É afirmado no início do
terceiro capítulo de 2 Samuel, que durou muito tempo a guerra entre a casa de
Saul e a casa de Davi, mas havia uma diferença, pois se diz também que a casa
de Davi ia se fortalecendo, mas a de Saul se enfraquecendo (v.1).
Nisto aprendemos que por
mais tempo que dure a nossa luta contra a carne, o mundo e Satanás, se temos
Deus por nós e ao nosso lado, a graça ficará mais forte e os nossos inimigos
cada vez mais fracos.
A competição entre a
graça e o pecado nos corações dos cristãos é muito longa, mas pode ser
comparada ao que é dito aqui, porque a vitória final será da graça e não da
corrupção, ainda que dure muito tempo a guerra entre a casa da graça e a casa
do pecado.
Nos versos 2 a 5 nós
temos um relato do aumento da própria casa de Davi com os seis filhos que ele
teve em Hebrom, sendo o primogênito Amnom, que era o sucessor natural à coroa,
mas que viria a ser morto por Absalão, por ter abusado de Tamar, sua irmã.
O segundo foi Quileabe,
que tivera de Abigail (v.2). Este nome Quileabe, no hebraico significa o
retrato do seu pai, isto é, a cara do seu pai. E é possível que sendo filho da
viúva de Nabal, podem ter feito mofa em Judá com o seu nome, referindo-se a
Nabal, e talvez por isto tenham lhe dado o apelido de Daniel, como aparece em I
Crôn 3.1, que significa Deus é meu Juiz.
O terceiro filho a nascer
a Davi foi Absalão, que era neto de um rei pagão chamado Talmai (de Gesur),
pois sua mãe, Maaca, era filha deste rei (v.3).
O quarto filho de Davi
chamava-se Adonias, o qual foi morto por Salomão, e o quinto Sefatias (v.4), e
o sexto e último que lhe nascera em Hebrom chamava-se Itreão (v.5).
Tendo multiplicado
mulheres para si, contrariamente ao que era ordenado na lei (Dt 17.17) Davi
deixou um mau exemplo para os seus sucessores, e causou muitas dores a si
mesmo, como veremos adiante, especialmente com três destes filhos que foram
abomináveis: Amnom, Absalão e Adonias.
Nos versos 6 a 21 nós
lemos sobre o abandono de Is-Bosete por Abner, e da aliança proposta por este a
Davi.
E o motivo disto foi
certamente o ato de Is-Bosete ter-se enchido de inveja de Abner, seu tio, que
era a pessoa que de fato governava, como se pode inferir das palavras do verso
6: “Enquanto havia guerra entre a casa de Saul e a casa de Davi, Abner ia se
tornando poderoso na casa de Saul.”.
Não se diz que Abner se
tornava poderoso em Israel, mas na casa de Saul, isto é, ele era o homem forte
do reino e não Is-Bosete.
Este tentou enfraquecer
Abner sob a acusação de traição à memória de Saul, por ter se deitado com
Rispa, uma concubina de Saul (v. 7).
Se a acusação era fundada
não podemos saber, mas há razão para se suspeitar que tenha sido, porque Abner não a negou
expressamente. Ele somente se ressentiu da exposição pública a que foi
submetido por Is-Bosete, como se fosse um animal desprezível e sem valor (v.8),
e protestou contra a falta de gratidão pelos serviços que havia prestado à casa
de Saul.
Nós aprendemos desta
reação de Abner que os homens orgulhosos não suportam serem repreendidos,
especialmente por aqueles que pensam que lhes são devedores de favores.
E se isto acontece, a
saber, se são repreendidos, se julgam no direito de se vingarem, tal como
fizera Abner em relação a Is-Bosete, declarando-lhe que o abandonaria e se
aliaria a Davi (v. 9, 10).
Ele sabia que o reino
fora prometido por Deus a Davi e assim mesmo se opôs a isto, apoiando a casa de
Saul, por causa da sua ambição, e agora ele se sujeita à ordenança de Deus, não
por obediência voluntária, mas por vingança e indignação.
Is-Bosete não respondeu
palavra à arrogância e insolência de
Abner (v.11), não por ter entendido que ele estava com a razão, mas por
causa da sua própria fraqueza, e por temer que se era ruim ser a sombra de
Abner no trono, seria muito pior ficar sem ele, que era o seu sustentáculo.
Abner enviou mensageiro a
Davi em Hebrom dizendo-lhe que estava disposto a torná-lo rei sobre todo
Israel, e Davi o aceitou sob a condição de que lhe devolvesse Mical, sua esposa,
filha de Saul, ao mesmo tempo que enviou mensageiros a Is-Bosete, para que lha
entregasse.
