Cristãos maduros e fiéis se sentem tal como Neemias se sentia em Susã,
onde se encontrava o palácio real persa, como podemos verificar neste primeiro
capítulo de seu livro, que estaremos comentando, pelo fato de o povo de Deus em
Judá encontrar-se em grande aflição e opróbrio, estando o muro de Jerusalém
derrubado e suas portas queimadas (Ne 1.3).
Não é incomum que se encontrem muitos cristãos como que vendo suas
Igrejas em grande ruína espiritual, com os muros da reverência e temor devidos
a Deus derrubados e queimados, e assim, se sentem em grande aflição e opróbrio,
por esta ruína espiritual ao seu redor.
Esta é uma condição para ser confessada, lamentada, e pela qual devemos
jejuar e orar permanentemente, tal como fizera Neemias, até que, pela graça
divina, possamos ser os agentes de transformação deste estado de coisas a que
nos referimos.
Neemias não somente chorou e lamentou por alguns dias, como continuou a
jejuar e a orar perante Deus, até que este respondesse as suas orações,
movendo-o às ações que deveria empreender.
Ele começou sua oração afirmando a majestade celestial de Deus, e o Seu
poder, que O tornam inteiramente digno de ser temido.
Ele afirmou a fidelidade do Senhor em guardar a aliança que fez com o Seu
povo, e de usar de misericórdia para com aqueles que O amassem e guardassem os
Seus mandamentos (Ne 1.5).
Ele se sente um com o povo do Senhor de todas as épocas, e por isso, ao
confessar os pecados deles, confessou-os
como se fossem o seu próprio pecado, e suplicou para ser ouvido pelo Senhor, na
intercessão que vinha fazendo dia e noite (v. 6).
E definiu os pecados com que haviam procedido perversamente contra o
Senhor, como sendo a transgressão dos Seus mandamentos, estatutos e juízos que
havia ordenado através de Moisés (v.7).
Neemias declarou que Deus foi justo em tê-los espalhado pelas nações, por
causa da sua transgressão, porque havia proferido este juízo na Sua Lei, (v. 8)
mas apresentou argumentos, honrando a própria Palavra e promessa do Senhor,
pedindo-Lhe que lembrasse que também havia dito que caso o povo se convertesse
a Ele e guardasse os Seus mandamentos e os cumprisse, ainda que fossem
rejeitados até a extremidade do céu, de lá os ajuntaria e tornaria a trazê-los
para o lugar que havia escolhido para ali fazer habitar o Seu nome (v.9).
Ainda que em grande desolação e opróbrio, eram o povo do Senhor, que Ele
havia resgatado do Egito, com mão poderosa
(v. 10).
Finalmente, Neemias pediu a Deus, que ouvisse não somente a sua oração,
como também a dos Seus demais servos que estavam orando, e que se deleitavam em
temer o Seu nome.
Também pediu, especificamente, que lhe fizesse prosperar no seu projeto,
dando-lhe graça perante o rei persa, de quem era copeiro na ocasião (v.11).
Neemias conhecia o temor do Senhor e demonstrou que possuía este temor na
oração que fez.
O empreendimento para o qual pediu ao Senhor que lhe fizesse prosperar,
não estava relacionado aos seus próprios interesses, mas aos do Senhor, que Ele
conhecia perfeitamente, porque sabia qual era o Seu caráter, conforme havia
aprendido na Sua Palavra.
Quando Neemias concluiu sua oração, chamou o rei de “este homem”, porque
quando estamos na presença do Senhor todos os grandes da terra não passam aos
olhos dEle senão como meros homens limitados, imperfeitos, dependentes do Seu
favor e misericórdia.
Ele não o fizera por motivo de irreverência para com o rei, mas porque
diante do Senhor o temor que temos dos homens se dilui completamente, porque
vemos que eles podem se tornar meros instrumentos nas mãos do Deus todo
poderoso, para a realização da Sua soberana vontade.
Deste modo, a misericórdia que pediu a Deus, que se achasse no rei em
relação ao seu empreendimento, não era propriamente a misericórdia do homem,
mas a misericórdia de Deus, que moveria o rei a atender o pedido que lhe
faria.
Esta oração é muito didática, e nos revela que nada ocorre por acaso.
Que obstáculos não são vencidos sem que nos esforcemos em lutar com o
Senhor em oração.
Não pouca oração, e muito menos de pouca intensidade, mas através de
oração incessante, prevalecente e perseverante.
A grande questão por detrás do choro, da
tristeza e do quebrantamento de Neemias e de todos quantos forem chamados
efetivamente a realizar alguma obra específica para Deus é que Ele os
quebrantará primeiro, antes de poder usá-los.
