em alguém, que tal pessoa poderá vir para a luz de Deus e conhecer a Deus e compreender as coisas espirituais e divinas. Assim, fora de Cristo, não há tal possibilidade, porque vida e luz para os homens procedem dEle. 
A vida eterna que nós necessitamos para escapar da morte eterna está somente em Cristo Jesus, e é nEle portanto que devemos buscá-la, e João nos indica o meio de obtê-la, a saber, por meio da Palavra e pelo andar na luz.     
É a luz de Cristo que ilumina o nosso entendimento e espírito para compreendermos as Escrituras.
Elas permanecem como um livro fechado para nós até que Cristo abra o nosso entendimento e se revele ao nosso espírito para que possamos compreendê-las; tal como fizera com os dois discípulos no caminho de Emaús, aos quais lhes abriu o entendimento para compreenderem tudo o que estava escrito acerca dEle nas Escrituras.
Não foi João quem conceituou Jesus como luz, pois Ele próprio fizera tal afirmação acerca de Si mesmo durante o Seu ministério terreno, confirmando aquilo que as Escrituras do Velho Testamento afirmam sobre Ele, especialmente de que Ele seria luz para os gentios.
“o povo que estava sentado em trevas viu uma grande luz; sim, aos que estavam sentados na região da sombra da morte, a estes a luz raiou.”  (Mt 4.16).
“E o julgamento é este: A luz veio ao mundo, e os homens amaram antes as trevas que a luz, porque as suas obras eram más.” (Jo 3.19).
“Então Jesus tornou a falar-lhes, dizendo: Eu sou a luz do mundo; quem me segue de modo algum andará em trevas, mas terá a luz da vida.”  (Jo 8.12). Veja que foi Jesus quem disse que é a luz que dá vida aos homens, de maneira que aquele que não está na luz e que não é luz por ter recebido tal luz de Jesus, continua morto em seus pecados. A vida eterna consiste portanto na manifestação desta luz no nosso viver.   
“pois em ti está o manancial da vida; na tua luz vemos a luz.”  (Sl 36.9).


Cantares 3

“1 De noite, em meu leito, busquei aquele a quem ama a minha alma; busquei-o, porém não o achei.
2 Levantar-me-ei, pois, e rodearei a cidade; pelas ruas e pelas praças buscarei aquele a quem ama a minha alma. Busquei-o, porém não o achei.
3 Encontraram-me os guardas que rondavam pela cidade; eu lhes perguntei: Vistes, porventura, aquele a quem ama a minha alma?
4 Apenas me tinha apartado deles, quando achei aquele a quem ama a minha alma; detive-o, e não o deixei ir embora, até que o introduzi na casa de minha mãe, na câmara daquela que me concebeu:
5 Conjuro-vos, ó filhos de Jerusalém, pelas gazelas e cervas do campo, que não acordeis, nem desperteis o amor, até que ele o queira.
6 Que é isso que sobe do deserto, como colunas de fumaça, perfumado de mirra, de incenso, e de toda sorte de pós aromáticos do mercador?
7 Eis que é a liteira de Salomão; estão ao redor dela sessenta valentes, dos valentes de Israel,
8 todos armados de espadas, destros na guerra, cada um com a sua espada a cinta, por causa dos temores noturnos.
9 O rei Salomão fez para si um palanquim de madeira do Líbano.
10 Fez-lhe as colunas de prata, o estrado de ouro, o assento de púrpura, o interior carinhosamente revestido pelas filhas de Jerusalém.
11 Saí, ó filhas de Sião, e contemplai o rei Salomão com a coroa de que sua mãe o coroou no dia do seu desposório, no dia do júbilo do seu coração.”

Não podemos sentir saudades ou tristezas por aquilo que nunca tivemos ou que nunca conhecemos.
Mas se temos conhecido ao Senhor, e quanto maior for este conhecimento íntimo de comunhão espiritual com Ele, não somente sentiremos saudades ou tristezas se ficarmos ausentes da Sua presença, como até mesmo seremos consumidos pela dor que existirá em nossas almas por tal ausência. 
Se Ele passou a ser a nossa vida, a ponto de já não vivermos nós, mas termos a vida do Filho de Deus em nós como sendo a nossa própria vida, tal como Paulo viveu, então, tentar viver sem esta comunhão com Ele, seria o mesmo que tentar viver como um peixe fora da água.
Isto não é exagero, mas a pura realidade, especialmente para aqueles que foram chamados por Cristo a se consagrarem a Ele de um modo especial, porque Ele passará a ser o tudo deles, e para eles. 
Por vezes, para fazer com que estes Seus servos tenham a consciência plena de que Ele passou a ser a vida deles, o Senhor se ausenta por curtos períodos, e logo eles se empenham a buscá-lO com todas as forças das suas almas, e investigam diligentemente, para descobrirem em que O teriam desapontado, para provocar tal ausência. E como Davi, suas almas suspiram pela Sua presença tal como a corça pelas águas, quando se acha sedenta.
A sede de vida deles não pode ser saciada por nada e ninguém a não ser pelo próprio Cristo, e a alma não pode estar sossegada enquanto não voltar a descansar nEle.  
Contudo, assim como eles já não podem mais viver sem Cristo, é também correto dizer que Ele também já não pode estar sem a companhia deles, e por isso tudo fará para deixar-se encontrar por eles, quando lhe buscarem. 

