Nós vemos no 14º capítulo
de 2 Samuel, que o interesse de Joabe pelo regresso de Absalão do exílio em
Gesur, para Jerusalém, não era devido a qualquer amizade pessoal e simpatia que
tivesse por ele, pois foi quem buscaria intensamente a sua morte, na rebelião
contra Davi, mesmo contra uma ordem expressa deste para que fosse poupado com
vida.
O interesse que moveu
Joabe era de caráter político e não sentimental, porque Absalão era o sucessor
natural de Davi ao trono, e as opiniões estavam divididas em Israel, quanto à
necessidade do seu retorno para Israel, para que pudesse reinar no lugar do seu
pai quando este morresse.
Assim, o interesse de
Joabe em trazê-lo de volta visava à preservação da paz civil, de modo que se
evitasse uma possível guerra futura na luta de sucessão ao trono.
Nós encontramos Absalão,
no início deste 14º capítulo, ainda no exílio.
A sua busca por Davi,
para ser o vingador do sangue de Amnom, havia cessado depois de passados três
anos, e como as opiniões em Israel se dividiam a respeito dele, quanto a pesar
os justos motivos que teria ou não para ter assassinado o seu irmão, e tendo
Joabe notado que caso Davi morresse, poderia haver uma guerra civil em Israel,
em razão de um partido que fosse a favor de trazer Absalão do exílio, então ele
se antecipou a isto tomando providências para convencer Davi a reintegrá-lo no
reino.
Contudo, não sabia que o
mal já havia construído um grande castelo no coração de Absalão, para reger
todas as suas intenções de se vingar do seu próprio pai, não apenas pelo exílio
a que fora submetido por ele, quanto a ter deixado Amnom impune no caso do seu
incesto com Tamar.
E quando Joabe percebeu
que o coração de Davi voltava a se inclinar para Absalão (v. 1), ele se
apressou em trazer uma mulher sábia de Tecoa (v.2), mas não certamente sábia
segundo Deus, mas segundo o mundo, no exercício da arte da política, e a pedido
de Joabe, e por instrução deste, fingiu estar de luto por um dos seus filhos
que disse ter sido morto pelo seu próprio irmão, e que sendo viúva e tendo
somente a ele por arrimo, temia passar por sérias dificuldades, caso a sua
parentela conseguisse vingar o sangue que ele havia derramado do seu irmão.
E ela insistiu
veementemente com Davi para que não deixasse os vingadores do sangue matarem o
único filho que lhe restara, e visava com isto dissuadir o próprio rei e toda a
sua parentela de vingarem o sangue de Amnom, que havia sido derramado por
Absalão.
E somente depois de ter
obtido dele o compromisso de atender à sua petição, que ela lhe apresentou o
caso de Absalão, e mostrou a Davi, do ponto de vista político, e não do de
Deus, que a sua resistência em trazer Absalão de volta ao reino era na verdade
contra o povo de Deus, e que Davi estava condenando a si mesmo, por não trazer
de volta aquele que ele havia desterrado (v. 13).
As palavras proferidas
pela mulher tecoíta no verso 14 podem parecer numa interpretação apressada como
expressão da verdade, assim, este versículo não deve ser ensinado fora do
contexto bíblico, no qual aprendemos que Deus tira sim a vida no exercício da
Sua soberania, e nem sempre Ele cogita meios para que os banidos não permaneçam
arrojados da Sua presença, afinal Ele tem afirmado que terá misericórdia de
quem Lhe aprouver ter misericórdia, assim como Ele endurece a quem quer.
Ele tanto pode tirar a
vida do corpo quanto fazer a alma perecer no inferno.
A sabedoria do mundo diz
juntamente com a mulher tecoíta, contra a revelação de Deus registrada na
Bíblia, que Ele é pai de todos os homens e que não pode trazer qualquer mal a
eles em decorrência de ser o pai deles.
No entanto, cabe lembrar
que a lei do goel, do vingador do sangue, que vigorava no Velho Testamento,
para nossa instrução quanto ao caráter de Deus, foi prescrita por Ele e não por
iniciativa de Moisés.
Os juízos de Deus, a
propósito, começam pela Sua própria casa (I Pe 4.17), porque no equilíbrio
justo da Sua misericórdia com os Seus juízos, nunca deixará a qualquer um dos
seus verdadeiros filhos sem a devida correção, até mesmo se for necessária,
pelo uso da morte física, como fizera com muitos na Igreja de Corinto, e que
continua fazendo desde o início da criação.
