Quando Saul foi poupado
por Davi na caverna, na ocasião que lhe cortou a orla da sua veste,
prometeu-lhe que não mais o perseguiria, mas nós o encontramos aqui, no 26º
capítulo de I Samuel, de novo em perseguição a ele, pois foi incitado pelos
zifeus a fazê-lo, uma vez que estes vieram lhe denunciar o local em que Davi se
encontrava.
E caindo à noite um
profundo sono que vinha da parte do Senhor, sobre Saul e seus homens, Davi
desceu ao local onde estavam acampados e pegou a lança e a bilha d'água de
Saul, que estava à sua cabeceira e os carregou consigo (v. 12).
Mas antes, Abisai, irmão
de Joabe, que o acompanhava, pediu-lhe que o deixasse encravar a lança em Saul
de um só golpe, porque aquilo, segundo ele, só poderia ser obra de Deus,
entregando Saul nas mãos de Davi.
Mas este sabiamente o
dissuadiu a não se deixar levar pelas aparências e circunstâncias, mas pela
verdade da Palavra, pois a nenhum israelita era dado por Deus agir contra
aqueles que Ele havia constituído como autoridade sobre eles, e ficar sem
culpa.
Então Davi concluiu
também sabiamente que o modo de Saul morrer não seria pelas suas mãos ou a de
quaisquer dos homens que haviam se juntado a ele, mas isto seria feito por uma
obra direta da parte de Deus, como foi o caso de Nabal, ou então Saul morreria
de morte natural, ou ainda em campo de batalha contra os inimigos de Israel.
Ele viria a morrer desta
última forma citada, e a grande lição que aprendemos com Davi, em resumo, neste
aspecto particular, é que o modo de morrer de qualquer pessoa permanece debaixo
da exclusiva autoridade de Deus, e não é dado ao homem, que não esteja
investido de autoridade para tal, e amparado pela lei, decidir sobre quem deve
ou não morrer, ou o modo pelo qual deve morrer.
O profundo sono que o
Senhor trouxe sobre os homens do acampamento onde se encontrava Saul, não foi
para lhe facilitar as coisas para matá-lo, mas para livrar o próprio Davi de
ser surpreendido por eles, e também para colocá-lo à prova quanto ao fato de se
obedeceria à Sua vontade ou se agiria seguindo qualquer impulso vingativo de
sua própria natureza.
São muitas as situações
em que os verdadeiros servos de Deus são colocados à prova, para que se veja se
amarão os seus inimigos ou se procurarão se vingar deles quando têm
oportunidade para fazê-lo.
Bem irá àquele que não se
vingar, porque este não é um mandamento exclusivo da Nova Aliança, pois nós o
vemos também no Antigo Testamento:
“Não te vingarás nem
guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti
mesmo. Eu sou o Senhor.” (Lev 19.18).
“Não vos vingueis a vós
mesmos, amados, mas dai lugar à ira de Deus, porque está escrito: Minha é a
vingança, eu retribuirei, diz o Senhor.” (Rm 12.19).
Temos portanto esta ordem
de não nos vingarmos, da parte do Senhor, e como poderíamos agradá-lO, não
dando o devido acatamento à Sua Palavra.
Davi decidiu então não
seguir a palavra do homem (Abisai) e nem seguir qualquer instinto vingativo em
sua própria natureza, mas obedecer à Palavra de Deus.
E é esta a fórmula da
verdadeira prosperidade.
Em face da benignidade de
Davi demonstrada a ele, o próprio Saul como que profetizou acerca dele:
“Bendito sejas tu, meu filho Davi, pois grandes coisas farás e também
certamente prevalecerás.” (v. 25).
Nós podemos inferir das
palavras do verso 19, que Saul saiu em perseguição a Davi, desta vez mais pela
incitação dos zifeus e dos homens que estavam com ele, do que pela sua própria
iniciativa, e por isso Davi impôs um anátema sobre aqueles que estavam
incitando Saul a persegui-lo.
O reino das trevas sempre
agirá deste modo, pois quando Satanás perde um instrumento de perseguição, ele
tentará reavivá-la em outros.