“7 Por um breve momento te deixei, mas com grande compaixão te recolherei;
8 num ímpeto de indignação escondi de ti por um momento o meu rosto; mas com benignidade eterna me compadecerei de ti, diz o Senhor, o teu Redentor.” (Is 54.7,8)

E se demoram nesta busca, ou se vêm a desfalecer na procura, Ele próprio virá ao encontro deles, tal como os procurou quando ainda estavam perdidos, como a ovelha desgarrada da Parábola, e lhes fortalecerá para que sejam reanimados e consolados.
Esta tem sido a experiência prática de milhões que lhe têm amado ao longo da história da humanidade. 
Bem-aventurados são estes que têm fome e sede da Sua justiça, porque serão saciados. Ele não permitirá que venham a perecer por falta do alimento e da água espiritual pela qual têm vida eterna, abundante e plena. 
Estas breves ausências não são uma atitude caprichosa da Sua parte, mas oportunidades que nos oferece para aumentar a nossa fé, e para aprendermos a andar espiritualmente, tal como os pais fazem com seus filhinhos colocando-os de pé e se afastando a uma distância segura para que eles caminhem na direção deles à busca de apoio, e quanto mais eles caminham para trás, mais seus pequeninos avançam, até que aprendem a andar firmados sobre os seus próprios pés.
Ele pretende portanto nos ensinar a ter tal maturidade e firmeza de fé, para aprendermos que mesmo nas horas de tribulações, em que pareça que Ele está ausente, possamos saber que está por perto e vigilante para evitar que venhamos a cair, e assim estarmos com os nossos corações sossegados de que voltaremos logo a estar em seus braços amorosos.
Além disso, é Seu desejo que aprendamos também a buscar auxílio nestas horas de aparente ausência, naqueles que estão vigiando, representados na pessoa dos guardas (vigias, sentinelas) de Jerusalém citados no cântico, que foram procurados pela esposa para ter notícias do paradeiro do Esposo.   
Não será na companhia dos que andam negligentemente que poderemos achar a nossa comunhão com nosso Senhor, senão somente naqueles que vigiam e oram em todo o tempo, e que podem portanto nos ajudar como achá-lo, se por algum momento sentirmos que Ele se ausentou de nós.

“Foge também das paixões da mocidade, e segue a justiça, a fé, o amor, a paz com os que, de coração puro, invocam o Senhor.” (II Tim 2.22)
 
A perseverança na fé, na piedade, na paciência, terá por fim a sua recompensa, que será achar o próprio Cristo, e não bens terrenos ou qualquer outra coisa que não pode alimentar o espírito, porque somente o Espírito Santo pode alimentar o nosso espírito. Coisas espirituais se discernem espiritualmente, e podemos dizer também que podem ser alimentadas somente por coisas espirituais que procedem de Cristo, pelo Espírito. Como poderiam coisas materiais alimentar o nosso espírito?
Cristo é tão precioso que uma vez achado por nós, tudo devemos fazer para retê-lO, porque é nEle que se encontra todo o tesouro da sabedoria, e de tudo quanto necessita a nossa alma. 
E isto faremos por diligente oração, meditação na Sua Palavra, empenho na comunhão com os irmãos, e por uma real consagração da nossa vida ao Seu serviço.
Por isso, ao achá-lO, a esposa diz que logo O introduziu na casa de sua mãe, e procurou tudo fazer para que Ele fosse bem cuidado e pudesse achar repouso, de modo que não fosse forçado a compartilhar Seu amor a não ser quando Ele o desejasse.
Isto representa a humildade, a reverência, o cuidado que devemos ter na nossa comunhão com Cristo, que sendo amigo é também Senhor e Rei, como o vemos sendo comparado a Salomão, quanto à glória que tivera aquele rei, maior do que a de qualquer outro rei da terra. E quem não demonstraria reverência e respeito pelo Rei dos reis, apesar de privar da Sua intimidade? 
Deste modo, toda iniciativa de sermos usados por nosso Senhor sempre se achará sob a Sua exclusiva decisão, e não porque o determinemos, ou por pensarmos que poderemos de algum modo levá-lO à ação por nossas orações ou por qualquer outro meio. Ele sempre agirá de acordo com a Sua vontade e Soberania, e nunca pela nossa própria vontade, porque afinal é Rei, e não se deixará governar pelos Seus súditos. 
 

