sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

O Caráter Leal e Aprovado de Davi – I Samuel 24



Nós vemos no 24º capítulo de I Samuel, que Saul pensava que Davi não poderia escapar de modo algum de sua mão em En-Gedi, mas a providência de Deus fez com que ocorresse exatamente o oposto disto, pois foi ele quem veio a ficar à mercê das mãos de Davi, porque entrou sozinho numa caverna com o propósito de aliviar o ventre, e era justamente naquela caverna que Davi estava escondido com seus homens.
Mas Davi poupou a sua vida e apenas cortou a orla da veste de Saul, para lhe provar que tivera a sua vida ao alcance da sua mão e no entanto, não aproveitou a ocasião para matá-lo, pois sabia que isto não era para ser decidido por ele, senão pelo próprio Deus, que havia ungido a Saul como rei.
Davi teve discernimento suficiente para perceber que a profecia que lhe foi dirigida quanto ao fato de que Saul seria entregue em suas mãos para matá-lo, era uma profecia falsa, pois eis o teor das palavras que lhe foram ditas pelos seus homens na ocasião:
“Eis aqui o dia do qual o Senhor te disse: Eis que entrego o teu inimigo nas tuas mãos; far-lhe-ás como parecer bem aos teus olhos.” (v. 4).
Era uma profecia falsa porque Deus nunca agirá contra a verdade revelada na Sua Palavra.
Na Lei de Moisés está dito que nenhum israelita deveria agir contra o príncipe do seu povo. Ainda que se alguém viesse a fazê-lo, certamente não o estaria fazendo com a aprovação do Senhor, e também não seria isentado do seu juízo.
Foi por conhecer tal lei, que Paulo temeu quando disse ao sumo-sacerdote Ananias que Deus o feriria, e se desculpou por suas palavras, ainda que o sumo-sacerdote estivesse agindo de modo injusto mandando que batessem na boca do apóstolo (At 23.3-5), e as palavras que ele citou na ocasião para se justificar foi a sua ignorância de que ele era sumo-sacerdote, e citou a referida lei de Moisés que proibia qualquer ato desrespeitoso contra aqueles que fossem investidos por Ele em posição de autoridade: “Aos juízes não maldirás, nem amaldiçoarás ao governador do teu povo.” (Êx 22.28).
Assim, além do conhecimento que Davi tinha da Lei do Senhor, ele era um homem dirigido pelo Espírito Santo, e foi por esta intimidade com o Senhor e o conhecimento da Sua Palavra que ele pôde sentir o seu coração doer quando cortou o manto de Saul, quanto mais não sentiria a desaprovação de Deus se o matasse?
Para não errarmos nas coisas relativas a Deus é necessário tanto conhecer as Escrituras quanto o Seu poder.
Se a Lei de Moisés proibia o falar mal e o amaldiçoar o príncipe, quanto mais tirar-lhe a vida.
Este respeito exigido em relação às autoridades não foi mudado na dispensação da graça, conforme podemos ver nas palavras dos apóstolos Pedro (I Pe 2.13, 17,.18) e Paulo (Rm 13.1).
Acrescente-se a isto que caso Davi matasse Saul, em vez de ser conhecido como o rei heróico de Israel, que havia livrado seu povo várias vezes dos seus inimigos, Davi seria reconhecido como o rei traidor que matara o seu próprio soberano.
Então ele agiu debaixo da direção de Deus e sabiamente, quando disse a Saul as palavras dos versos 9 a 15, nas quais deixou bem claro, depois de ter prestado a devida reverência a Saul por ser o rei, que estava deixando o caso inteiramente nas mãos do Senhor, para que Ele julgasse entre Saul e ele, e que Ele o vingasse de todo o mal que estava recebendo de Saul, pois não seria a sua própria mão que seria contra o rei, e citou o provérbio dos antigos de que dos ímpios é que procede a impiedade, provavelmente insinuando que não ele, mas Saul estava agindo de modo ímpio porque não era um homem piedoso, mas tal jamais se veria nele, que perseguisse ou matasse a alguém por motivos ímpios, porque ele, Davi, era um homem piedoso, e a perseguição feroz e incansável que Saul empreendia contra ele tinha ainda o agravante de estar sendo feita contra alguém que não estava procurando fazer-lhe mal, e por isso Davi se comparou a um cão morto, e a uma pulga, pois que dano mortal ambos podem fazer a um homem?
E, deste modo, ele estava entregando a sua causa ao Senhor, para que  fosse o seu juiz e advogado, de modo a livrá-lo da mão de Saul (v. 12-15).  