Foi sob a permissão de
Is-Bosete que ela foi retirada por Abner de Paltiel, a quem Saul lha havia dado
por esposa, em represália a Davi (v.12-16).
Mical foi a primeira
esposa de Davi e era filha de um rei de Israel, e seria certamente a primeira
rainha, e a sua presença no trono seria uma forma de agradar politicamente os
partidários de Saul.
Depois disto, Abner foi
ter com os anciãos de Israel, para convencê-los a fazer de Davi o seu rei (v.
17). E as palavras que ele dirigiu a eles “de há muito procuráveis que Davi
reinasse sobre vós”, denunciavam claramente que sabia que a sua luta contra
Davi não prosperaria, porque os corações dos príncipes de Israel se inclinavam
de há muito para ele, mas eram forçados a lutar contra ele, por causa da força
opressiva que era mantida pelo próprio Abner.
Ele usou como argumento a promessa de Deus
relativa a Davi como sendo o rei por cujas mãos ele livraria Israel da mão dos
filisteus e de todos os seus inimigos (v.18).
Certamente não fizera
isto por um verdadeiro temor e obediência à vontade de Deus, que era bem
conhecida dele de há muito, senão por ter visto que estava sendo enfraquecido
mais e mais, enquanto o oposto se dava em relação a Davi.
A acusação de Is-Bosete
contra ele, produziria de certa forma um clima de suspeita contra ele, que
fatalmente o enfraqueceria no conceito do povo, e então estava procurando na
verdade se poupar de uma derrota certa, e por este motivo estava se apressando
em fazer uma aliança com Davi.
Como Saul e toda a sua
casa eram benjamitas, ele apresentou separadamente aos líderes de Benjamim
argumentos para convencê-los em favor de Davi (v.19).
Assim, Abner estava
agindo politicamente, traçando os meios necessários para pôr um fim nos
conflitos entre Israel e Judá, e não traiçoeiramente, conforme Joabe o acusou
perante Davi, quando soube que Abner viera ter com ele em Hebrom, com uma
comitiva de vinte homens, aos quais Davi havia oferecido um banquete, em sinal
de celebração da aliança que havia feito com eles (v.20).
Joabe, movido pelo
simples desejo de vingar a morte de Asael, seu irmão (v. 30), viria a agir de modo traiçoeiro, pois sem que
Davi o soubesse, enviou mensageiros a Abner pedindo que retornasse a Hebrom,
provavelmente, fazendo-o falsamente em nome do rei, e mal este entrara à porta
daquela cidade fortificada, Joabe veio ter com ele e o feriu mortalmente no
abdômen.
Quem poderá aplacar o
desejo de vingança caso aquele que abriga tal desejo não permita ser tratado
por Deus?
Joabe se fez culpado aos
olhos de Deus pelo crime covarde que cometera, mas ao mesmo tempo o próprio
Abner foi submetido a um juízo que lhe sobreveio por ter resistido à ordenança
de Deus e não ter agido, como fizera agora, em relação a Davi.
Ele cometeu a loucura de
se opor à vontade de Deus, e agora estava pagando por tê-lo feito.
É interessante observar
que Abner procurou uma aliança com Davi como que o sucesso deste dependesse das
suas ações para conduzi-lo a reinar sobre todo Israel.
Os homens orgulhosos são
iludidos em pensarem que estão de pé e que tudo e todos dependem deles, mesmo
quando percebem que estão caindo. E isto se infere do que Abner disse a Davi no
verso 21.
Asael, irmão de Joabe
havia sido morto por Abner, por causa da sua própria obstinação, porque Abner
lhe alertou para que se desviasse dele, quando o perseguia no primeiro combate
empreendido entre as forças de Davi e de Is-Bosete, pois não pretendia matá-lo,
por ser irmão de Joabe, e serem muito estimados a Davi.
Ele disse a Asael que
caso o matasse isto o deixaria mal com seu irmão Joabe (2.22), mas Asael não
lhe deu ouvido e acabou sendo morto por ele, em legítima defesa.
Não havia então nenhum
sangue a ser vingado neste caso, porque não houve nenhum assassinato doloso ou
crime de guerra, senão legítima defesa. Mas Joabe e seu irmão Abisai chamaram a
si o dever de serem os vingadores do sangue de seu irmão Asael.
Na verdade se fingiram
vingadores do sangue, porque, como vimos antes, não havia nenhuma vingança
amparada pela lei, neste caso.