Cristo não usa carvalhos imponentes, mas
canas quebradas.
Ele não esmagará estas canas quebradas, mas
tudo fará para convencê-las de que não são nenhum carvalho diante dEle.
Estes que Ele usa são pavios fumegantes, que
quando vierem a ser acesos por Ele, saberão qual seria a sua real condição sem
o trabalho de Sua graça, capacitando-lhes para toda boa obra.
O próprio Salvador e Senhor deixou-se
quebrar, para nos ensinar o modo como devemos andar neste mundo.
O Espírito Santo veio sobre Ele na forma de
uma pomba, para demonstrar a humildade e mansidão que nos convém para andarmos
com Deus, e no testemunho da verdade ao nosso próximo.
Satanás arremete contra nós, procurando nos
destruir, quando estamos enfraquecidos e doloridos.
Tal como Simeão e Levi deram sobre os
siquemitas, quando estavam abatidos em dores, pela circuncisão (Gên 34.25).
Todavia, Cristo nos fortalece na nossa
fraqueza, e habita com o quebrantado de coração (Is 61.1).
Não desprezemos portanto, o trabalho de
humilhação de nossas almas, pelo qual o Senhor administra a nós a Sua graça em
maior medida.
Sempre é deixado algo para que os cristãos
lutem, de modo que entendamos que necessitamos de Cristo, para que possamos
exalar o Seu bom perfume.
Mas ainda que possa parecer um paradoxo, são
estes corações quebrados como canas, e estes pavios fumegantes que fazem as
orações mais preciosas diante de Deus, por causa da dependência dos gemidos
inexprimíveis do Espírito, através deles.
Quão preciosas são para o Senhor as orações
que fazemos com um coração quebrantado!
Assim, ao falarmos de pavio fumegante
devemos ter em conta que isto tem o propósito de nos lembrar que a menor
fagulha da graça é preciosa.
Há uma bênção especial nesta pequena faísca.
Jesus não veio salvar justos e sãos, mas
pecadores e enfermos.
Deus se agrada de que nos alegremos com os
humildes começos.
Ele se agrada em usar grãos de mostarda e
formar grandes arbustos a partir destas pequenas sementes.
Ele preferiu a pequena cidade de Belém
Efrata, e não Jerusalém, para nos trazer o Salvador.
Ele não começou a Igreja com pessoas
notáveis, poderosas, nobres, importantes e nem mesmo com um grande número de
seguidores.
O Seu método é primeiro provar fidelidade no
pouco, para depois conduzir ao muito.
O Seu ministério é restaurador e nos deu um
exemplo disto na reconstrução dos muros e portas de Jerusalém com Neemias.
E muito mais do que muros e portas, Ele está
interessado em restaurar vidas. E fará isto principalmente com paciência e
amor.
Os pastores devem então, ser pessoas simples
e humildes, seguindo o exemplo do Senhor deles, e exporem a verdade de maneira
clara, e nunca de forma obscura.
A verdade não teme algo tanto quanto o encobrimento,
e não deseja algo tanto que seja exposta clara e abertamente à visão de todos.
Daí Jesus ter dito que tudo o que ensinou
reservadamente aos discípulos deveria ser proclamado de cima dos telhados.
Paulo
era profundo, no entanto se tornou como ama acariciando seus filhos (I Tes
2.7), e se fez fraco com os fracos (I Cor 9.22).
Cristo desceu do céu e se esvaziou de Sua
majestade, para se oferecer a nós, como oferta suave de amor. E não desceremos
de nossas elevadas vaidades para fazermos o bem a qualquer alma necessitada de
salvação?
Devemos portanto, nos guardar daquele
espírito que em vez de exibir paciência, longanimidade, mansidão e misericórdia
aos homens, demonstra fúria, exaltação e ira obstinada, ainda que em nome de
fazer prevalecer a verdade.
Devemos lembrar que não podemos fazer
prevalecer a verdade agindo contra a verdade.
E devemos nos lembrar sempre que o
fruto da justiça é semeado em meio à
paz, sobretudo, a paz interior dos
nossos corações, enquanto ministramos.
No
exercício da disciplina na Igreja devemos nos acautelar para não tentar matar
uma mosca na testa de alguém com um martelo. O poder que é dado à Igreja é para
edificação e não para destruição.
O
amor cobre uma multidão de transgressões. Não foi exatamente isto que Deus fez
conosco ao perdoar todos os nossos pecados, quando nos salvou em Cristo?
O Espírito Santo está contente em habitar em
almas fumegantes e ofensivas. Que nós pudéssemos reter algo desta mesma
disposição misericordiosa!
A graça não reside em almas perfeitas neste
mundo. Lembremos sempre disto.