Cantares 4

“1 Como és formosa, amada minha, eis que és formosa! os teus olhos são como pombas por detrás do teu véu; o teu cabelo é como o rebanho de cabras que descem pelas colinas de Gileade.
2 Os teus dentes são como o rebanho das ovelhas tosquiadas, que sobem do lavadouro, e das quais cada uma tem gêmeos, e nenhuma delas é desfilhada.
3 Os teus lábios são como um fio de escarlate, e a tua boca é formosa; as tuas faces são como as metades de uma romã por detrás do teu véu.
4 O teu pescoço é como a torre de Davi, edificada para sala de armas; no qual pendem mil broquéis, todos escudos de guerreiros valentes.
5 Os teus seios são como dois filhos gêmeos da gazela, que se apascentam entre os lírios.
6 Antes que refresque o dia e fujam as sombras, irei ao monte da mirra e ao outeiro do incenso.
7 Tu és toda formosa, amada minha, e em ti não há mancha.
8 Vem comigo do Líbano, noiva minha, vem comigo do Líbano. Olha desde o cume de Amana, desde o cume de Senir e de Hermom, desde os covis dos leões, desde os montes dos leopardos.
9 Enlevaste-me o coração, minha irmã, noiva minha; enlevaste-me o coração com um dos teus olhares, com um dos colares do teu pescoço.
10 Quão doce é o teu amor, minha irmã, noiva minha! quanto melhor é o teu amor do que o vinho! e o aroma dos teus ungüentos do que o de toda sorte de especiarias!
11 Os teus lábios destilam o mel, noiva minha; mel e leite estão debaixo da tua língua, e o cheiro dos teus vestidos é como o cheiro do Líbano.
12 Jardim fechado é minha irmã, minha noiva, sim, jardim fechado, fonte selada.
13 Os teus renovos são um pomar de romãs, com frutos excelentes; a hena juntamente com nardo,
14 o nardo, e o açafrão, o cálamo, e o cinamomo, com toda sorte de árvores de incenso; a mirra e o aloés, com todas as principais especiarias.
15 És fonte de jardim, poço de águas vivas, correntes que manam do Líbano!
16 Levanta-te, vento norte, e vem tu, vento sul; assopra no meu jardim, espalha os seus aromas. Entre o meu amado no seu jardim, e coma os seus frutos excelentes!”

Em todo este capítulo somente a esposa é exaltada pelo Esposo.
Ele se dirige a ela com palavras encorajadoras e de amor.
Ele exalta as Suas virtudes e dons, que  na verdade, todos foram recebidos dEle, porque era pobre e miserável quando foi enriquecida por Ele.
É pela nossa consagração a Ele, ou seja pelo preço que pagamos em nossa dedicação e diligência em buscarmos a nossa santificação nEle, que compramos os dons que Ele nos oferece pela graça, conforme podemos ver em Apo 3.18:
  
“aconselho-te que de mim compres ouro refinado no fogo, para que te enriqueças; e vestes brancas, para que te vistas, e não seja manifesta a vergonha da tua nudez; e colírio, a fim de ungires os teus olhos, para que vejas.” (Apo 3.18)

Tal será o Seu trabalho operante na Sua verdadeira Igreja, que nosso Senhor já a vê como estando sem qualquer mancha, e perfeita perante Ele, porque a santificará pelo Espírito até tal ponto, porque a Igreja lhe foi dada pelo Pai para ser Sua esposa para sempre.

“25 Vós, maridos, amai a vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela,
26 a fim de a santificar, tendo-a purificado com a lavagem da água, pela palavra,
27 para apresentá-la a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem qualquer coisa semelhante, mas santa e irrepreensível.” (Ef 5.25-27)

Nosso Senhor aprecia o amor da Sua esposa por Ele, e fica satisfeito somente quando ela se Lhe apresenta em santidade, porque não vemos no texto uma esposa desarrumada pelo pecado, desleixada em seus deveres para com o Seu Esposo, antes, alguém que vive para o Seu inteiro agrado, e assim, ela chega mesmo a se reservar somente para Ele, vivendo como um jardim fechado, onde não permitirá a entrada de nenhum outro, senão somente de Seu Esposo amado.
Nosso Senhor não pode ser  um jardim fechado, porque importa que seja achado por muitos como uma rosa ou lírio de um campo aberto, como já comentamos anteriormente, mas quanto a cada crente, estes devem ser jardins fechados para Ele, não que viverão isolados, mas que não amarão a ninguém, mais do que têm amado a Cristo, inclusive entes queridos, para que sejam achados dignos de serem chamados Seus discípulos. Somente a Ele amarão com toda a sua força, mente e coração. E a ninguém adorarão senão somente  a Ele.
Não há outro modo de se agradar a um Esposo tão excelente e digno. Ele deve ser amado ao nível da Sua Majestade divina.   
Por isso se exige de nós empenho em guardar tudo o que Ele nos tem ordenado.

