Nós vemos no primeiro
capitulo de 2 Samuel, que Davi havia retornado da batalha que empreendera
contra os amalequitas para recuperar as esposas, filhos e bens, dele e dos
seiscentos homens que o acompanhavam, e no terceiro dia em que se encontrava em
Ziclague, veio ao seu encontro um jovem amalequita trazendo notícias da morte
de Saul e de Jônatas.
No relato de I Sm 31.3-6 no
relato sobre a morte de Saul, o escritor dá como fato exato e certo que ele
havia sido ferido gravemente por flechas, que lhe foram lançadas, e que diante
da morte iminente nas mãos dos filisteus, se lançou sobre a sua espada, e que o
seu escudeiro fez o mesmo, mas depois de ter se certificado que Saul já havia
morrido.
Assim, tudo indica que era falso o relato que o
amalequita fizera sobre os detalhes da forma como Saul fora morto por ele, pois
disse a Davi que Saul estava apoiado sobre a sua lança (v. 6), e que lhe pedira
que se lançasse sobre ele, porque a penetração da lança não foi capaz de produzir
um golpe mortal (v.9).
É até possível que o escudeiro de Saul tivesse feito
uma avaliação incorreta sobre o momento exato da sua morte, e que tenha também
se suicidado enquanto Saul ainda estivesse com vida e solicitado ao amalequita
que o matasse.
É também possível, que na hora de relatar o fato a
Davi, que tenha se equivocado ou alterado propositalmente com qual instrumento
Saul estava atravessado, pois em vez de dizer espada hereb, ele disse lança,
hanit.
Ao que tudo indica o amalequita estivera de fato com
Saul nos primeiros momentos da sua morte, pois pegou sua coroa e bracelete e os
trouxe à presença de Davi, como prova de que estava lhe dizendo a verdade.
Em todo caso, se o relato do amalequita era falso ou
verdadeiro, não é relevante, pois o que há de importante para se aprender neste
capítulo é o modo como Davi recebeu as notícias, e como agiu em seguida, e que
nem sempre o oportunismo interesseiro será bem sucedido, mesmo neste
mundo.
O amalequita pensava que seria regiamente recompensado
com a notícia da morte de Saul, e mais ainda, pelo fato de ter dito que havia
contribuído para que fosse morto, pois sabia o quanto ele vinha perseguindo
Davi, a ponto deste ter que se refugiar numa terra estranha.
No seu modo de julgar as coisas, segundo o seu
padrão de valores, as notícias relativas à ruína dos inimigos é um motivo de
grande alegria, e especialmente no caso de Davi, isto significava liberdade,
cessação de ser perseguido, e caminho livre para assumir o trono de Israel.
Considerando tudo isto, o amalequita pensou ser alvo
do seu favor e ganhar um lugar de destaque no seu reino, e escapar, além de
tudo, do juízo de extermínio total do seu povo, que havia sido ordenado por
Deus, o qual fora desobedecido frontalmente pelo próprio Saul, que não por
ironia do destino, mas por obra da providência, caso seja fidedigno o relato do
amalequita, veio a ser morto pelas mãos de um daqueles que ele deixara viver,
em desobediência à ordem divina.
Aqueles que se alegram
com a queda de um inimigo costumam medir os outros por si mesmos, pensando que
terão a mesma alegria deles. E foi este o erro do amalequita que veio ter com
Davi, porque em vez de se alegrar, ele se abateu profundamente com aquela
notícia, não somente por Jônatas, como pelo próprio Saul, e por todos os
israelitas que haviam caído no campo de batalha.
Aquela não era uma
notícia para ser festejada, mas para ser lamentada, e foi por causa disto que
Davi e todos os israelitas, que estavam com ele rasgaram as suas vestes, em
sinal de luto e tristeza, diante de Deus.
Os filisteus deviam estar
festejando aquele feito de modo muito ofensivo ao Deus de Israel, pois
certamente estavam tributando toda a glória da vitória obtida sobre os
israelitas, ao deus deles, Dagom; e como Davi poderia ficar alegre com a
notícia da morte de Saul e da derrota do exército israelita?
A queda do povo de Deus
nunca será um motivo de alegria para um verdadeiro cristão.
E tal foi a consternação produzida pela
notícia da morte de Saul e Jônatas, e da derrota do exército de Israel, que nós
lemos o seguinte nos versos 11 e 12:
“11 Então pegou Davi nas
suas vestes e as rasgou; e assim fizeram também todos os homens que estavam com
ele;
12 e prantearam, e
choraram, e jejuaram até a tarde por Saul, e por Jônatas, seu filho, e pelo
povo do Senhor, e pela casa de Israel, porque tinham caído à espada.”.
