Nós vemos no sexto capitulo do livro de Jó, que depois
de ter sido acusado por Elifaz Jó se defendeu sem atribuir injustiça a Deus,
quando disse que era o próprio Deus quem estava cravando nele as Suas flechas
de aflição, em cujas pontas havia veneno para fazer definhar o espírito, pois
estava aterrorizado pelos terrores que o Senhor havia lançado contra o seu
espírito (v. 4).
Por isso a sua mágoa e calamidade eram mais pesadas
para ele do que a areia dos mares, e era por causa daquela grande e terrível
angústia que havia falado do modo temerário (precipitadamente) que levou Elifaz
a julgá-lo incorretamente, como um pecador murmurador impenitente; quando na
verdade estava dando vazão a toda a grande angústia que havia se apoderado da
sua alma.
Ele estava se queixando porque lhe foi retirado todo
o amparo e tudo aquilo em que encontrava alento e segurança.
Por isso disse, para que fosse entendido, que um
asno não zurrará enquanto tiver capim diante de si para ser alimentado, e nem o
boi mugirá enquanto houver pasto. O seu capim, se podemos assim dizer, e o seu
pasto lhe haviam sido tirados, e ele estava lamentando pela falta do que era
necessário à sua subsistência e paz de espírito.
Que sabor ele poderia achar na vida naquelas
condições? Era como uma comida sem sal ou como uma clara de ovo que não tem
qualquer sabor.
Todavia, como Deus não atendia ao clamor do seu
espírito por libertação daquela condição angustiosa, melhor seria se fosse do
Seu agrado, que o esmagasse logo e desse cabo da sua vida, para ser livrado
daquela terrível angústia que lhe parecia que somente seria agravada e não mais
teria fim. Qual seria pois, segundo Jó pensava, o proveito em que fosse
prolongada?
Se Deus desse cabo da sua vida, aquilo seria para
ele uma grande misericórdia e consolação, e poderia ter até mesmo alguma
alegria no meio de toda aquela dor, que não lhe dava tréguas, porque sabia que
compareceria em espírito aprovado diante de Deus, porque nunca havia negado as
palavras do Santo, uma vez que havia vivido em verdadeira justiça e santidade
de vida.
Ele estava convicto disto, porque a sua consciência
em nada lhe acusava, quanto era sincero o seu empenho e diligência em se
apresentar aprovado diante do Senhor, por praticar somente aquilo que Lhe era
agradável.
Jó mostrou a seus amigos, especialmente a Elifaz,
que lhe havia acusado diretamente, que não havia dolo nele, pelo simples fato
de ter derramado a sua queixa perante Deus, lamentando a sua existência por ter
sido entregue a um tão grande sofrimento.
Suas forças lhe haviam abandonado completamente.
Afinal ele não era da constituição da pedra ou do bronze, mas da fraca carne
que enferma e enfraquece.
Seu espírito havia definhado a tal ponto que não
havia nele próprio qualquer esperança para achar bom ânimo com suas próprias
forças.
Portanto, era de se esperar que este conforto e
socorro lhe viesse da parte dos seus amigos.
Contudo, o que eles estavam fazendo não poderia lhe
dar qualquer consolo, porque em vez de lhe mostrarem compaixão, estavam lhe
acusando duramente de ter pecado contra Deus.
Jó sabia por experiência, em seus aconselhamentos
que fazia, antes da sua provação, que até mesmo ao que abandona o temor do
Todo-Poderoso, deve-se mostrar compaixão (v. 14), e ele fazia isto, por
exemplo, em relação a seus filhos, enquanto viviam, pois apresentava
sacrifícios para expiação da culpa e do pecado por eles, como sacerdote de sua
casa, para que fossem perdoados por Deus, de algum pecado que pudessem ter
cometido contra Ele.
Ele confiava no valor do sangue para a expiação da
culpa e do pecado, conforme o Senhor havia ensinado a Seus servos, desde os
dias de Adão.
O que Jó fazia era portanto um ato de fé na promessa
de Deus, de que se mostraria misericordioso a todo aquele que confiasse nEle e
no meio que estabelecera para o perdão dos pecados, a saber, a apresentação de
sacrifícios que ensinavam em figura que a expiação dos nossos pecados é feita
pelo sacrifício de Jesus.
No entanto, seus amigos, a quem ele chamou de “meus
irmãos” (v. 15) haviam agido aleivosamente, como as torrentes de um rio que
passa, e que uma vez que tenham passado por nós, já não podem ser de qualquer
serventia, porque não poderemos usar estas águas que passaram.
Eles foram para ele como as caravanas que se perdiam
de seus cursos no deserto, e que não podiam mais atingir o objetivo para onde
levariam os seus víveres, porque pereceriam no deserto.