E o próprio Joabe e seu
irmão, matando traiçoeira e friamente a Abner, se fizeram culpados de sangue, e
golpearam não apenas Abner, mas o próprio Davi e o seu reino, pois havia feito uma
aliança com Abner, e esta deveria ser respeitada, porque sem que se pese as
verdadeiras intenções e interesses de Abner, ele havia se colocado de fato
debaixo da autoridade de Davi, e não somente isto, reconheceu que era seu dever
conduzir todos os líderes de Israel a estarem debaixo da autoridade que havia
sido conferida a Davi pelo próprio Deus.
Por isso, em seu funeral,
Davi o pranteou (v. 32) e declarou que havia caído em Israel um príncipe e um
grande homem (v. 38).
Somente pelos serviços
que ele havia prestado a Israel sob Saul, já lhe caberia tal elogio.
Ainda que não se pudesse
dizer dele que era um santo e um bom homem, o que ele não era na verdade,
entretanto, como político em Israel ele fora um príncipe e um grande homem,
porque lutava bravamente como um patriota, em
Israel, contra os inimigos da nação.
Assim, Davi lamentou não
poder justiçar os assassinos porque o seu reinado havia sido inaugurado
recentemente e um pequeno tremor poderia abalar profundamente o reino, com a
morte de Joabe e Abisai, que eram os principais no reino depois do próprio
Davi.
Assim ele transferiu o
julgamento de ambos ao cuidado de Deus para que a justiça fosse feita.
Joabe tinha grande força
e influência em Judá, e Davi teve que suportá-lo como auxiliar, mas não
inteiramente leal e submisso a ele.
Ele não podia confiar-se
inteiramente a Joabe. E isto sucede a todos que são líderes na casa de Deus.
Terão que aprender a trabalhar com muitas pessoas com as quais não possam
confiarem a si mesmos. E não é propósito de Deus livrar os seus servos fiéis de
pessoas do mesmo caráter de um Joabe, para que possam aprender a confiar
inteiramente nEle, e a serem exercitados em disciplina, justiça e paciência,
como em tantas outras coisas que de outro modo não poderiam aprender, caso não
tivessem que suportar aqueles que lhes são necessários e úteis, mas não sem
lhes causarem muitas aflições, por conta do caráter que possuem.
Não apoiando o ato insano
de Joabe, e demonstrando a sua tristeza pela morte de Abner, Davi subiu no
conceito do povo, pois viram que ali estava diante deles um rei que amava a
justiça e não o que era da sua conveniência pessoal.
Um homem público que não
agia por caprichos, mas por meio daquilo que era bom para toda a nação.
Assim, Deus pode tirar do
mal o bem, quando perseveramos na prática do bem.
“1 Ora, houve uma longa
guerra entre a casa de Saul e a casa de Davi; porém Davi se fortalecia cada vez
mais, enquanto a casa de Saul cada vez mais se enfraquecia.
2 Nasceram filhos a Davi
em Hebrom. Seu primogênito foi Amnom, de Ainoã, a jizreelita;
3 o segundo Quileabe, de
Abigail, que fôra mulher de Nabal, o carmelita; o terceiro Absalão, filho de
Maacá, filha de Talmai, rei de Gesur;
4 o quarto Adonias, filho
de Hagite, o quinto Sefatias, filho de Abital;
5 e o sexto Itreão, de
Eglá, também mulher de Davi; estes nasceram a Davi em Hebrom.
6 Enquanto havia guerra
entre a casa de Saul e a casa de Davi, Abner ia se tornando poderoso na casa de
Saul:
7 Ora, Saul tivera uma
concubina, cujo nome era Rispa, filha de Aías. Perguntou, pois, Is-Bosete a
Abner: Por que entraste à concubina de meu pai?
8 Então Abner, irando-se
muito pelas palavras de Is-Bosete, disse: Sou eu cabeça de cão, que pertença a
Judá? Ainda hoje uso de benevolência para com a casa de Saul, teu pai, e para
com seus irmãos e seus amigos, e não te entreguei nas mãos de Davi; contudo tu
hoje queres culpar-me no tocante a essa mulher.
9 Assim faça Deus a
Abner, e outro tanto, se, como o Senhor jurou a Davi, assim eu não lhe fizer,
10 transferindo o reino
da casa de Saul, e estabelecendo o trono de Davi sobre Israel, e sobre Judá,
desde Dã até Berseba.
11 E Is-Bosete não pôde
responder a Abner mais uma palavra, porque o temia.
12 Então enviou Abner da
sua parte mensageiros a Davi, dizendo: De quem é a terra? Comigo faze a tua
aliança, e eis que a minha mão será contigo, para fazer tornar a ti todo o
Israel.
13 Respondeu Davi: Está
bem; farei aliança contigo; mas uma coisa te exijo; não verás a minha face, se
primeiro não me trouxeres Mical, filha de Saul, quando vieres ver a minha face.