Houve não somente o ato
de rasgar as vestes, como pranto e jejum por parte de Davi e seus homens.
Quem tem o temor de Deus
não se alegra sequer pela ruína dos seus inimigos, quanto mais por aqueles que
fazem parte do seu próprio povo.
Davi sabia muito bem
separar os problemas pessoais que tinha que viver por causa das perseguições
injustas de Saul, da honra que lhe devia na condição de ser o seu rei,
escolhido pelo próprio Deus para reinar em Israel.
Antes de começarem as
perseguições de Saul, ele já havia sido ungido para ser o futuro rei de Israel,
mas enquanto Saul vivesse, sabia que era
a ele que o reino pertencia de fato, apesar de ter sido rejeitado por Deus, não
somente para ser removido do reino, no momento que Ele determinasse, como
também para não mais operar sobre ele, com a boa direção do Espírito Santo.
Davi havia colocado a sua
vida nas mãos do Senhor, e não teve por usurpação o fato de ter sido ungido
para ser rei tal como fora Saul.
Ele não estava portanto,
torcendo para que Deus desse logo cabo da vida de Saul, para que pudesse tomar
o seu lugar.
Ele não se conduzia desta
forma, porque tinha o temor do Senhor e era guiado pelo Espírito Santo, de
forma que esperava tão somente no Senhor e na Sua vontade.
Ele aguardava a hora do
Senhor. Os seus olhos estavam continuamente no Seu Deus e não em Saul. E assim,
a par de todo o mal que Saul lhe fizera, jamais veria na sua morte um motivo de
alegria, senão de tristeza, porque fora ungido pelo Senhor, para estar à testa
do Seu povo.
Foi por este motivo que
Davi ordenou a morte do amalequita, pois dissera que havia matado Saul, e
demonstrava em sua presença que tivera regozijo no ato de fazê-lo, como se
tivesse feito um grande favor a Davi, que deveria agora dar-lhe a justa
recompensa.
E ele foi recompensado de
fato de modo justo, com a morte, porque assim como ele não temeu matar a Saul
na condição de rei e ungido de Deus, também não teria o menor temor em matar o próprio
Davi, se achasse oportunidade para fazê-lo.
Quando o amalequita viu a
reação de Davi e seus homens com o ato de rasgarem suas vestes, prantearem e
jejuarem até à tarde, ele deve ter temido muito por sua vida, pois viu que
aquela tristeza era sincera e não falsa, ou com motivações políticas, para
ganhar a simpatia do povo.
Entretanto, pelo que
conhecemos do caráter de Davi, sabemos que não fora por este tipo de motivação
que ele foi movido quando manifestou o seu pesar, e quando compôs o cântico em
memória de Saul e Jônatas, e que mandou ser ensinado em Judá, para ser cantado
em honra deles.
A elegia que Davi compôs
foi registrada no chamado livro de Jasar, da palavra hebraica iasar, que significa justo, e por isso temos em algumas versões
livro dos Justos em vez de Jasar.
Este livro é o mesmo
citado em Josué 10.13.
Esta palavra hebraica
iasar é usada em inúmeras passagens do Velho Testamento, como por exemplo em Êx
15.26; Nm 23.10; Dt 6.18; Jos 9.25; Jz 17.6; I Sm 12.23; Sl 7.10; 11.7, 19.8,
dentre outras, onde é traduzida por reto, bom, justo.
O cântico de Davi não
cita uma única nota de lamento sobre quaisquer dos muitos erros que Saul havia
cometido ao longo de todo o seu reinado.
Com isto nós aprendemos
que não devemos falar mal daqueles em quem não podemos achar o bem.
É naquilo que é louvável
que devemos concentrar a nossa atenção, seguindo a norma bíblica:
“Quanto ao mais, irmãos,
tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é
puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se
há algum louvor, nisso pensai.” (Fp 4.8).
Davi celebra a Saul como
o homem de guerra que havia sido e que tinha dado a Israel muitas vitórias
sobre as nações inimigas, e nisto a sua morte era algo para se lamentar.
Mas sobre Jônatas havia
muito mais do que isto para ser cantado em sua honra, pois dele Davi disse o
que lemos no verso 26: “Angustiado estou por ti, meu irmão Jônatas; muito
querido me eras! Maravilhoso me era o teu amor, ultrapassando o amor de
mulheres.”.
A morte de todos os
guerreiros de Israel, que haviam tombado na batalha contra os filisteus é
lamentada especialmente no último verso (27): “Como caíram os valorosos, e
pereceram as armas de guerra!”.
O sentimento de Davi pode
ser muito bem definido pelas palavras do apóstolo:
“De maneira que, se um
membro padece, todos os membros padecem com ele; e, se um membro é honrado,
todos os membros se regozijam com ele.” (I Cor 12.26).