O espírito imundo não estava atuando sobre Saul naquela hora e ele foi convencido naquele momento, que de fato estava pagando todo o bem que Davi lhe fizera com o  mal, e então levantando a sua voz ele chorou e o chamando de meu filho declarou que Davi era mais justo do que ele, porque lhe havia recompensado com o bem, e ele lhe havia recompensado com o mal (v. 16,17), pois havia mostrado que era inocente perante ele e havia procedido bem, porque havendo Deus lhe entregado nas mãos de Davi ele não o matara (v. 18).
Saul reconhece que é agir contra a própria natureza terrena encontrar o inimigo e deixá-lo ir em paz, quando se poderia de algum modo prejudicá-lo (v. 19).
Então declarou que esperava que  Deus pagasse a Davi pelo bem que lhe havia feito naquele dia, e que estava convicto, que de fato Davi haveria de reinar e que o reino de Israel haveria de ser firmar na sua mão (v. 19,20).
E para confirmar que era real esta certeza ele pediu a Davi que jurasse pelo Senhor, que não desarraigaria a sua descendência quando viesse a reinar e nem extinguiria o nome dele da casa de seu pai, não matando a todos os seus descendentes (v. 20, 21).
E Davi lhe jurou que o atenderia no que ele estava lhe pedindo (v. 21).  
Deste modo, nós aprendemos deste capitulo, que o temor e o respeito devido àqueles que estão em posição de autoridade sobre nós, não significa que devemos silenciar diante das injustiças que estejam praticando.
Subserviência não é a submissão bíblica esperada por Deus de seus servos.
A submissão bíblica implica a presença da virtude da humildade, da moderação, mas não da covardia e da falta de ousadia, pois nos é dito pelo apóstolo que o espírito que temos recebido de Deus não é de covardia, mas de poder, de amor e de moderação (II Tim 1.7).
Podemos aprender muito do exemplo prático de Davi, que não agiu contra Saul, por motivo de covardia, e nem de falta de poder, mas porque era movido pelo amor de Deus, e pela moderação dos que são dirigidos pelo Espírito Santo.
A palavra para moderação no original grego é sofronismós, que significa prudência, disciplina própria, domínio próprio, prudência, moderação.
Nós vemos em Davi este equilíbrio entre coragem e domínio próprio ou moderação.
É isto que deve existir em todo verdadeiro cristão, para que não deixem de dar honra a quem é devido honra, mas que não deixem reprovar o mau comportamento destes a quem deve honra, por motivo de covardia.
Nós estamos fazendo este comentário para que se evite a todo custo uma falsa interpretação do que é autoridade espiritual e como se deve agir diante daqueles que estão investidos pelo próprio Deus de autoridade sobre nós, como era o caso de Saul em relação a Davi, porque ele estava reinando porque fora ungido por ordem de Deus para tal, e portanto, cabia ao próprio Deus e a nenhum homem de Israel decidir sobre a questão se Saul deveria ou não continuar reinando.
É comum que aqueles que estão investidos de autoridade façam uso do artifício da intimidação, de modo que os que estão debaixo do seu governo se sintam temerosos de emitir qualquer opinião contrária à deles, por um falso convencimento de que o ato de fazê-lo ainda que por amor à verdade e à justiça seria estar agindo contra Deus, que os colocou na posição de autoridade, em que eles se encontram.        
Cada servo do Senhor deve manifestar a sua própria personalidade e firmeza para a glória de Deus, porque foram criados para tal propósito.
Eles não devem anular as próprias vontades e torcer até mesmo o direito para se colocarem debaixo da dependência total de outros homens, a pretexto do dever da obediência devida àqueles que os lideram.
Isto não tem nada a ver com a verdadeira obediência ou submissão, pois dependência demais não é bom, tanto quanto a independência também não o é.
Por isso a Bíblia fala em moderação, que significa evitar excessos, comportamentos extremos.
Se Davi se anulasse perante Saul a pretexto de uma obediência absoluta, ele não viria jamais a ser rei em Israel, e até mesmo poderia ser morto por ele.
Mas ele tinha personalidade o bastante para seguir a vontade de Deus, e não a mera vontade dos homens. E se o fizesse ele não estaria de modo nenhum agradando ao Senhor, que foi quem na verdade lhe havia ungido para ser o novo rei de Israel.
Assim, uma verdadeira atitude de rebeldia, de confrontação indevida da autoridade sempre deve ser medida pela identificação de um espírito atrevido e não moderado, de um espírito de desamor e não de amor.
Mas não se pode falar em rebeldia onde a virtude, o respeito e o amor prevalecem.
Não se pode falar de deslealdade onde se age em estrita obediência à vontade de Deus.
Deste modo, tal como Davi, devemos sempre pedir que seja o Senhor mesmo o juiz entre nós e aqueles que nos acusam de rebeldia, ou de qualquer outra falta que tenhamos convicção de que não esteja  em nós, tal como fazia o apóstolo Paulo:
“1 Que os homens nos considerem, pois, como ministros de Cristo, e despenseiros dos mistérios de Deus.