14 Também enviou Davi
mensageiros a Is-Bosete, filho de Saul, dizendo: Entrega-me minha mulher Mical,
que eu desposei por cem prepúcios de filisteus.
15 Enviou, pois,
Is-Bosete, e a tirou a seu marido, a Paltiel, filho de Laís,
16 que a seguia, chorando
atrás dela até Baurim. Então lhe disse Abner: Vai-te; volta! E ele voltou.
17 Falou Abner com os
anciãos de Israel, dizendo: De há muito procurais fazer com que Davi reine
sobre vós;
18 fazei-o, pois, agora, porque
o Senhor falou de Davi, dizendo: Pela mão do meu servo Davi livrarei o meu povo
da mão dos filisteus e da mão de todos os seus inimigos.
19 Do mesmo modo falou
Abner a Benjamim, e foi também dizer a Davi, em Hebrom, tudo o que Israel e
toda a casa de Benjamim tinham resolvido.
20 Abner foi ter com
Davi, em Hebrom, com vinte homens; e Davi fez um banquete a Abner e aos homens
que com ele estavam.
21 Então disse Abner a
Davi: Eu me levantarei, e irei ajuntar ao rei meu senhor todo o Israel, para
que faça aliança contigo; e tu reinarás sobre tudo o que desejar a sua alma:
Assim despediu Davi a Abner, e ele se foi em paz.
22 Eis que os servos de
Davi e Joabe voltaram de uma sortida, e traziam consigo grande despojo; mas
Abner já não estava com Davi em Hebrom, porque este o tinha despedido, e ele se
fora em paz.
23 Quando, pois, chegaram
Joabe e todo o exército que vinha com ele, disseram-lhe: Abner, filho de Ner,
veio ter com o rei; e o rei o despediu, e ele se foi em paz.
24 Então Joabe foi ao
rei, e disse: Que fizeste? Eis que Abner veio ter contigo; por que, pois, o
despediste, de maneira que se fosse assim livremente?
25 Bem conheces a Abner,
filho de Ner; ele te veio enganar, e saber a tua saída e a tua entrada, e
conhecer tudo quanto fazes.
26 E Joabe, retirando-se
de Davi, enviou mensageiros atrás de Abner, que o fizeram voltar do poço de
Sira, sem que Davi o soubesse.
27 Quando Abner voltou a
Hebrom, Joabe o tomou à parte, à entrada da porta, para lhe falar em segredo; e
ali, por causa do sangue de Asael, seu irmão, o feriu no ventre, de modo que
ele morreu.
28 Depois Davi, quando o
soube, disse: Inocente para sempre sou eu, e o meu reino, para com o Senhor, no
tocante ao sangue de Abner, filho de Ner.
29 Caia ele sobre a
cabeça de Joabe e sobre toda a casa de seu pai, e nunca falte na casa de Joabe
quem tenha fluxo, ou quem seja leproso, ou quem se atenha a bordão, ou quem
caia à espada, ou quem necessite de pão.
30 Joabe, pois, e Abisai,
seu irmão, mataram Abner, por ter ele morto a Asael, irmão deles, na peleja em
Gibeão.
31 Disse Davi a Joabe e a
todo o povo que com ele estava: Rasgai as vossas vestes, cingi-vos de sacos e
ide pranteando diante de Abner. E o rei Davi ia seguindo o féretro.
32 Sepultaram Abner em
Hebrom; e o rei, levantando a sua voz, chorou junto da sepultura de Abner;
chorou também todo o povo.
33 Pranteou o rei a
Abner, dizendo: Devia Abner, porventura, morrer como morre o vilão?
34 As tuas mãos não
estavam atadas, nem os teus pés carregados de grilhões; mas caíste como quem
cai diante dos filhos da iniquidade. Então todo o povo tornou a chorar por ele.
35 Depois todo o povo
veio fazer com que Davi comesse pão, sendo ainda dia; porém Davi jurou,
dizendo: Assim Deus me faça e outro tanto, se, antes que o sol se ponha, eu
provar pão ou qualquer outra coisa.
36 Todo o povo notou
isso, e pareceu-lhe bem; assim como tudo quanto o rei fez pareceu bem a todo o
povo.
37 Assim todo o povo e
todo o Israel entenderam naquele mesmo dia que não fora a vontade do rei que
matassem a Abner, filho de Ner.
38 Então disse o rei aos
seus servos: Não sabeis que hoje caiu em Israel um príncipe, um grande homem?
39 E quanto a mim, hoje
estou fraco, embora ungido rei; estes homens, filhos de Zeruia, são duros
demais para mim. Retribua o Senhor ao malfeitor conforme a sua maldade.” (II Sm
3.1-39).
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