Por isso o cristão deve
saber que a sua luta não é contra carne e sangue, para que não pense que ao se
apaziguar com alguns de seus inimigos, que a intensidade da perseguição será
abrandada, pois isto não se encontra na esfera de iniciativa dos homens, mas do
diabo e dos demônios, que se levantam contra os servos de Deus, ainda que os
poderes das trevas estejam também debaixo da autoridade do Senhor, não lhes
sendo permitido atuar contra os santos senão naquilo que lhes for permitido por
Deus.
É provável que o Salmo 54
tenha sido escrito por Davi nesta ocasião pois ele reconheceu na perseguição
dos zifeus uma tentativa do diabo em afastá-lo dos termos de Israel, da
presença do Senhor, para que indo buscar refúgio em terras estrangeiras viesse
a ter que adorar por força das circunstâncias, os falsos deuses que eles
adoravam, de modo que não fosse acusado de ingratidão da sua acolhida, pela
recusa de prestar homenagens aos seus deuses.
É sob esta perspectiva
que nós podemos entender o significado das palavras que ele proferiu no verso
19: “Se é o Senhor quem te incita contra mim, receba ele uma oferta; se, porém,
são os filhos dos homens, malditos sejam perante o Senhor, pois eles me
expulsaram hoje para que eu não tenha parte na herança do Senhor, dizendo: Vai,
serve a outros deuses.”.
Como não era certamente o
Senhor quem estava incitando aquela perseguição, então esta somente poderia
estar sendo movida pelos seus inimigos.
As duras perseguições que
Davi sofreu por ser servo de Deus permanecem sendo uma verdade para as
perseguições do diabo à Igreja de Cristo na dispensação da graça. E nós vemos
isto de um modo muito vivo e claro em toda a história da Igreja, especialmente
na história dos mártires do cristianismo, na qual se incluem os próprios
apóstolos. Mas eles tudo sofreram por buscarem a salvação dos seus inimigos, e
nos é ordenado a seguir os seus passos, no exemplo que eles nos deixaram do seu
amor e paciência debaixo das perseguições que tiveram que sofrer.
“Não temas o que hás de
padecer. Eis que o Diabo está para lançar alguns de vós na prisão, para que
sejais provados; e tereis uma tribulação de dez dias. Sê fiel até a morte, e
dar-te-ei a coroa da vida.” (*Apo 2.10).
Quantas lutas os cristãos
fiéis não têm que enfrentar por causa do seu testemunho e amor a Cristo?
Quantas dores de parto
eles não sofrem para gerarem novos filhos de Deus? Pessoas que sejam geradas em
Cristo como novas criaturas.
Quantos não clamaram pelo
Espírito Santo que os movia segundo o coração de Deus como um dos antigos
reformadores: “Oh Deus! Dá-me filhos ou então eu morro!”. Este anelo, este
intenso desejo de ser efetivamente instrumento nas mãos de Deus para a
conversão de outros é o desejo legítimo inspirado pelo céu no coração de todo
aquele que está sendo de fato movido pelo Espírito Santo.
“1 Ora, vieram os zifeus
a Saul, a Gibeá, dizendo: Não está Davi se escondendo no outeiro de Haquilá,
defronte de Jesimom?
2 Então Saul se levantou,
e desceu ao deserto de Zife, levando consigo três mil homens escolhidos de
Israel, para buscar a Davi no deserto de Zife.
3 E acampou-se Saul no
outeiro de Haquilá, defronte de Jesimom, junto ao caminho; porém Davi ficou no
deserto, e percebendo que Saul vinha após ele ao deserto,
4 enviou espias, e
certificou-se de que Saul tinha chegado.
5 Então Davi levantou-se
e foi ao lugar onde Saul se tinha acampado; viu Davi o lugar onde se deitavam
Saul e Abner, filho de Ner, chefe do seu exército. E Saul estava deitado dentro
do acampamento, e o povo estava acampado ao redor dele.