“Se me amardes, guardareis os meus mandamentos.” (Jo 14.15)

“Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei, e me manifestarei a ele.” (Jo 14.21)

“Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; do mesmo modo que eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai, e permaneço no seu amor.” (Jo 15.10)



Cantares  5

“1 Venho ao meu jardim, minha irmã, noiva minha, para colher a minha mirra com o meu bálsamo, para comer o meu favo com o meu mel, e beber o meu vinho com o meu leite. Comei, amigos, bebei abundantemente, ó amados.
2 Eu dormia, mas o meu coração velava. Eis a voz do meu amado! Está batendo: Abre-me, minha irmã, amada minha, pomba minha, minha imaculada; porque a minha cabeça está cheia de orvalho, os meus cabelos das gotas da noite.
3 Já despi a minha túnica; como a tornarei a vestir? já lavei os meus pés; como os tornarei a sujar?
4 O meu amado meteu a sua mão pela fresta da porta, e o meu coração estremeceu por amor dele.
5 Eu me levantei para abrir ao meu amado; e as minhas mãos destilavam mirra, e os meus dedos gotejavam mirra sobre as aldravas da fechadura.
6 Eu abri ao meu amado, mas ele já se tinha retirado e ido embora. A minha alma tinha desfalecido quando ele falara. Busquei-o, mas não o pude encontrar; chamei-o, porém ele não me respondeu.
7 Encontraram-me os guardas que rondavam pela cidade; espancaram-me, feriram-me; tiraram-me o manto os guardas dos muros.
8 Conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém, se encontrardes o meu amado, que lhe digais que estou enferma de amor.
9 Que é o teu amado mais do que outro amado, ó tu, a mais formosa entre as mulheres? Que é o teu amado mais do que outro amado, para que assim nos conjures?
10 O meu amado é alvo e rosado, o primeiro entre dez mil.
11 A sua cabeça é como o ouro mais refinado, os seus cabelos são ondulados, pretos como o corvo.
12 Os seus olhos são como pombas junto às correntes das águas, lavados em leite, postos em engaste.
13 As suas faces são como um canteiro de bálsamo, os montões de ervas aromáticas; e os seus lábios são como lírios que gotejam mirra preciosa.
14 Os seus braços são como cilindros de ouro, guarnecidos de crisólitas; e o seu corpo é como obra de marfim, coberta de safiras.
15 As suas pernas como colunas de mármore, colocadas sobre bases de ouro refinado; o seu semblante como o Líbano, excelente como os cedros.
16 O seu falar é muitíssimo suave; sim, ele é totalmente desejável. Tal é o meu amado, e tal o meu amigo, ó filhas de Jerusalém.”

Mesmo desprezada e ferida pelo mundo a Igreja sustenta o testemunho de Cristo, e quando indagada acerca da Sua fé nEle e porque tanto O admira e ama, ela proclama as Suas virtudes incomparáveis, que nenhum outro pode ter.
O Senhor lhe veio ao encontro, confortou-a com Sua presença em meio à tempestade, e logo se retirou, mas não sem ter antes deixado a Sua forte impressão na Sua amada Igreja. O início deste cântico nos lembra o Senhor confortando os Seus discípulos antes de ir para o Pai, porque esteve entre eles, até que subisse ao céu, de onde lhes enviaria o Espírito para que dessem testemunho sobre Ele, em meio a aflições, aqui embaixo na terra. 
Todavia, cada Pentecostes, individual, em igrejas, ou em nações, sempre tem esta marca de ser antecedido pela visita de Cristo à Sua Igreja fazendo com ela um banquete espiritual no qual Seus filhos comem juntamente com Ele à Sua mesa, e são fortalecidos pelas Suas graças (v. 1).
Então Ele chama Sua Igreja quando ela estiver dormindo por estes despertamentos ou avivamentos espirituais, para que se levante e dê testemunho ao mundo pelo carregar o Seu bom perfume, tanto de vida para a vida nos que se salvam, como também como cheiro de morte para a morte nos que se perdem (II Cor 2.15).
E este testemunho deve ser sustentado pela Igreja como pomba imaculada (inofensiva – v. 2) porque é enviada por Cristo para o meio de lobos, e por isso também necessitará da prudência característica da serpente. 
Depois de nosso Senhor ter morrido na cruz e ter sido sepultado, o sentimento dos discípulos naquela ocasião bem pode ser descrito pelas palavras da esposa no verso 6:

“Eu abri ao meu amado, mas ele já se tinha retirado e ido embora. A minha alma tinha desfalecido quando ele falara. Busquei-o, mas não o pude encontrar; chamei-o, porém ele não me respondeu.”

