O décimo terceiro
capítulo de I Crônicas é paralelo aos versos 1 a 11 deste sexto capítulo de II
Samuel, que estaremos comentando.
A arca havia ficado em
Quiriate-Jearim desde o seu retorno do cativeiro entre os filisteus (I Sm
7.1,2).
A cidade de Baalim,
mencionada no verso 2 é Quiriate-Jearim, como se vê no texto paralelo de I
Crônicas de 13.6.
Para empreender a remoção
da arca de Quiriate-Jearim para Jerusalém, Davi reuniu uma comitiva de 30.000
pessoas da nobreza de Israel, de modo a produzir em todos os israelitas a
convicção da importância e da deferência que era devida à arca, em face da
solene reunião de tantos líderes escolhidos, que estariam acompanhando a sua
transferência para Jerusalém.
E tal era a envergadura
do cortejo que a forma singela de se transportar a arca pelos seus varais,
pelos levitas, foi desprezada, e se mandou construir um carro novo de bois para
efetuar o seu transporte.
Havia certamente da parte
de Deus a intenção de transmitir um ensino didático na forma de se transportar
a arca, porque o transporte pelos varais impedia que a arca propriamente dita
fosse tocada por mãos humanas, ensinando-se assim a reverência e respeito que
são devidos ao Senhor, e que Ele não pode ser conduzido pelos homens, tanto que
o ato de se tocar na arca, seria punido com a morte.
Talvez tenha sido este um
dos motivos de não ter havido anteriormente um interesse em se remover a arca
de Quiriate-Jearim, em razão do temor das mortes que poderia causar um transporte
indevido de objeto tão sagrado.
E ao que tudo indica Davi
talvez tenha intentado se prevenir destes juízos divinos, por meio da grandiosa
solenidade que ele planejou juntamente com os líderes de Israel para trazê-la a
Jerusalém.
Cânticos de louvor eram
entoados com acompanhamento de toda sorte de instrumentos musicais, e havia
grandes manifestações de alegria, mas nada disso foi capaz de impedir que Deus
matasse Uzá, pela sua falta de reverência, quando ele tocou a arca quando os
bois que a transportavam tropeçaram (v. 6,7).
Deus nunca prestigiará a
grandiosidade das solenidades que realizemos para cultuá-lo, pela suspensão dos
seus juízos determinados sobre tudo o que tem definido como transgressão da Sua
vontade.
Ele manterá o que tem
prometido fazer e cumprirá tudo o que a Sua boca tem proferido,
independentemente do fato se a Sua atuação poderá ou não frustrar as nossas
expectativas, tal como Ele sabia que sucederia com Davi, e com todo o cortejo
que o acompanhava, quando a Sua ira se acendeu contra Uzá, e produziu a
cessação de toda a atmosfera festiva da ocasião.
Ainda que toda aquela
alegria pública estivesse sendo manifestada na presença de Deus, de forma que
não havia o risco de que se
transformasse numa alegria carnal e sensual, como costuma ocorrer com toda
alegria pública, que não é manifestada na Sua presença, Ele não deixou, nem
mesmo por isso, de castigar a irreverência de Uzá.
E nem mesmo levou em
conta o fato de ser ele um levita, tal como o seu irmão Aiô, e nem ainda o de a
arca ter ficado na casa deles durante a sua permanência em Quiriate-Jearim, ou
seja, na casa de Abinadabe, que era pai de Aiô e Uzá.
Uzá tinha sido traído
pela sua familiaridade com a arca, julgando que possuía direitos sobre ela, que
não eram permitidos aos demais.
Ele pode ter desejado
manifestar publicamente que tinha um certo privilégio em relação àquele objeto
sagrado, colocando-se ao lado dela, quando estava sendo transportada pelos
carros de bois, enquanto seu irmão Aiô ia adiante deles.
Foi talvez por isso que
não teve qualquer constrangimento em estender sua mão para segurar a arca
quando os bois tropeçaram, sendo o seu gesto considerado por Deus como uma
irreverência, que despertou a Sua ira, conforme é dito diretamente na Bíblia.