Davi se deixou persuadir
pelos argumentos da mulher, que na verdade, eram os argumentos de Joabe, e não
consultou ao Senhor, senão os seus próprios sentimentos e conveniências
políticas que envolviam a questão.
Tanto isto é verdade que
Davi não havia perdoado plenamente a Absalão, pois apesar de ter ordenado a
Joabe que o trouxesse de volta a Jerusalém, contudo proibiu que ele visse a sua
face, e que se dirigisse para a sua própria casa (v. 23, 24).
A única referência que a
Palavra de Deus faz à pessoa de Absalão é a de que ele era o homem de grande
beleza em Israel e que não tinha qualquer defeito físico, sendo dono de uma
cabeleira admirável (v. 25, 26).
Nada se diz de sua
sabedoria e devoção a Deus.
É motivo de preocupação
para os pais quando os seus filhos estão mais interessados na sua beleza física
do que na virtude deles.
Depois de ter ficado dois
anos em Jerusalém, sem poder ser admitido na presença do rei, e participar dos
assuntos relativos ao reino, Absalão manifestou um interesse fingido de ver a
face de seu pai, dizemos fingido, porque não era o arrependimento e o amor que
o moviam a isto, mas o desejo de se vingar e suplantar Davi, e ele não poderia
fazê-lo enquanto não fosse reempossado em sua antiga posição de ministro do
rei.
Absalão havia aprendido
com seu avô, rei de Gesur, a multiplicar cavalos e é por isso que nós o veremos
logo no início do capítulo seguinte a este, provendo-se de um carro e cavalos,
e cinquenta homens que corriam adiante dele pomposamente, para anunciarem a sua
chegada aonde quer que ele fosse (15.1).
Era com este sonho de
poder e glória em mira que ele mandou chamar Joabe para que tomasse
providências para fazê-lo retornar à corte real.
Como este demorava em
atender à sua chamada, ordenou aos seus servos que ateassem fogo no campo de
Joabe, que ficava próximo à sua residência.
Foi com insolência
ameaçadora que falou a Joabe quando este veio ter com ele para que apresentasse
as razões do danos que lhe causara.
Talvez Joabe tenha se
recusado a vir ter logo com Absalão quando este lhe chamou, em razão deste não
ter se mostrado grato pelas providências que havia tomado para que pudesse
retornar a Jerusalém.
Homens orgulhosos
consideram os favores que nos prestam como dívida.
Mas em vez de Absalão
mostrar gratidão, ele causou um dano a quem lhe havia beneficiado, e nem
tampouco se dispôs a reparar o dano, fazendo uma compensação por ele (v. 28 a
39).
Pessoas nobres são sempre
gratas, e nunca pesam os motivos daqueles que as têm beneficiado, e sempre
manifestarão a sua gratidão pelo favor que tiverem recebido, ainda que saibam
que aqueles que o praticaram o fizeram em causa própria ou por qualquer outro
tipo de interesse.
“1 Percebendo Joabe,
filho de Zeruia, que o coração do rei estava inclinado para Absalão,
2 mandou a Tecoa trazer
de lá uma mulher sagaz, e disse-lhe: Ora, finge que estás de nojo; põe vestidos
de luto, não te unjas com óleo, e faze-te como uma mulher que há muitos dias
chora algum morto;
3 vai ter com o rei, e
fala-lhe desta maneira. Então Joabe lhe pôs as palavras na boca.
4 A mulher tecoíta, pois,
indo ter com o rei e prostrando-se com o rosto em terra, fez-lhe uma reverência
e disse: Salva-me, o rei.
5 Ao que lhe perguntou o
rei: Que tens? Respondeu ela: Na verdade eu sou viúva; morreu meu marido.
6 Tinha a tua serva dois
filhos, os quais tiveram uma briga no campo e, não havendo quem os apartasse,
um feriu ao outro, e o matou.
7 E eis que toda a
parentela se levantou contra a tua serva, dizendo: Dá-nos aquele que matou a
seu irmão, para que o matemos pela vida de seu irmão, a quem ele matou, de modo
que exterminemos também o herdeiro. Assim apagarão a brasa que me ficou, de
sorte a não deixarem a meu marido nem nome, nem remanescente sobre a terra.
8 Então disse o rei à
mulher: Vai para tua casa, e eu darei ordem a teu respeito.
9 Respondeu a mulher
tecoíta ao rei: A iniquidade, ó rei meu senhor, venha sobre mim e sobre a casa
de meu pai; e fique inculpável o rei e o seu trono.
10 Tornou o rei: Quem
falar contra ti, traze-mo a mim, e nunca mais te tocará.