Eles não poderiam achar consolação em ninguém naquela hora, e assim se dá conosco nas horas em que nos sentimos desolados e solitários e quando a alma busca consolo em pessoas amigas, que certamente não poderão preencher esta ausência de Cristo. Estas são horas para aprendizado, a não dar à alma consolações a todo momento que ela as desejar. É preciso fazer prevalecer o governo do espírito sobre a alma e fazer com que ela aprenda a esperar em silêncio até que o Senhor volte a manifestar a Sua presença.
Isto faz parte do aprendizado de carregar a cruz para mortificação do nosso ego.
O Senhor deseja que a Igreja aprenda isto para que possa dar um testemunho vigoroso na terra, em face de todas as perseguições e tribulações que terá que suportar, principalmente por parte dos principados e potestades das trevas.     
O Esposo veio procurar a esposa estando com a cabeça molhada pelo orvalho e depois de ter lavado os pés da lama deste mundo, que representa todo o ataque que Ele recebeu em Sua natureza santa, limpa e perfeita, por parte do pecado deste mundo, que não lhe penetrou a alma, mas que sujou-Lhe senão os pés.
Ele se dispôs a sofrer por amor à Igreja, e então ela deve estar disposta a compartilhar em alguma medida dos mesmos sofrimentos, se quando ao buscar santificar-se, for também atingida pela sujeira do mundo em seus pés, que devem ser continuamente lavados pelo auxílio de seus irmãos na fé, por encorajamento e oração intercessória.   
O Cristo que amamos e servimos é invisível. Ele não se encontra mais presente no corpo entre nós, mas nós o amamos e desfalecemos de amor por Ele, porque somos guiados e instruídos pelo Seu Espírito.
Ele continua observando permanentemente os nossos passos, o nosso deitar e o nosso levantar, e nada que o Espírito fizer em nós e por nós, terá sido sem o propósito da glorificação do Esposo, e mediante tudo o que tiver recebido dEle para nós.   
Então o Seu cuidado é permanente conforme nos tem prometido de estar conosco até a consumação dos séculos.
Tão real é a presença do Senhor em nossos corações que à medida que a nossa comunhão com Ele aumenta em graus, não conseguimos ocupar a nossa mente e coração senão somente com aquilo que é relativo a Ele e ao Seu reino, e do que estiver cheio o coração, a boca falará, e todo mundo saberá quão grande é o nosso amor pelo nosso Esposo e Senhor.
Na verdade, nada poderá nos fazer calar, porque a força propulsora do Seu próprio amor em nós nos levará a fazer isto, mesmo quando estivermos debaixo de grandes aflições por causa do testemunho fiel que dermos da Sua pessoa amada.   
Nós falaremos somente dEle e não de nós. De Suas virtudes e não das nossas. Falaremos da Sua excelência, tal como a esposa fez a partir do verso 10 deste capítulo de Cantares. 

“10 O meu amado é alvo e rosado, o primeiro entre dez mil.
11 A sua cabeça é como o ouro mais refinado, os seus cabelos são ondulados, pretos como o corvo.
12 Os seus olhos são como pombas junto às correntes das águas, lavados em leite, postos em engaste.
13 As suas faces são como um canteiro de bálsamo, os montões de ervas aromáticas; e os seus lábios são como lírios que gotejam mirra preciosa.
14 Os seus braços são como cilindros de ouro, guarnecidos de crisólitas; e o seu corpo é como obra de marfim, coberta de safiras.
15 As suas pernas como colunas de mármore, colocadas sobre bases de ouro refinado; o seu semblante como o Líbano, excelente como os cedros.
16 O seu falar é muitíssimo suave; sim, ele é totalmente desejável. Tal é o meu amado, e tal o meu amigo, ó filhas de Jerusalém.”

Estes versos mostram a excelência da natureza de Cristo que mistura tanto simplicidade (v. 10, 12) com majestade e formosura (v. 11, 13); força e poder (v. 14, 15) com mansidão e falar muitíssimo suave (v. 16)


Cantares 6

“1 Para onde foi o teu amado, ó tu, a mais formosa entre as mulheres? para onde se retirou o teu amado, a fim de que o busquemos juntamente contigo?
2 O meu amado desceu ao seu jardim, aos canteiros de bálsamo, para apascentar o rebanho nos jardins e para colher os lírios.
3 Eu sou do meu amado, e o meu amado é meu; ele apascenta o rebanho entre os lírios.
4 Formosa és, amada minha, como Tirza, aprazível como Jerusalém, imponente como um exército com bandeiras.
5 Desvia de mim os teus olhos, porque eles me perturbam. O teu cabelo é como o rebanho de cabras que descem pelas colinas de Gileade.
6 0s teus dentes são como o rebanho de ovelhas que sobem do lavadouro, e das quais cada uma tem gêmeos, e nenhuma delas é desfilhada.
7 As tuas faces são como as metades de uma romã, por detrás do teu véu.
8 Há sessenta rainhas, oitenta concubinas, e virgens sem número.
9 Mas uma só é a minha pomba, a minha imaculada; ela é a única de sua mãe, a escolhida da que a deu à luz. As filhas viram-na e lhe chamaram bem-aventurada; viram-na as rainhas e as concubinas, e louvaram-na.
10 Quem é esta que aparece como a alva do dia, formosa como a lua, brilhante como o sol, imponente como um exército com bandeiras?
11 Desci ao jardim das nogueiras, para ver os renovos do vale, para ver se floresciam as vides e se as romanzeiras estavam em flor.
12 Antes de eu o sentir, pôs-me a minha alma nos carros do meu nobre povo.
13 Volta, volta, ó Sulamita; volta, volta, para que nós te vejamos. Por que quereis olhar para a Sulamita como para a dança de Maanaim?”

