Antes de qualquer
comentário relativo a este 28º capitulo de I Samuel, julgamos importante
destacar logo de início o que diz a Lei de Moisés a respeito de se consultar os
necromantes e adivinhos:
“6 Quanto àquele que se
voltar para os que consultam os mortos e para os feiticeiros, prostituindo-se
após eles, porei o meu rosto contra aquele homem, e o extirparei do meio do seu
povo.
7 Portanto
santificai-vos, e sede santos, pois eu sou o Senhor vosso Deus.” (Lev 20.6,7).
“O homem ou mulher que
consultar os mortos ou for feiticeiro, certamente será morto. Serão
apedrejados, e o seu sangue será sobre eles.” (Lev 20.27).
“Não se achará no meio de
ti quem faça passar pelo fogo o seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem
prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro, nem encantador, nem quem
consulte um espírito adivinhador, nem mágico, nem quem consulte os mortos;” (Dt
18.10, 11).
“Porque estas nações, que
hás de possuir, ouvem os prognosticadores e os adivinhadores; porém, quanto a
ti, o Senhor teu Deus não te permitiu tal coisa.” (Dt 18.14).
Tendo a Davi entre eles, os filisteus
ganhavam uma grande vantagem moral sobre Israel, porque não era Saul o campeão
dos israelitas, mas Davi, e o fato dele subir com eles à guerra contra Israel
era algo para ser muito temido, e então nós vemos Saul em completo desespero,
não somente em razão disso, mas principalmente pelo fato de ter sido abandonado
por Deus, que se recusava a dar qualquer resposta a ele quanto à batalha que
teria que travar contra os filisteus, quer em sonhos, quer pelos profetas, quer
pelo urim e tumim dos sacerdotes (v. 5,6).
E se a presença de Davi
entre os filisteus enfraquecia Saul por um lado, por outro fortalecia o ânimo
dos próprios filisteus, e tal era a confiança de Aquis em Davi, que ele
pretendia fazer dele o seu guarda-costas (v. 2).
Saul ficou aterrorizado
com a visão do exército dos filisteus acampado em Suném, por ser mais numeroso
do que o exército de Israel, e ele não tinha mais o Espírito Santo para
fortalecê-lo e animá-lo para as batalhas.
As dificuldades
aterrorizam os filhos da desobediência porque eles não têm a Deus por eles para
firmar os seus corações.
E as circunstâncias
desmascarariam Saul quanto ao desterro que ele havia feito dos necromantes e adivinhos em Israel (v. 3),
pois não o fizera por motivos sequer religiosos e muito menos por causa da sua
piedade em cumprir a Lei de Moisés, quanto aos textos que destacamos no início
deste nosso comentário, mas para outros propósitos que nós desconhecemos.
Mas podemos dizer que a
máscara seria retirada, de modo que ele não pudesse ser considerado alguém que
fosse zeloso pela causa de Deus e da verdade, porque não tendo recebido nenhuma
resposta do céu, foi bater nos portões do inferno, para ver se alguém de lá lhe
ajudaria e lhe daria conselho, e para saber como o mundo espiritual estava se
movendo em relação àquela batalha, que teria que travar com os filisteus, pois
foi consultar uma feiticeira em En-Dor, para que esta lhe fizesse aparecer pela
necromancia (consulta aos mortos) a Samuel.
Uma grande prova de que
não era nenhuma pessoa que havia morrido que aparecia aos necromantes, pode ser
inferida de duas citações encontradas nos versos 11 e 13, pois no verso 11 a
mulher pergunta a quem ela deveria fazer “subir” pela necromancia, e no verso
13 ela afirma que via um deus “subindo do meio da terra”.
No pensamento dos
necromantes todos os mortos ficavam no Seol, que seria uma região no meio da
terra.
Mas sabemos que, com toda
a certeza, os espíritos dos santos sobem para a presença de Deus no céu, na
morte deles (Ec 12.7).
Como poderia ser
verdadeiramente o espírito de Samuel subindo do meio da terra?
Como poderiam os servos
de Satanás subordinar ao seu próprio poder os espíritos dos santos de Deus?
Como o Senhor permitiria
que eles tivessem tal poder em algo que Ele mesmo proibiu expressamente, não
pela possibilidade de um necromante trazer um espírito da região dos mortos,
mas para evitar o engano diabólico, porque Satanás se disfarça em anjo de luz.
Ele pode agir com engano
assumindo formas de pessoas ou imitar a voz delas, e até mesmo dizer coisas
referentes às suas vidas, por meio de uma observação do seu comportamento e de
situações que viveram.