2 Ora, além disso, o que se requer nos despenseiros é que cada um seja encontrado fiel.
3 Todavia, a mim mui pouco se me dá de ser julgado por vós, ou por qualquer tribunal humano; nem eu tampouco a mim mesmo me julgo.
4 Porque, embora em nada me sinta culpado, nem por isso sou justificado; pois quem me julga é o Senhor.
5 Portanto nada julgueis antes do tempo, até que venha o Senhor, o qual não só trará à luz as coisas ocultas das trevas, mas também manifestará os desígnios dos corações; e então cada um receberá de Deus o seu louvor.” (I Cor 4.1-4).  
“Pois busco eu agora o favor dos homens, ou o favor de Deus? ou procuro agradar aos homens? se estivesse ainda agradando aos homens, não seria servo de Cristo.” (Gál 1.10).





“1 Ora, quando Saul voltou de perseguir os filisteus, foi-lhe dito: Eis que Davi está no deserto de En-Gedi.
2 Então tomou Saul três mil homens, escolhidos dentre todo o Israel, e foi em busca de Davi e dos seus homens, até sobre as penhas das cabras montesas.
3 E chegou no caminho a uns currais de ovelhas, onde havia uma caverna; e Saul entrou nela para aliviar o ventre. Ora Davi e os seus homens estavam sentados na parte interior da caverna.
4 Então os homens de Davi lhe disseram: Eis aqui o dia do qual o Senhor te disse: Eis que entrego o teu inimigo nas tuas mãos; far-lhe-ás como parecer bem aos teus olhos. Então Davi se levantou, e de mansinho cortou a orla do manto de Saul.
5 Sucedeu, porém, que depois doeu o coração de Davi, por ter cortado a orla do manto de Saul.
6 E disse aos seus homens: O Senhor me guarde de que eu faça tal coisa ao meu senhor, ao ungido do Senhor, que eu estenda a minha mão contra ele, pois é o ungido do Senhor.
7 Com essas palavras Davi conteve os seus homens, e não lhes permitiu que se levantassem contra Saul. E Saul se levantou da caverna, e prosseguiu o seu caminho.
8 Depois também Davi se levantou e, saindo da caverna, gritou por detrás de Saul, dizendo: Ó rei, meu senhor! Quando Saul olhou para trás, Davi se inclinou com o rosto em terra e lhe fez reverência.
9 Então disse Davi a Saul: por que dás ouvidos às palavras dos homens que dizem: Davi procura fazer-te mal?
10 Eis que os teus olhos acabam de ver que o Senhor hoje te pôs em minhas mãos nesta caverna; e alguns disseram que eu te matasse, porém a minha mão te poupou; pois eu disse: Não estenderei a minha mão contra o meu senhor, porque é o ungido do Senhor.
11 Olha, meu pai, vê aqui a orla do teu manto na minha mão, pois cortando-te eu a orla do manto, não te matei. Considera e vê que não há na minha mão nem mal nem transgressão alguma, e que não pequei contra ti, ainda que tu andes à caça da minha vida para ma tirares.
12 Julgue o Senhor entre mim e ti, e vingue-me o Senhor de ti; a minha mão, porém, não será contra ti.
13 Como diz o provérbio dos antigos: Dos ímpios procede a impiedade. A minha mão, porém, não será contra ti.
14 Após quem saiu o rei de Israel? a quem persegues tu? A um cão morto, a uma pulga?
15 Seja, pois, o Senhor juiz, e julgue entre mim e ti; e veja, e advogue a minha causa, e me livre da tua mão.
16 Acabando Davi de falar a Saul todas estas palavras, perguntou Saul: E esta a tua voz, meu filho Davi? Então Saul levantou a voz e chorou.
17 E disse a Davi: Tu és mais justo do que eu, pois me recompensaste com bem, e eu te recompensei com mal.
18 E tu mostraste hoje que procedeste bem para comigo, por isso que, havendo-me o Senhor entregado na tua mão, não me mataste.
19 Pois, quem há que, encontrando o seu inimigo, o deixará ir o seu caminho? O Senhor, pois, te pague com bem, pelo que hoje me fizeste.
20 Agora, pois, sei que certamente hás de reinar, e que o reino de Israel há de se firmar na tua mão.
21 Portanto jura-me pelo Senhor que não desarraigarás a minha descendência depois de mim, nem extinguirás o meu nome da casa de meu pai.
22 Então jurou Davi a Saul. E foi Saul para sua casa, mas Davi e os seus homens subiram ao lugar forte.” (I Sm 24.1-22)

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