Impressionados pelo testemunho da Igreja relativo a Cristo, depois de lhe terem perguntado qual era o motivo de tanto apreciá-lO, como vimos no verso 9 do capítulo anterior, estes que a ouviram passam então a se interessar também quanto ao modo como poderão encontrá-lO.
Eles desejam buscar o Amado da Igreja juntamente com ela, ou seja, eles buscam a conversão das suas almas a Ele (v. 1). 
 A resposta dada pela igreja é que Ele será achado no Seu jardim, nos canteiros de bálsamo, porque será achado onde estiver reunido o Seu rebanho de ovelhas para ser apascentado por Ele, e para colher os lírios (v. 2). Os canteiros são de bálsamo porque Ele o usará para curar as ovelhas que estiverem feridas.      
O lugar apropriado para se ter um encontro com Cristo não é no bar, nas ruas, mas onde estiver a Sua Igreja reunida. Ele será achado com  toda a certeza no meio do Seu povo, e daí fazerem bem aqueles que não O procuram às apalpadelas por todos os recantos deste mundo, senão na congregação dos justos, que é a Sua Igreja. 
Isto sucede porque a Igreja não é deste mundo tal como o Seu Esposo. Ele pertence somente a ela, e ela somente a Ele. Então todo aquele que quiser encontrar a Cristo deve buscá-lO não no mundo, mas na Sua Igreja (v. 3).    
De ninguém mais dá o Senhor o testemunho de ser a luz ou o sal do mundo, senão somente à Sua Igreja. Ninguém mais tem a Sua aprovação divina, senão apenas aqueles que Lhe pertencem.
E isto está de acordo com o testemunho que o próprio Esposo dá em relação à esposa a partir do verso 4 deste capitulo de Cantares. 
A Igreja não é apenas formosa perante Ele como uma cidade santa, mas é também imponente como um forte exército com suas bandeiras, porque Ele mesmo é a força do Seu povo, e as bandeiras que a Sua Igreja eleva para serem vistas pelo mundo é a Sua Palavra, ou seja, a verdade (v. 4).  
A busca da fé, o olhar espiritual que é dirigido pela Igreja a Cristo, leva-O a ficar perturbado, ou seja, comovido e enternecido por ela em Seu coração amoroso (v. 5 a).
A beleza da santidade da Igreja e a Sua grande fertilidade em produzir filhos espirituais para Ele como Esposo amado O encantam (v. 5 b, 6, 7).
São inúmeros os que professam amar a Cristo e conhecê-lO, mas ninguém O conhece senão somente a Sua Igreja (v. 7 a 9).

“Todas as coisas me foram entregues por meu Pai; e ninguém conhece plenamente o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece plenamente o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar.” (Mt 11.27) 

O Senhor define a Sua Igreja como um forte exército, que tem a missão de fazer brilhar a Sua luz, no mundo de trevas (v. 10).
E tem sido plantada por Ele para frutificar (v. 11).  
Se Igreja se permitir por algum momento ser dirigida pelas emoções, pelos sentimentos, pela vontade de sua alma (ego), e seguir após a carruagem do mundo que a afastará da presença do Seu Esposo e dos Seus irmãos amados (v. 12), Eles clamarão pelo Seu retorno para que esteja ao alcance da vista deles, ou seja, da sua presença (v. 13).


Cantares 7

“1 Quão formosos são os teus pés nas sandálias, ó filha de príncipe! Os contornos das tuas coxas são como jóias, obra das mãos de artista.
2 O teu umbigo como uma taça redonda, a que não falta bebida; o teu ventre como montão de trigo, cercado de lírios.
3 Os teus seios são como dois filhos gêmeos da gazela.
4 O teu pescoço como a torre de marfim; os teus olhos como as piscinas de Hesbom, junto à porta de Bate-Rabim; o teu nariz é como torre do Líbano, que olha para Damasco.
5 A tua cabeça sobre ti é como o monte Carmelo, e os cabelos da tua cabeça como a púrpura; o rei está preso pelas tuas tranças.
6 Quão formosa, e quão aprazível és, ó amor em delícias!
7 Essa tua estatura é semelhante à palmeira, e os teus seios aos cachos de uvas.
8 Disse eu: Subirei à palmeira, pegarei em seus ramos; então sejam os teus seios como os cachos da vide, e o cheiro do teu fôlego como o das maçãs,
9 e os teus beijos como o bom vinho para o meu amado, que se bebe suavemente, e se escoa pelos lábios e dentes.
10 Eu sou do meu amado, e o seu amor é por mim.
11 Vem, ó amado meu, saiamos ao campo, passemos as noites nas aldeias.
12 Levantemo-nos de manhã para ir às vinhas, vejamos se florescem as vides, se estão abertas as suas flores, e se as romanzeiras já estão em flor; ali te darei o meu amor.
13 As mandrágoras exalam perfume, e às nossas portas há toda sorte de excelentes frutos, novos e velhos; eu os guardei para ti, ó meu amado.”