Enfim, não há nenhuma possibilidade
de que o espírito de alguém que morreu e que se encontra no céu com Deus desça
à terra, senão por uma permissão expressa do próprio Deus, como foi o caso de
Moisés que apareceu com Elias no monte da Transfiguração a Jesus.
Não está na esfera de
Satanás exercer qualquer tipo de domínio sobre os espíritos desencarnados, que
se encontram no céu.
Uma outra prova de que foi Satanás ou um
demônio que apareceu a Saul disfarçado em Samuel e não o próprio profeta, está
no fato de que em vez de ser convocado ao arrependimento e a buscar a
misericórdia de Deus, o suposto “Samuel” exerceu o ministério do diabo somente
acusando a Saul.
Este lhe perguntou o que
deveria fazer, e em vez de receber uma resposta à sua pergunta, como o que
acabamos de dizer anteriormente, foi acusado do que havia feito, e também lhe
foi dito o que lhe seria feito em razão disso.
Nós temos muitas outras
evidências contra a possibilidade total de ter sido Samuel que apareceu a Saul.
Uma outra é que a
aparição estava envolta numa capa, e porque razão estava envolta numa capa?
Para que qualquer falha
no disfarce não fosse percebida por Saul, e acrescente-se a isto que a
perturbação de espírito em que ele se encontrava na ocasião já era um fator
desfavorável para ele em tal sentido, pois não estava no completo domínio das
suas faculdades perceptivas, por estar com a mente conturbada pelo grande pavor
que havia se apoderado dele.
Nós vemos também que o engano chama engano,
pois Saul se disfarçou para ir ter com a feiticeira e o diabo se disfarçou em
Samuel para enganá-lo.
Até mesmo a própria
feiticeira poderia ser uma fraude, e nenhum espírito maligno provavelmente não
tinha a mesma debaixo dos seus serviços, pois quando ela viu o suposto
“Samuel” gritou em alta voz (v.12) e
isto se deu possivelmente em razão do grande espanto do que havia acontecido,
porque até então podia vir enganando as pessoas falando a elas, como se fossem
as pessoas que haviam morrido, sem que qualquer demônio a usasse de fato.
O ter dito a feiticeira
que via um deus subindo de dentro da terra (v. 13), refere-se ao fato de que
anjos e seres espirituais eram chamados de deuses.
Deve ser destacado também
que o fato do texto bíblico se referir à aparição chamando-a em todo o tempo de
Samuel não é uma evidência suficiente para assegurar que é uma referência ao
próprio profeta Samuel, porque nós temos no relato de Gênesis, o diabo sendo
chamado em todo o tempo de serpente, no episódio da tentação que conduziu ao
pecado original, e nós sabemos que não era propriamente o animal que estava se
comunicando com Eva, mas o diabo através dele, como outras porções das
Escrituras o esclarecem.
Aprouve ao Espírito Santo
manter o relato da revelação na perspectiva de como o assunto foi vivido na
ocasião, para demonstrar que Saul deu total crédito ao engano diabólico
pensando que realmente se tratava de Samuel, para que possamos aprender quão
fácil é ser enganado pelo Inimigo, se não usamos todos critérios da Palavra
para provar os espíritos, para saber se procedem de Deus ou não.
Saul foi enganado porque
ele cria que poderia haver uma real comunicação de pessoas que haviam morrido
com os vivos.
Por isso chegou até mesmo
a reverenciar a presença do falso Samuel, inclinando o seu rosto em terra.
A primeira fala de
Satanás a Saul passando-se por Samuel foi uma pergunta: “Por que me
inquietaste, fazendo-me subir?”. Como já comentamos anteriormente o verdadeiro
Samuel jamais perguntaria por que fora inquietado, porque não está no poder dos
feiticeiros inquietar os espíritos dos justos que se encontram no céu, e muito
menos afirmaria que o fizeram subir, porque aquele que sobe vem das
profundezas, e Samuel não se encontrava em nenhuma profundeza, mas no céu (v.
15).
Para o propósito de
enganar, o diabo sempre dirá alguma verdade, pois é isto que produz o engano,
pois dando crédito à parte verdadeira, aquele que está debaixo da sua
influência dará também crédito às suas mentiras, como se fossem verdade.
Foi a mesma técnica que
ele usou no Éden. Primeiro ele disse que Deus não havia dado acesso a Adão e a
Eva a todas as árvores do Jardim, mas logo depois afirmou que não morreriam de
modo nenhum, se viessem a comer do fruto que Deus lhes havia proibido, e eles
deram crédito a esta mentira como se fosse uma verdade, e consequentemente
tiveram o próprio Deus na conta de um mentiroso.