E todos aqueles que pusessem neles a sua esperança
viriam por fim a ficarem frustrados porque seriam impedidos de serem
ajudados.
Seus amigos haviam se desviado do curso, porque
vieram consolá-lo, e no entanto, estavam somente lhe acusando de pecados que
não havia cometido.
Eles haviam de fato perdido o seu rumo, e não
poderiam portanto, serem de qualquer serventia para ele, quanto a ser
consolado.
Jó não lhes havia pedido qualquer consolo, ou
presente, ou oferta dos seus bens, para suprir a sua presente carência. Nem
lhes havia pedido que o livrassem das mãos do adversário que o oprimia.
No entanto, eles estavam reprovando as palavras que
haviam sido proferidas por um desesperado na sua grande angústia.
Que grandes consoladores eles eram, para não dizer o
contrário, porque se mostravam incapazes de mostrar verdadeiramente
misericórdia pela condição terrível em que ele se encontrava.
Se houvesse um verdadeiro ensino e entendimento no
que eles falavam, Jó diz que se calaria, e aceitaria corrigir-se naquilo em que
estivesse errado (v. 24).
Mas eles diagnosticaram o seu estado meramente pelas
palavras de desabafo que havia proferido.
Não estavam portanto em condições de lhe ensinarem
nada segundo a reta justiça.
Então ele lhes rogou que mudassem de parecer para
que não continuassem naquele caminho de injustiça, porque a causa de Jó era
justa, e eles lhe haviam condenado como se fosse injusto aos olhos de Deus,
coisa que ele não era de modo algum.
Ele queria poupá-los de um possível juízo de Deus,
por estarem sendo injustos com ele, e por isso lhes rogou que mudassem de
parecer em relação a ele.
“1 Então Jó, respondendo, disse:
2 Quem dera de fato se pesasse a minha mágoa, e
juntamente na balança se pusesse a minha calamidade!
3 Pois, na verdade, seria mais pesada do que a areia
dos mares; por isso é que as minhas palavras têm sido temerárias.
4 Porque as flechas do Todo-Poderoso se cravaram em
mim, e o meu espírito suga o veneno delas; os terrores de Deus se arregimentam
contra mim.
5 Zurrará o asno montês quando tiver erva? Ou mugirá
o boi junto ao seu pasto?
6 Pode se comer sem sal o que é insípido? Ou há
gosto na clara do ovo?
7 Nessas coisas a minha alma recusa tocar, pois são
para mim qual comida repugnante.
8 Quem dera que se cumprisse o meu rogo, e que Deus
me desse o que anelo!
9 que fosse do agrado de Deus esmagar-me; que
soltasse a sua mão, e me exterminasse!
10 Isto ainda seria a minha consolação, e exultaria
na dor que não me poupa; porque não tenho negado as palavras do Santo.
11 Qual é a minha força, para que eu espere? Ou qual
é o meu fim, para que me porte com paciência?
12 É a minha força a força da pedra? Ou é de bronze
a minha carne?
13 Na verdade não há em mim socorro nenhum. Não me
desamparou todo o auxílio eficaz?
14 Ao que desfalece devia o amigo mostrar compaixão;
mesmo ao que abandona o temor do Todo-Poderoso.
15 Meus irmãos houveram-se aleivosamente, como um
ribeiro, como a torrente dos ribeiros que passam,
16 os quais se turvam com o gelo, e neles se esconde
a neve;
17 no tempo do calor vão minguando; e quando o calor
vem, desaparecem do seu lugar.
18 As caravanas se desviam do seu curso; sobem ao
deserto, e perecem.
19 As caravanas de Tema olham; os viandantes de Sabá
por eles esperam.
20 Ficam envergonhados por terem confiado; e,
chegando ali, se confundem.
21 Agora, pois, tais vos tornastes para mim; vedes a
minha calamidade e temeis.
22 Acaso disse eu: Dai-me um presente? Ou: Fazei-me
uma oferta de vossos bens?
23 Ou: Livrai-me das mãos do adversário? Ou:
Resgatai-me das mãos dos opressores ?
24 Ensinai-me, e eu me calarei; e fazei-me entender
em que errei.
25 Quão poderosas são as palavras da boa razão! Mas
que é o que a vossa arguição reprova?
26 Acaso pretendeis reprovar palavras, embora sejam
as razões do desesperado como vento?
27 Até quereis lançar sortes sobre o órfão, e fazer
mercadoria do vosso amigo.
28 Agora, pois, por favor, olhai para, mim; porque
de certo à vossa face não mentirei.
29 Mudai de parecer, peço-vos, não haja injustiça;
sim, mudai de parecer, que a minha causa é justa.
30 Há iniquidade na minha língua? Ou não poderia o
meu paladar discernir coisas perversas?” (Jó 6)
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