Dos versos 1 a 9 o Esposo descreve as belezas e virtudes da Sua esposa; e dos versos 10 a 13, a esposa fala da estima mútua pelo Esposo e o convida a desfrutar com ela do amor que sentem um pelo outro; porque o verdadeiro amor, é afinal, uma propriedade de ambos. 
A igreja que honra a Cristo é por Ele honrada. Ele não poderá elogiar aquilo que for reprovável na Sua Esposa, mas não deixará de reconhecer e louvar aquilo que for aprovado, como podemos ver nas Suas palavras dirigidas às sete igrejas citadas nos capítulos 2 e 3 de Apocalipse.
O Senhor manifestará sempre o Seu agrado pelos crentes que Lhe forem fiéis, e lhes fará saber disso, porque não o fará somente para incentivá-los para prosseguirem na busca de uma santidade cada vez maior, mas principalmente porque é do Seu agrado fazê-lo, para demonstrar o quanto aprecia o amor deles por Ele.
Amor demonstrado na frutificação e na reserva deste frutos para o Seu Esposo, como se vê nos dois versículos finais deste capitulo, porque não podemos convidar Cristo a compartilhar do Seu amor conosco, se não tivermos em nós nenhum fruto espiritual para Lhe oferecer. 

“11 Porque desejo muito ver-vos, para vos comunicar algum dom espiritual, a fim de que sejais fortalecidos;
12 isto é, para que juntamente convosco eu seja consolado em vós pela fé mútua, vossa e minha.” (Rom 1.11,12)

Pelos versículos destacados anteriormente, nós podemos ver que é uma grande forma de demonstrar amor por Cristo, quando compartilhamos mutuamente os dons espirituais que recebemos dEle, com os nossos irmãos.   

“34 Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai. Possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo;
35 porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me acolhestes;
36 estava nu, e me vestistes; adoeci, e me visitastes; estava na prisão e fostes ver-me.
37 Então os justos lhe perguntarão: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber?
38 Quando te vimos forasteiro, e te acolhemos? ou nu, e te vestimos?
39 Quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos visitar-te?
40 E responder-lhes-á o Rei: Em verdade vos digo que, sempre que o fizestes a um destes meus irmãos, mesmo dos mais pequeninos, a mim o fizestes.” (Mt 25.34-40)

Cristo fará aumentar cada vez mais o brilho destes que Lhe têm servido fielmente, porque Lhe agrada manifestar quanto é grande o Seu agrado pela igreja que Lhe seja fiel, e faz com que outros vejam tal brilho, que traz muita glória para o Seu próprio nome e para Deus Pai.

“8 Conheço as tuas obras (eis que tenho posto diante de ti uma porta aberta, que ninguém pode fechar), que tens pouca força, entretanto guardaste a minha palavra e não negaste o meu nome.
9 Eis que farei aos da sinagoga de Satanás, aos que se dizem judeus, e não o são, mas mentem, eis que farei que venham, e adorem prostrados aos teus pés, e saibam que eu te amo.” (Apo 3.8,9) 

Isto sucede porque o desejo da Igreja fiel é revelar ao mundo o amor mútuo que existe entre ela e Cristo, e por isso ela convida o Esposo a vir em sua companhia às aldeias, ou seja, a capacitá-la a proclamar o evangelho do modo como Ele lhe tem ordenado.

“E disse-lhes: Ide por todo o mundo, e pregai o evangelho a toda criatura.” (Mc 16.15)


Cantares 8

“1 Ah! quem me dera que foras como meu irmão, que mamou os seios de minha mãe! quando eu te encontrasse lá fora, eu te beijaria; e não me desprezariam!
2 Eu te levaria e te introduziria na casa de minha mãe, e tu me instruirias; eu te daria a beber vinho aromático, o mosto das minhas romãs.
3 A sua mão esquerda estaria debaixo da minha cabeça, e a sua direita me abraçaria.
4 Conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém, que não acordeis nem desperteis o amor, até que ele o queira.
5 Quem é esta que sobe do deserto, e vem encostada ao seu amado? Debaixo da macieira te despertei; ali esteve tua mãe com dores; ali esteve com dores aquela que te deu à luz.
6 Põe-me como selo sobre o teu coração, como selo sobre o teu braço; porque o amor é forte como a morte; o ciúme é cruel como o Seol; a sua chama é chama de fogo, verdadeira labareda do Senhor.
7 As muitas águas não podem apagar o amor, nem os rios afogá-lo. Se alguém oferecesse todos os bens de sua casa pelo amor, seria de todo desprezado.
8 Temos uma irmã pequena, que ainda não tem seios; que faremos por nossa irmã, no dia em que ela for pedida em casamento?
9 Se ela for um muro, edificaremos sobre ela uma torrezinha de prata; e, se ela for uma porta, cercá-la-emos com tábuas de cedro.
10 Eu era um muro, e os meus seios eram como as suas torres; então eu era aos seus olhos como aquela que acha paz.
11 Teve Salomão uma vinha em Baal-Hamom; arrendou essa vinha a uns guardas; e cada um lhe devia trazer pelo seu fruto mil peças de prata.
12 A minha vinha que me pertence está diante de mim; tu, ó Salomão, terás as mil peças de prata, e os que guardam o fruto terão duzentas.
13 Ó tu, que habitas nos jardins, os companheiros estão atentos para ouvir a tua voz; faze-me, pois, também ouvi-la:
14 Vem depressa, amado meu, e faze-te semelhante ao gamo ou ao filho da gazela sobre os montes dos aromas.”