Então ele disse a Saul
que Deus havia se desviado dele e passou a ser seu inimigo (v. 16). E que havia
rasgado o reino da mão dele e o havia dado a Davi (v. 17), ele está dizendo uma
verdade, mas com o propósito de reacender a raiva de Saul, e fazê-lo
enfraquecido e vulnerável.
Saul já estava sendo
destruído na carne pelo diabo e quando foi à procura da feiticeira ele lhe
abriu uma porta para se comunicar diretamente com ele para produzir o efeito de
enfraquecê-lo totalmente, de modo que subisse à batalha contra os filisteus e
viesse a ser morto na mesma.
O diabo veio matar,
roubar e destruir.
E ele cumprirá sempre
este ministério quando a proteção do Senhor for retirada da vida de alguém, como
estava ocorrendo com Saul.
Nunca é demais lembrar
que isto pode ocorrer como procedendo da parte do Senhor até mesmo para a
correção de cristãos rebeldes, tal como ocorrera com o cristão incestuoso da
Igreja de Corinto (I Cor 5.1-5).
Então, aqui neste caso, o
propósito do diabo não era tanto o de dizer mentiras a Saul, mas o de
destruí-lo com tudo aquilo que doía na sua consciência, pois não podemos
esquecer que ele é o acusador, e o vemos aqui cumprindo esta sua função com
Saul.
Ele lhe disse que como
não tinha dado ouvidos à voz do Senhor, e não havia executado o furor da sua
ira contra Amaleque, por isso Deus lhe havia feito o que estava fazendo naquele
dia, isto é, entregando-o na mão dos filisteus.
Não somente a ele como
também a Israel (v.19). Isto foi dito com o propósito de Saul subir à peleja já
se sentindo derrotado. E a pá de cal do diabo foi jogada sobre ele com uma meia
verdade pois lhe disse como se fora Samuel que no dia seguinte Saul estaria com
seus filhos juntamente com ele.
Se era verdade que Saul
morreria, no entanto não era verdade que ele estaria com Samuel, pois tudo nos
leva a crer, pelo tudo o que ele foi e viveu, que se tratava de um homem
irregenerado que não conhecia de fato ao Senhor, e portanto não poderia ser
reunido a Samuel no céu.
Quanto ao ter sido
prognosticada a morte de Saul, devemos lembrar do caso da morte do rei Acabe
que ele foi persuadido por um espírito maligno, ao qual foi revelado por Deus
que a batalha em que ele deveria morrer (I Rs 22.19-23).
É bem provável que
tivesse também sido revelado por Deus ao espírito maligno que enganou Saul, que
ele morreria naquela batalha contra os filisteus.
Mas o grande e final
argumento contra a possibilidade de ter sido realmente Samuel que apareceu a
Saul reside no fato de que se Deus se recusava a falar com Saul por todos os
meios e modos como Ele lhe faria através de Samuel exatamente pelo atendimento
da invocação de uma necromante?
Ao contrário, foi
permitido por Deus a Satanás ter o seu último engano sobre Saul, enquanto ainda
ele estava neste mundo, porque Saul se determinara durante toda a sua vida a
dar ouvido ao diabo e não ao Senhor.
Então ele sairá deste
mundo dialogando com aquele que havia procurado por toda a sua vida, e não com
Aquele ao qual ele havia virado as suas costas.
E tal foi a influência
maligna sobre Saul, que se entregou imediatamente à ideia de suicídio.
Ele havia perdido o
apetite por causa do grande temor dos filisteus que havia invadido o seu
coração.
Agora ele cai prostrado
totalmente sem forças e disposto a morrer por uma greve de fome, em vez de
morrer com honra no campo de batalha.
E não deu continuidade ao
seu plano porque foi dissuadido pela própria feiticeira e pelos seus servos que
o acompanhavam (v. 21-25).
É quase certo que a
feiticeira na agiu por benevolência, mas simplesmente para se livrar de futuros
problemas, por não ter como justificar que o rei havia morrido de inanição em
sua casa.
O diabo agiu com Saul do
mesmo modo como agiu com Judas. Primeiro ele fez com que Judas fizesse todo o
mal que ele fez, e que culminou com a traição de Jesus, e depois ele o conduziu
ao suicídio.
Geralmente é este o modo
pelo qual ele age com aqueles que lhes são entregues para a destruição da
carne.
“1 Naqueles dias
ajuntaram os filisteus os seus exércitos para a guerra, para pelejarem contra
Israel. Disse Áquis a Davi: Sabe de certo que sairás comigo ao arraial, tu e os
teus homens.