6 Então Davi,
dirigindo-se a Aimeleque, o heteu, e a Abisai, filho de Zeruia, irmão de Joabe,
perguntou: Quem descerá comigo a Saul, ao arraial? Respondeu Abisai: Eu
descerei contigo.
7 Foram, pois, Davi e
Abisai de noite ao povo; e eis que Saul estava deitado, dormindo dentro do
acampamento, e a sua lança estava pregada na terra à sua cabeceira; e Abner e o
povo estavam deitados ao redor dele.
8 Então disse Abisai a
Davi: Deus te entregou hoje nas mãos o teu inimigo; deixa-me, pois, agora
encravá-lo na terra, com a lança, de um só golpe; não o ferirei segunda vez.
9 Mas Davi respondeu a
Abisai: Não o mates; pois quem pode estender a mão contra o ungido do Senhor, e
ficar inocente?
10 Disse mais Davi: Como
vive o Senhor, ou o Senhor o ferirá, ou chegará o seu dia e morrerá, ou descerá
para a batalha e perecerá;
11 o Senhor, porém, me
guarde de que eu estenda a mão contra o ungido do Senhor. Agora, pois, toma a
lança que está à sua cabeceira, e a bilha d'água, e vamo-nos.
12 Tomou, pois, Davi a
lança e a bilha d'água da cabeceira de Saul, e eles se foram. Ninguém houve que
o visse, nem que o soubesse, nem que acordasse; porque todos estavam dormindo,
pois da parte do Senhor havia caído sobre eles um profundo sono.
13 Então Davi, passando à
outra banda, pôs-se no cume do monte, ao longe, de maneira que havia grande
distância entre eles.
14 E Davi bradou ao povo,
e a Abner, filho de Ner, dizendo: Não responderás, Abner? Então Abner respondeu
e disse: Quem és tu, que bradas ao rei?
15 Ao que disse Davi a
Abner: Não és tu um homem? e quem há em Israel como tu? Por que, então, não
guardaste o rei, teu senhor? porque um do povo veio para destruir o rei, teu
senhor.
16 Não é bom isso que
fizeste. Vive o Senhor, que sois dignos de morte, porque não guardastes a vosso
senhor, o ungido do Senhor. Vede, pois, agora onde está a lança do rei, e a
bilha d'água que estava à sua cabeceira.
17 Saul reconheceu a voz
de Davi, e disse: Não é esta a tua voz, meu filho Davi? Respondeu Davi: E minha
voz, ó rei, meu senhor.
18 Disse mais: Por que o
meu senhor persegue tanto o seu servo? que fiz eu? e que maldade se acha na
minha mão?
19 Ouve pois agora, ó
rei, meu senhor, as palavras de teu servo: Se é o Senhor quem te incita contra
mim, receba ele uma oferta; se, porém, são os filhos dos homens, malditos sejam
perante o Senhor, pois eles me expulsaram hoje para que eu não tenha parte na
herança do Senhor, dizendo: Vai, serve a outros deuses.
20 Agora, pois, não caia
o meu sangue em terra fora da presença do Senhor; pois saiu o rei de Israel em
busca duma pulga, como quem persegue uma perdiz nos montes.
21 Então disse Saul:
Pequei; volta, meu filho Davi, pois não tornarei a fazer-te mal, porque a minha
vida foi hoje preciosa aos teus olhos. Eis que procedi como um louco, e errei
grandissimamente.
22 Davi então respondeu,
e disse: Eis aqui a lança, ó rei! venha cá um dos mancebos, e leve-a.
23 O Senhor, porém, pague
a cada um a sua justiça e a sua lealdade; pois o Senhor te entregou hoje na
minha mão, mas eu não quis estender a mão contra o ungido do Senhor.
24 E assim como foi a tua
vida hoje preciosa aos meus olhos, seja a minha vida preciosa aos olhos do
Senhor, e livre-me ele de toda a tribulação.
25 Então Saul disse a
Davi: Bendito sejas tu, meu filho Davi, pois grandes coisas farás e também
certamente prevalecerás. Então Davi se foi o seu caminho e Saul voltou para o seu
lugar.” (I Sm 26.1-25)
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