Os afetos entre Cristo e a Sua esposa são vivamente representados neste último capítulo de Cantares.
A esposa continua a demonstrar o grande desejo que sente pelo Esposo, tão ardente a ponto de conjurar as filhas de Jerusalém a não interromperem a sua comunhão com Ele.
Tal é a intensidade do amor que ela Lhe devota que outros percebem o quanto está ligada ao Seu Amado, mesmo quando anda com Ele no deserto (v. 5 a). 
E a razão de tal união, de tal comunhão é descrita nos versos 6 e 7:

“6 Põe-me como selo sobre o teu coração, como selo sobre o teu braço; porque o amor é forte como a morte; o ciúme é cruel como o Seol; a sua chama é chama de fogo, verdadeira labareda do Senhor.
7 As muitas águas não podem apagar o amor, nem os rios afogá-lo. Se alguém oferecesse todos os bens de sua casa pelo amor, seria de todo desprezado.”

Haveria um modo mais profundo de descrever a qualidade do amor que une Cristo à Sua Igreja?
É um amor de zelo, que não permite ser dividido com outros, porque é um amor matrimonial de que se está falando, e não pode lhe faltar a devida fidelidade, que é para toda a vida, de modo que este amor que une mutuamente a Igreja e Cristo é qual chama de fogo, não de um fogo pequeno, mas de grandes labaredas, que nenhuma quantidade de água usada pelos homens, e até mesmo peio diabo, pode apagar. E tal é a força deste amor que ele vence a morte, porque todo aquele que está em Cristo já não morre, e estará unido a ele para sempre.    
Então nada há de mais valioso do que tal amor que nos tem unido indissoluvelmente ao nosso Esposo, que é Cristo.
Por isso nenhum crente trocaria as riquezas de todo este mundo, e ainda que todos os reinos lhe fossem oferecidos em troca de renunciar a tal amor, ele jamais o faria, porque sabe que tudo que há no mundo não somente não é eterno, como também não pode dar verdadeira satisfação à alma, como somente o amor de Cristo pode dar. Por isso se diz que aquele que tentasse comprar este amor do crente por Cristo oferecendo os bens de sua casa em troca, seria totalmente rejeitado e desprezado pelo crente fiel a Cristo, ao qual fizesse tal oferta.   
Tal é o caráter do amor que deve haver na Igreja como reflexo do amor do próprio Cristo, que o que for fraco deve ser fortalecido pelo forte; a igreja que estiver fraca e empobrecida será fortalecida e enriquecida pelos dons abundantes da igreja que estiver fortalecida e enriquecida com a graça de Cristo.
Haverá este interesse mútuo entre os irmãos, como se vê nos versos 8 a 10. Porque estes crentes ou igrejas fracos e pobres serão cercados de cuidados pelas igrejas fortes e ricas como é do desejo do Esposo, para que haja igualdade entre todos os membros do Seu corpo.

“13 Pois digo isto não para que haja alívio para outros e aperto para vós,
14 mas para que haja igualdade, suprindo, neste tempo presente, na vossa abundância a falta dos outros, para que também a abundância deles venha a suprir a vossa falta, e assim haja igualdade;
15 como está escrito: Ao que muito colheu, não sobrou; e ao que pouco colheu, não faltou.” (II Cor 8.13-15)  

Nos versos 11 e 12, o rei Salomão é posto como figura do Rei dos reis que arrenda a Sua vinha para que tenha o devido lucro dos frutos que forem produzidos nela. Conforme se vê na Parábola citada por Jesus em Mt 21:

“33 Ouvi ainda outra parábola: Havia um homem, proprietário, que plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar, e edificou uma torre; depois arrendou-a a uns lavradores e ausentou-se do país.
34 E quando chegou o tempo dos frutos, enviou os seus servos aos lavradores, para receber os seus frutos.” (Mt 21.33,34)

Deus requer que Sua Igreja seja frutífera, para que receba dela os devidos frutos que deve produzir para Ele.

Frutificando para Cristo, teremos um desejo permanente da Sua presença para que possamos Lhe dar os frutos que temos produzido pela Sua própria graça, e assim como todos os demais santos, desejamos ouvir a Sua voz, tal como eles (v. 13), e por isso clamamos Àquele que habita nos jardins, porque é ali que poderá achar os Seus frutos, para que venha depressa ao nosso encontro, porque é o Amado da nossa alma, sem O qual a nossa vida não tem qualquer objetivo ou sentido (v. 14).   

Pr Silvio Dutra

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