Como nenhum cristão se encontra em estado de
perfeição absoluta deste outro lado do céu, então nós temos que nos exercitar
sempre em espírito de misericórdia, de perdão e mansidão.
Por isso, nunca devemos nos julgar, de
acordo com os nossos sentimentos presentes, porque nas tentações nós veremos
muita fumaça desprendendo de pensamentos incorretos.
Nós devemos nos precaver do falso
raciocínio, porque nosso fogo não é como o dos demais, ou então por parecer que
não há qualquer fogo em nós.
As portas de Jerusalém estavam queimadas,
mas Deus providenciou para que fossem restauradas através de Neemias, de forma
que erraram todos aqueles que pensavam que Jerusalém permaneceria sem portas
para sempre.
Devemos lembrar que estamos na Aliança da
Graça, em que nem toda medida é como fogo pleno, pois há muita faísca, que deve
ser também vista como chama.
Todos os cristãos têm a mesma fé preciosa
(II Pe 1.1) por meio da qual obtiveram a perfeita justiça de Cristo.
Uma mão fraca pode pegar uma jóia preciosa.
Algumas uvas mostrarão que a planta é uma
videira e não um espinheiro.
Uma coisa é ser deficiente na graça e outra
coisa não ter qualquer graça.
Deus sabe que nós não temos nada de nós
mesmos, então na aliança da graça Ele não requer nada além do que Ele dá, e que
sempre nos dá o que Ele requer.
Se não pudermos trazer um cordeiro, então
permitirá que tragamos duas pombas e uma rola (Lev 12.8).
O evangelho é uma moderação misericordiosa,
em que a obediência de Cristo é estimada como sendo a nossa (Rom 5.19).
A morte na panela da religião católico
romana é que eles confundem as duas alianças (a da Lei e a da Graça) e
enfraquecem o conforto que há em Cristo, porque não podem distinguir que Ele
mitiga em muito as nossas deficiências, em cumprir as exigências da Lei, apesar
de não desobrigar-nos do seu cumprimento, e de exigir de nós uma justiça que
exceda em muito a dos que se encontravam
debaixo do antigo pacto.
Muitos cristãos teriam sido destruídos se
estivessem aliançados com Deus nas condições da Antiga Aliança, por causa de
pecados que cometem, mas em Cristo são corrigidos, e não destruídos. Mas não
são somente corrigidos, como também são consolados, depois que acham lugar de
arrependimento, em relação aos seus pecados, não pelo mérito do arrependimento,
mas por causa dos méritos de Cristo.
Temos que nos lembrar, que a graça é muitas
vezes, pouco discernível a nós. O Espírito Santo por vezes opera em nós sem que
percebamos a Sua ação, mas Cristo sabe.
Às vezes, na amargura da tentação, pensamos
que Deus está se opondo a nós. Tal como a sunamita estava cheia de amargura em
seu espírito, quando procurou Eliseu, e assim, deixamos de ver que Deus está
conosco em nossas aflições. E uma alma preocupada é tal qual águas agitadas que
não podem estar em repouso.
Mas se é a alma de um verdadeiro cristão
verá alguma faísca no meio de toda esta fumaça, e por esta pequena fagulha de
graça será renovado na sua esperança e permanecerá firme na sua fé e confiança,
que pertence a Deus, e que é a Ele que cabe o pleno governo sobre a sua
vida.
Uma pequena luz santa nos permitirá manter a
Palavra de Cristo, e não negar o Seu nome, como sucede com a Igreja de
Filadélfia citada em Apo 3.8.
Onde este fogo da graça divina estiver, por
menor que seja, sempre mostrará a diferença que há entre o ouro e a escória.
Fará separação entre carne e espírito, e nos levará a desejar a santidade de
Deus.
Deus dispôs todas as coisas de modo que
Jesus receba toda a glória, e todo homem reconheça que sem Ele nada pode fazer,
e nada será quanto ao propósito de Deus traçado para os eleitos.
Toda a virtude que houver em qualquer cristão
terá procedido de Deus, de forma que se algum deles vem a apostatar da fé,
deixando de andar no Espírito, logo verá que as obras da carne prevalecerão
completamente, porque todo o bem que houver nele, no que tange a pensar e a
agir, segundo Deus, não procede de sua própria natureza, senão do Senhor
Jesus.
Por isto, todos os cristãos são ordenados a
não se gloriarem em si mesmos quando Deus está fazendo algo bom neles, ou
através deles, porque todos, sem exceção, são servos inúteis, pessoas que nada
poderiam fazer de si mesmas, se não tivessem sido renovadas e capacitadas pela
graça de Deus.