11 Disse ela: Ora,
lembre-se o rei do Senhor seu Deus, para que o vingador do sangue não prossiga
na destruição, e não extermine a meu filho. Então disse ele: Vive o Senhor, que
não há de cair no chão nem um cabelo de teu filho.
12 Então disse a mulher:
Permite que a tua serva fale uma palavra ao rei meu senhor. Respondeu ele:
Fala.
13 Ao que disse a mulher:
Por que, pois, pensas tu tal coisa contra o povo de Deus? Pois, falando o rei
esta palavra, fica como culpado, visto que o rei não torna a trazer o seu
desterrado.
14 Porque certamente
morreremos, e seremos como águas derramadas na terra, que não se podem ajuntar
mais; Deus, todavia, não tira a vida, mas cogita meios para que não fique
banido dele o seu desterrado.
15 E se eu agora vim
falar esta palavra ao rei meu senhor, e porque o povo me atemorizou; pelo que
dizia a tua serva: Falarei, pois, ao rei; porventura fará o rei segundo a
palavra da sua serva.
16 Porque o rei ouvirá,
para livrar a sua serva da mão do homem que intenta exterminar da herança de
Deus tanto a mim como a meu filho.
17 Dizia mais a tua
serva: Que a palavra do rei meu senhor me dê um descanso; porque como o anjo de
Deus é o rei, meu senhor, para discernir o bem e o mal; e o Senhor teu Deus
seja contigo.
18 Então respondeu o rei
à mulher: Peço-te que não me encubras o que eu te perguntar. Tornou a mulher:
Fale agora o rei meu senhor.
19 Perguntou, pois, o
rei: Não é verdade que a mão de Joabe está contigo em tudo isso? Respondeu a
mulher: Vive a tua alma, ó rei meu senhor, que ninguém se poderá desviar, nem
para a direita nem para a esquerda, de tudo quanto diz o rei meu senhor; porque
Joabe, teu servo, é quem me deu ordem, e foi ele que pôs na boca da tua serva
todas estas palavras;
20 para mudar a feição do
negócio é que Joabe, teu servo, fez isso. Sábio, porém, é meu senhor, conforme
a sabedoria do anjo de Deus, para entender tudo o que há na terra.
21 Então o rei disse a
Joabe: Eis que faço o que pedes; vai, pois, e faze voltar o mancebo Absalão.
22 Então Joabe se
prostrou com o rosto em terra e, fazendo uma reverência, abençoou o rei; e
disse Joabe: Hoje conhece o teu servo que achei graça aos teus olhos, ó rei meu
senhor, porque o rei fez segundo a palavra do teu servo.
23 Levantou-se, pois,
Joabe, foi a Gesur e trouxe Absalão para Jerusalém.
24 E disse o rei: Torne
ele para sua casa, mas não venha à minha presença. Tornou, pois, Absalão para
sua casa, e não foi à presença do rei.
25 Não havia em todo o
Israel homem tão admirável pela sua beleza como Absalão; desde a planta do pé
até o alto da cabeça não havia nele defeito algum.
26 E, quando ele cortava
o cabelo, o que costumava fazer no fim de cada ano, porquanto lhe pesava muito,
o peso do cabelo era de duzentos siclos, segundo o peso real.
27 Nasceram a Absalão
três filhos, e uma filha cujo nome era Tamar; e esta era mulher formosa à
vista.
28 Assim ficou Absalão
dois anos inteiros em Jerusalém, sem ver a face do rei.
29 Então Absalão mandou
chamar Joabe, para o enviar ao rei; porém Joabe não quis vir a ele. Mandou
chamá-lo segunda vez, mas ele não quis vir.
30 Pelo que disse aos
seus servos: Vede ali o campo de Joabe pegado ao meu, onde ele tem cevada; ide,
e ponde-lhe fogo. E os servos de Absalão puseram fogo ao campo:
31 Então Joabe se
levantou, e veio ter com Absalão, em casa, e lhe perguntou: Por que os teus
servos puseram fogo ao meu campo.
32 Respondeu Absalão a
Joabe: Eis que enviei a ti, dizendo: Vem cá, para que te envie ao rei, a
dizer-lhe: Para que vim de Gesur? Melhor me fora estar ainda lá. Agora, pois,
veja eu a face do rei; e, se há em mim alguma culpa, que me mate.
33 Foi, pois, Joabe à
presença do rei, e lho disse. Então o rei chamou Absalão, e ele entrou à
presença do rei, e se prostrou com o rosto em terra diante do rei; e o rei
beijou Absalão.” (II Sm 14.1-33).
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