Note que não se diz que a
arca estava caindo quando ele a segurou, e poderoso é o Senhor para impedir que
ela caísse.
Aquele gesto irreverente
à vista de todos os líderes e de muitos do povo de Israel, não passaria impune,
e o Senhor vindicou a Sua santidade em Uzá, e todos temeram e tremeram,
inclusive o próprio Davi.
Ele não somente se
desgostou (v.8), como também temeu ao Senhor naquele dia (v.9) a ponto de
desistir de trazer a arca para junto de si em Jerusalém (v.10), e providenciou
para que ela ficasse na casa de Obede-Edom, que ficava nas cercanias do lugar
onde ocorreu a morte de Uzá.
Ele deve ter cogitado que
Uzá não era mais pecador do que ele, para que Deus o matasse daquele modo.
Ele temeu que Deus o
matasse da mesma maneira. Ele temeu que Deus poderia matá-lo tal como fizera
com Uzá.
E a arca permaneceu três
meses na casa de Obede-Edom, mas nenhum mal lhe fizera, ao contrário, tanto ele
quanto a sua casa foram abençoados pelo Senhor (v. 11).
A mesma mão que castigou
a presunção de Uzá abençoou a coragem humilde de Obede-Edom, e se a arca foi
cheiro de morte para a morte para o primeiro, ela foi aroma de vida para a
vida, para o segundo, tal como Cristo é em relação a toda a humanidade.
Cristo é o mesmo, mas Ele
é tanto motivo de ruína para os que se perdem, quanto é de bênção para os que
se salvam.
Quando Davi soube que
Obede-Edom e a sua casa haviam sido abençoados por Deus (v. 12), ele se dispôs
novamente a trazer a arca para Jerusalém, porque se a presença da arca havia
abençoado sua casa, todo Israel poderia ser abençoado por ela. E o fato de
Obede-Edom ter sido abençoado significava que a ira do Senhor havia cessado.
Em I Crôn 15.1-15; 25-28,
nós encontramos informações adicionais ao texto de II Sm 6.12-23, que descreve
a remoção da arca da casa de Obede-Edom para Jerusalém.
Desta vez Davi reconheceu
que havia errado em não transportar a arca segundo o que estava prescrito na
Lei, e não somente separou os levitas para isto, como também estes se
santificaram antes, e quando a arca começou a ser transportada pelos varais,
foram oferecidos sacrifícios de bois e carneiros cevados (v. 13), provavelmente
como forma de reparação dos erros cometidos anteriormente.
E holocaustos e ofertas
pacíficas foram trazidos quando a arca foi colocada na tenda que havia sido preparada
para ela (v. 17,18).
Estas ofertas
simbolizavam a consagração, a comunhão e a gratidão por Deus ter-se mostrado
propício a eles.
Tal era a alegria de Davi
que ele dançava com todas as suas forças diante do Senhor, e se despojou dos
seus trajes reais, para se cingir de uma estola sacerdotal de linho v. 14),
como símbolo de sua consagração ao serviço de Deus e de sua inteira devoção a
Ele. Assim, ele acompanhou o cortejo não como um rei, mas como um simples servo
de Deus, que é o verdadeiro e eterno rei de Israel.
Era de tal ordem a
humildade, simplicidade e alegria com que Davi entrou na cidade de Jerusalém,
que sua mulher Mical, contemplando o que ele fazia, através da janela do
palácio, desprezou-o em seu coração (v. 16).
Mas mesmo que Davi
soubesse disto, certamente não se intimidaria e continuaria com sua alegria,
prestando as homenagens públicas, que entendia serem devidas por ele ao Senhor,
por todo o bem que estava fazendo a ele e a todo o povo de Israel.
Foi por este motivo que
ele pretendeu que todo o povo que acompanhara o transporte da arca,
participasse das ofertas pacíficas que foram apresentadas a Deus, e por isso
ele abençoou o povo em nome do Senhor, e repartiu a todos eles um bolo de pão,
um pedaço de carne e passas (v. 18,19).