O Israel de Deus é um só
corpo, apesar de ter muitos membros.
E todo aquele que faz
parte do corpo de Cristo há de se sentir como Davi se sentiu quando vir
qualquer parte deste corpo sendo vencida pelo Inimigo, em algumas das muitas
batalhas que deve empreender contra os poderes das trevas.
A perda de um só membro é
sentida por todo o corpo e jamais será motivo de alegria, senão de tristeza e
algo para se lamentar, tal como fizera Davi.
”1 Depois da morte de
Saul, tendo Davi voltado da derrota dos amalequitas e estando há dois dias em
Ziclague,
2 ao terceiro dia veio um
homem do arraial de Saul, com as vestes rasgadas e a cabeça coberta de terra;
e, chegando ele a Davi, prostrou-se em terra e lhe fez reverência.
3 Perguntou-lhe Davi:
Donde vens? Ele lhe respondeu: Escapei do arraial de Israel.
4 Davi ainda lhe indagou:
Como foi lá isso? Dize-mo. Ao que ele lhe respondeu: O povo fugiu da batalha, e
muitos do povo caíram, e morreram; também Saul e Jônatas, seu filho, foram
mortos.
5 Perguntou Davi ao
mancebo que lhe trazia as novas: Como sabes que Saul e Jônatas, seu filho, são
mortos?
6 Então disse o mancebo
que lhe dava a notícia: Achava-me por acaso no monte Gilboa, e eis que Saul se
encostava sobre a sua lança; os carros e os cavaleiros apertavam com ele.
7 Nisso, olhando ele para
trás, viu-me e me chamou; e eu disse: Eis-me aqui.
8 Ao que ele me
perguntou: Quem és tu? E eu lhe respondi: Sou amalequita.
9 Então ele me disse:
Chega-te a mim, e mata-me, porque uma vertigem se apoderou de mim, e toda a
minha vida está ainda em mim.
10 Cheguei-me, pois, a
ele, e o matei, porque bem sabia eu que ele não viveria depois de ter caído; e
tomei a coroa que ele tinha na cabeça, e o bracelete que trazia no braço, e os
trouxe aqui a meu senhor.
11 Então pegou Davi nas
suas vestes e as rasgou; e assim fizeram também todos os homens que estavam com
ele;
12 e prantearam, e
choraram, e jejuaram até a tarde por Saul, e por Jônatas, seu filho, e pelo
povo do Senhor, e pela casa de Israel, porque tinham caída à espada.
13 Perguntou então Davi
ao mancebo que lhe trouxera a nova: Donde és tu? Respondeu ele: Sou filho de um
peregrino amalequita.
14 Davi ainda lhe
perguntou: Como não temeste estender a mão para matares o ungido do Senhor?
15 Então Davi, chamando
um dos mancebos, disse-lhe: chega-te, e lança-te sobre ele. E o mancebo o
feriu, de sorte que morreu.
16 Pois Davi lhe dissera:
O teu sangue seja sobre a tua cabeça, porque a tua própria boca testificou
contra ti, dizendo: Eu matei o ungido do Senhor.
17 Lamentou Davi a Saul e
a Jônatas, seu filho, com esta lamentação,
18 mandando que fosse
ensinada aos filhos de Judá; eis que está escrita no livro de Jasar:
19 Tua glória, ó Israel,
foi morta sobre os teus altos! Como caíram os valorosos!
20 Não o noticieis em
Gate, nem o publiqueis nas ruas de Asquelom; para que não se alegrem as filhas
dos filisteus, para que não exultem as filhas dos incircuncisos.
21 Vós, montes de Gilboa,
nem orvalho, nem chuva caia sobre vós, ó campos de morte; pois ali
desprezivelmente foi arrojado o escudo dos valorosos, o escudo de Saul, ungido
com óleo.
22 Do sangue dos feridos,
da gordura dos valorosos, nunca recuou o arco de Jônatas, nem voltou vazia a
espada de Saul.
23 Saul e Jônatas, tão
queridos e amáveis na sua vida, também na sua morte não se separaram; eram mais
ligeiros do que as águias, mais fortes do que os leões.
24 Vós, filhas de Israel,
chorai por Saul, que vos vestia deliciosamente de escarlata, que vos punha
sobre os vestidos adornos de ouro.
25 Como caíram os
valorosos no meio da peleja!
26 Angustiado estou por
ti, meu irmão Jônatas; muito querido me eras! Maravilhoso me era o teu amor,
ultrapassando o amor de mulheres.
27 Como caíram os
valorosos, e pereceram as armas de guerra!” (II Sm 1.1-27).
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