2 Respondeu Davi a Áquis:
Assim saberás o que o teu servo há de fazer. E disse Áquis a Davi: Por isso te
farei para sempre guarda da minha pessoa.
3 Ora, Samuel já havia
morrido, e todo o Israel o tinha chorado, e o tinha sepultado em Ramá, que era a sua cidade. E Saul tinha
desterrado os necromantes e os adivinhos.
4 Ajuntando-se, pois, os
filisteus, vieram acampar-se em Suném; Saul ajuntou também todo o Israel, e se
acamparam em Gilboa.
5 Vendo Saul o arraial
dos filisteus, temeu e estremeceu muito o seu coração.
6 Pelo que consultou Saul
ao Senhor, porém o Senhor não lhe respondeu, nem por sonhos, nem por Urim, nem
por profetas.
7 Então disse Saul aos
seus servos: Buscai-me uma necromante, para que eu vá a ela e a consulte.
Disseram-lhe os seus servos: Eis que em En-Dor há uma mulher que é necromante.
8 Então Saul se
disfarçou, vestindo outros trajes; e foi ele com dois homens, e chegaram de
noite à casa da mulher. Disse-lhe Saul: Peço-te que me adivinhes pela
necromancia, e me faças subir aquele que eu te disser.
9 A mulher lhe respondeu:
Tu bem sabes o que Saul fez, como exterminou da terra os necromantes e os
adivinhos; por que, então, me armas um laço à minha vida, para me fazeres
morrer?
10 Saul, porém, lhe jurou
pelo Senhor, dizendo: Como vive o Senhor, nenhum castigo te sobrevirá por isso.
11 A mulher então lhe
perguntou: Quem te farei subir? Respondeu ele: Faze-me subir Samuel.
12 Vendo, pois, a mulher
a Samuel, gritou em alta voz, e falou a Saul, dizendo: Por que me enganaste?
pois tu mesmo és Saul.
13 Ao que o rei lhe
disse: Não temas; que é que vês? Então a mulher respondeu a Saul: Vejo um deus
que vem subindo de dentro da terra.
14 Perguntou-lhe ele:
Como é a sua figura? E disse ela: Vem subindo um ancião, e está envolto numa
capa. Entendendo Saul que era Samuel, inclinou-se com o rosto em terra, e lhe
fez reverência.
15 Samuel disse a Saul: Por
que me inquietaste, fazendo-me subir? Então disse Saul: Estou muito angustiado,
porque os filisteus guerreiam contra mim, e Deus se tem desviado de mim, e já
não me responde, nem por intermédio dos profetas nem por sonhos; por isso te
chamei, para que me faças saber o que hei de fazer.
16 Então disse Samuel:
Por que, pois, me perguntas a mim, visto que o Senhor se tem desviado de ti, e
se tem feito teu inimigo?
17 O Senhor te fez como
por meu intermédio te disse; pois o Senhor rasgou o reino da tua mão, e o deu
ao teu próximo, a Davi.
18 Porquanto não deste
ouvidos à voz do Senhor, e não executaste o furor da sua ira contra Amaleque,
por isso o Senhor te fez hoje isto.
19 E o Senhor entregará
também a Israel contigo na mão dos filisteus. Amanhã tu e teus filhos estareis
comigo, e o Senhor entregará o arraial de Israel na mão dos filisteus.
20 Imediatamente Saul
caiu estendido por terra, tomado de grande medo por causa das palavras de
Samuel; e não houve força nele, porque nada havia comido todo aquele dia e toda
aquela noite.
21 Então a mulher se
aproximou de Saul e, vendo que estava tão perturbado, disse-lhe: Eis que a tua
serva deu ouvidos à tua voz; e arriscando a minha vida atendi às palavras que
me falaste.
22 Agora, pois, ouve
também tu as palavras da tua serva, e permite que eu ponha um bocado de pão
diante de ti; come, para que tenhas forças quando te puseres a caminho.
23 Ele, porém, recusou,
dizendo: Não comerei. Mas os seus servos e a mulher o constrangeram, e ele deu
ouvidos à sua voz; e levantando-se do chão, sentou-se na cama.
24 Ora, a mulher tinha em
casa um bezerro cevado; apressou-se, pois, e o degolou; também tomou farinha, e
a amassou, e a cozeu em bolos ázimos.
25 Então pôs tudo diante
de Saul e de seus servos; e eles comeram. Depois levantaram-se e partiram
naquela mesma noite.” (I Sm 28.1-25)
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