Foi quando chegou em sua
casa, depois de ter despedido o povo, para abençoar os seus, que Mical veio ao
seu encontro, repreendendo-o com as seguintes palavras: “Que bela figura fez o
rei de Israel, descobrindo-se hoje aos olhos das servas de seus servos, como
sem pejo se descobre um vadio qualquer.” (v. 20).
Foi o orgulho de Mical
que a levou a agir de tal maneira. Ela pensava que Davi havia se rebaixado
muito diante dos olhos das servas dos seus oficiais, nivelando-se a elas, e
isto faria com que elas não o respeitassem mais e não lhe dessem a devida
honra, uma vez que, segundo ela, Davi não havia respeitado a sua elevada
posição de rei diante deles.
A devoção religiosa
daqueles que são sinceros diante de Deus sempre soa mal aos ouvidos e fere os
olhos daqueles que não Lhe são devotados.
Este era o problema com
Mical. Ela não conhecia a alegria de quem derrama a sua alma na presença do
Senhor.
Mas Davi defendeu a honra
de Deus quando justificou o seu comportamento com as seguintes palavras:
“Perante o Senhor, que escolheu a mim de
preferência a teu pai e a toda a sua casa, estabelecendo-me por chefe sobre o
povo do Senhor, sobre Israel, sim, foi perante o Senhor que dancei; e perante
ele ainda hei de dançar. Também ainda mais do que isso me envilecerei, e me
humilharei aos meus olhos; mas das servas, de quem falaste, delas serei
honrado.”.
O teor destas palavras
indica que não foi dos seus servos que recebeu a honra de ser escolhido rei
sobre Israel, mas foi do próprio Deus que a recebeu.
Se Mical havia
repreendido Davi, pensando que foram seu pai e sua casa que emprestaram a
verdadeira dignidade e honra à realeza, Davi lhe fez recordar que Saul e toda a
sua casa haviam sido rejeitados por Deus para não reinarem sobre Israel, e que
lhe havia escolhido para ser o rei do Seu povo.
Como poderia então ser
desonrado pelas servas dos seus servos por ter dado a honra devida a Deus, que
o pai de Mical, Saul, negou a Ele durante toda a sua vida?
Como Deus desprezaria
aqueles que não O desprezam?
Como permitiria que não
fossem honrados aqueles que O estavam honrando?
Se alguma serva de Davi
não lhe estivesse honrando tal como Mical, pelo fato dele estar se alegrando na
presença de Deus, certamente estaria fazendo isto por não estar honrando não a
Davi, mas o próprio Deus, que inundou o coração dele com tal alegria, que foi
levado pelo Espírito Santo a dançar com todas as suas forças na presença do
Senhor, e ser cheio da Sua graça, que o levou a abençoar não somente todo o
povo, mas a sua própria casa.
Como Mical se recusou a
dar honra ao Senhor, e a Sua bênção através de Davi, quando as suas próprias
servas O estavam honrando, ela foi impedida de gerar filhos a Davi por toda a
sua vida, como uma marca do desagrado de Deus sobre o comportamento dela.
Quem não honraria Davi
seria ela mesma como não lhe havia honrado em sua alegria, antes lhe recriminou
por isto. Ela não lhe daria também a honra de ser pai, porque nisto fora
impedida pelo próprio Deus, para que soubesse que estava no poder dEle e não no
das servas de Davi honrá-lo como rei.
Assim como Ele havia
engrandecido a Moisés e a Josué diante de todo o Israel, Ele fez o mesmo com
Davi, e não seriam suas servas incentivadas por um espírito orgulhoso de uma
Mical, que impediriam a Sua poderosa mão de fazê-lo.
“1 Tornou Davi a ajuntar
todos os escolhidos de Israel, em número de trinta mil.