Nossos desânimos não vêm da parte de Deus,
porque Ele entrou em aliança conosco, assim como um pai, que se compadece dos
seus filhos (Sl 103.13), e deste modo, nunca agiria no sentido de desanimá-los.
Nem vem de Cristo nossos desânimos porque
Ele não apagará o pavio que fumega.
Nem tampouco vêm do Espírito Santo, porque
ele nos ajuda nas nossas fraquezas, e é o Consolador.
Não são portanto nossos desânimos e
fraquezas que podem quebrar nossa aliança com Deus, assim como está bem
tipificado no caso da nação de Israel que se encontrava assolada e em opróbrio
em Judá nos dias de Neemias.
A aliança que temos com o Senhor é de
caráter matrimonial, e por isso Ele nos assiste com Sua misericórdia em nossas
fraquezas e não nos desamparará por causa delas.
Agora, consideremos o perigo que há naqueles
que lançam, eles próprios, água para apagar o pavio fumegante de suas vidas que
o próprio Cristo não apagaria.
Não é sem razão que o apóstolo nos alerta
quanto ao perigo de apagarmos o Espírito, com os nossos pecados deliberados.
A Igreja de Laodiceia está sempre pronta a
ser vomitada da boca do Senhor porque é morna. Ela tipifica bem, aqueles cristãos
que vivem perigosamente provocando sempre a ira de Deus, por um viver
deliberado no pecado.
Se a graça é fortalecida no seu exercício,
como poderão estar fortalecidos com graça aqueles que a rejeitam e confiam nos
seus próprios méritos e obras?
Como poderemos permanecer nesta graça se não
nos santificarmos?
Jesus nos convida a ter bom ânimo na aflição
porque, como Ele próprio afirmou, jamais apagará o pavio fumegante, mas
lembremos que vivendo deliberadamente no pecado, será impossível ter este bom
ânimo, que Ele próprio nos concederia pela Sua graça.
Não
confundamos fraqueza com prática deliberada do pecado, porque isto não é
fraqueza, mas rebelião e traição ao Filho de Deus, que morreu por nós, para não
vivermos mais praticando o pecado e procurando estar deliberadamente debaixo do
seu domínio.
Há muitos inimigos a serem vencidos, a
carne, o diabo e o mundo, e é importante estarmos conscientes de nossa condição
de canas quebradas e pavios fumegantes, para que nunca tenhamos a presunção de
tentar vencer estes inimigos na energia da carne, senão por nos fortalecermos
na graça, que está em Cristo Jesus e na força do Seu poder.
“1 Palavras de Neemias, filho de Hacalias. Ora, sucedeu no mês de
quisleu, no ano vigésimo, estando eu em Susã, a capital,
2 que veio Hanâni, um de meus irmãos, com alguns de Judá; e
perguntei-lhes pelos judeus que tinham escapado e que restaram do
cativeiro, e acerca de Jerusalém.
3 Eles me responderam: Os restantes que ficaram do cativeiro, lá na
província estão em grande aflição e opróbrio; também está derribado o muro de
Jerusalém, e as suas portas queimadas a fogo.
4 Tendo eu ouvido estas palavras, sentei-me e chorei, e lamentei por
alguns dias; e continuei a jejuar e orar perante o Deus do céu,
5 e disse: Ó Senhor, Deus do céu, Deus grande e temível, que guardas o
pacto e usas de misericórdia para com aqueles que te amam e guardam os teus mandamentos:
6 Estejam atentos os teus ouvidos e abertos os teus olhos, para ouvires a
oração do teu servo, que eu hoje faço perante ti, dia e noite, pelos filhos de
Israel, teus servos, confessando eu os pecados dos filhos de Israel, que temos
cometido contra ti; sim, eu e a casa de meu pai pecamos;
7 na verdade temos procedido perversamente contra ti, e não temos
guardado os mandamentos, nem os estatutos, nem os juízos, que ordenaste a teu
servo Moisés.
8 Lembra-te, pois, da palavra que ordenaste a teu servo Moisés, dizendo:
Se vós transgredirdes, eu vos espalharei por entre os povos;
9 mas se vos converterdes a mim, e guardardes os meus mandamentos e os
cumprirdes, ainda que os vossos rejeitados estejam na extremidade do céu, de lá
os ajuntarei e os trarei para o lugar que tenho escolhido para ali fazer
habitar o meu nome.
10 Eles são os teus servos e o teu povo, que resgataste com o teu grande
poder e com a tua mão poderosa.
11 Ó Senhor, que estejam atentos os teus ouvidos à oração do teu servo, e
à oração dos teus servos que se deleitam em temer o teu nome; e faze prosperar
hoje o teu servo, e dá-lhe graça perante este homem. (Era eu então copeiro do
rei.)” (Ne 1.1-11).
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