2 Depois levantou-se
Davi, e partiu para Baal-Judá com todo o povo que tinha consigo, para trazerem
dali para cima a arca de Deus, a qual é chamada pelo Nome, o nome do Senhor dos
exércitos, que se assenta sobre os querubins.
3 Puseram a arca de Deus
em um carro novo, e a levaram da casa de Abinadabe, que estava sobre o outeiro;
e Uzá e Aiô, filhos de Abinadabe, guiavam o carro novo.
4 Foram, pois, levando-o
da casa de Abinadabe, que estava sobre o outeiro, com a arca de Deus; e Aiô ia
adiante da arca.
5 E Davi, e toda a casa
de Israel, tocavam perante o Senhor, com toda sorte de instrumentos de pau de
faia, como também com harpas, saltérios, tamboris, pandeiros e címbalos.
6 Quando chegaram à eira
de Nacom, Uzá estendeu a mão à arca de Deus, e pegou nela, porque os bois
tropeçaram.
7 Então a ira do Senhor
se acendeu contra Uzá, e Deus o feriu ali; e Uzá morreu ali junto à arca de
Deus.
8 E Davi se contristou,
porque o Senhor abrira rotura em Uzá; e passou-se a chamar àquele lugar,
Pérez-Uzá, até o dia de hoje.
9 Davi, pois, teve medo
do Senhor naquele dia, e disse: Como virá a mim a arca do Senhor?
10 E não quis levar a
arca do Senhor para a cidade de Davi; mas fê-la entrar na casa de Obede-Edom, o
gitita.
11 E ficou a arca do
Senhor três meses na casa de Obede-Edom, o gitita, e o Senhor o abençoou e a
toda a sua casa.
12 Então informaram a
Davi, dizendo: O Senhor abençoou a casa de Obede-Edom, e tudo quanto é dele,
por causa da arca de Deus. Foi, pois, Davi, e com alegria fez subir a arca de
Deus, da casa de Obede-Edom para a cidade de Davi.
13 Quando os que levavam
a arca do Senhor tinham dado seis passos, ele sacrificou um boi e um animal
cevado.
14 E Davi dançava com
todas as suas forças diante do Senhor; e estava Davi cingido dum éfode de
linho.
15 Assim Davi e toda a
casa de Israel subiam, trazendo a arca do Senhor com júbilo e ao som de
trombetas.
16 Quando entrava a arca
do Senhor na cidade de Davi, Mical, filha de Saul, estava olhando pela janela;
e, vendo ao rei Davi saltando e dançando diante do Senhor, o desprezou no seu
coração.
17 Introduziram, pois, a
arca do Senhor, e a puseram no seu lugar, no meio da tenda que Davi lhe armara;
e Davi ofereceu holocaustos e ofertas pacíficas perante o Senhor.
18 Quando Davi acabou de
oferecer os holocaustos e ofertas pacíficas, abençoou o povo em nome do Senhor
dos exércitos.
19 Depois repartiu a todo
o povo, a toda a multidão de Israel, tanto a homens como a mulheres, a cada um,
um bolo de pão, um bom pedaço de carne e um bolo de passas. Em seguida todo o
povo se retirou, cada um para sua casa.
20 Então Davi voltou para
abençoar a sua casa; e Mical, filha de Saul, saiu a encontrar-se com Davi, e
disse: Quão honrado foi o rei de Israel, descobrindo-se hoje aos olhos das
servas de seus servos, como sem pejo se descobre um indivíduo qualquer.
21 Disse, porém, Davi a
Mical: Perante o Senhor, que escolheu a mim de preferência a teu pai e a toda a
sua casa, estabelecendo-me por chefe sobre o povo do Senhor, sobre Israel, sim,
foi perante o Senhor que dancei; e perante ele ainda hei de dançar
22 Também ainda mais do
que isso me envilecerei, e me humilharei aos meus olhos; mas das servas, de
quem falaste, delas serei honrado.
23 E Mical, filha de Saul
não teve filhos, até o dia de sua morte.” (II Sm 6.1-23).
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