A narrativa do livro de
Rute pertence, como se afirma no primeiro versículo, ao período conturbado dos
Juízes.
É bem provável que os
fatos narrados tenham ocorrido logo no início do referido período, porque Boaz,
que se casou com Rute, era filho de Salmom, um dos príncipes da tribo de Judá,
que havia se casado com Raabe (Mt 1.5).
E este Salmom era filho
de Naassom, príncipe de Judá que apresentou a oferta daquela tribo no dia da
consagração do tabernáculo, nos dias de Moisés (Nm 7.12).
Boaz era portanto neto de
Naassom, e não estava assim distante no tempo dos dias de Josué, depois do qual
teve início o período dos Juízes, com Otniel, sobrinho de Calebe.
Tal era o caráter e a
honra deste Naassom e de sua família, que foi com a sua irmã, Eliseba, que Arão
casou, tendo com ela gerado a Nadabe, Abiú, Eleazar e Itamar (Êx 6.23).
E Deus mesmo indicou a
Naassom para ser príncipe dos filhos de Judá (Nm 2.3), sendo ele também o
general de todo o exército de Judá nos dias de Moisés (Nm 10,14), revelando-se com
isto que era antes de tudo um homem de fé, dado ter sido escolhido pelo próprio
Deus.
Salmom era filho deste
homem, que foi honrado de tal forma pelo próprio Deus, e se enamorou de Raabe
nos dias de Josué, depois da conquista de Jericó.
E podemos imaginar qual
era o porte e o caráter santo desta mulher, para ter sido a preferida dentre
todas as filhas de Israel, para se casar com o príncipe mais honrado, da tribo
mais honrada dentre todas de Israel, da qual procederia o Salvador do mundo.
Certamente era a mão do
Senhor que estava em tudo isto, conduzindo mentes e corações a se unirem, para
que cumprisse o Seu propósito determinado desde antes que tivesse chamado todas
as coisas à existência.
Glorificado seja pois não
o homem, mas o Senhor, Criador dos céus e da terra, que evidencia nesta e em
tantas outras coisas a beleza da Sua infinita majestade e poder.
E tendo casado com Rute,
Boaz gerou a Obede, pai de Jessé, pai de Davi (Rt 4.21,22), sendo portanto Rute
e Boaz bisavós do rei Davi.
Nós aprendemos portanto
da história do livro de Rute qual era o caráter moral, a santidade e a fé das
pessoas que foram os ancestrais do rei Davi, e podemos então entender em que
princípios de fé e de temor a Deus ele fora educado.
A Providência divina,
tendo um olho voltado para o futuro, para o Messias e Rei que deveria vir ao
mundo, fez com que fossem incluídas na Sua genealogia duas mulheres de fé,
gentias e de testemunho irretocável: Raabe, de Jericó, e Rute de Moabe.
Mostrando que a família
do Messias é uma família que é unida não pelos laços de sangue, ou mesmo da
nacionalidade, mas pelos laços da fé comum, tanto a judeus quanto a gentios.
Não foi pelos caminhos da
glória terrena que Deus trouxe o Messias ao mundo, mas pelos caminhos da
aflição e da humildade, pois para que Rute viesse a se casar com Boaz e se
converter à religião e ao Deus de Israel, ela teve que experimentar do cálice
de aflição do qual todos os que têm parte com o Messias são chamados a beber,
na participação dos Seus sofrimentos e conformação com a Sua morte (Fp 3.10).
Por isso o caminho
trilhado até à posição determinada para Rute por Deus, passou primeiro pela
estrada da aflição e da humilhação, que ela experimentou inicialmente em sua
própria terra natal, com a perda de seu marido, e da dor que compartilhou e
dividiu com sua sogra Noemi, que perdeu em Moabe dois filhos e o marido, tendo
ficado só, com suas duas noras, das quais, uma ficou em Moabe servindo aos seus
deuses, e a outra, Rute decidiu com as belas palavras que até hoje fazem eco do
símbolo da fidelidade tanto a Deus quanto àqueles que O amam, não somente na
prosperidade, mas também na adversidade:
“Respondeu, porém, Rute:
Não me instes a que te abandone e deixe de seguir-te. Porque aonde quer que tu
fores, irei eu; e onde quer que pousares, ali pousarei eu; o teu povo será o
meu povo, o teu Deus será o meu Deus. Onde quer que morreres, morrerei eu, e
ali serei sepultada. Assim me faça o Senhor, e outro tanto, se outra coisa que
não seja a morte me separar de ti.” (1.16,17).
Quando havia escassez de
alimento em Israel, Noemi, seu marido e dois filhos partiram de Belém, que no
original é Beith-Lehem, significando
casa do pão, e não havia pão certamente como uma forma de juízo do Senhor contra
a idolatria dos israelitas, que como vimos, era comum em Israel nos dias dos
Juízes, e com isto, Deus estava fazendo valer as ameaças de maldições previstas
na Lei, como forma de convencer o povo do seu pecado, e conduzi-lo ao
arrependimento.
O fato de ter sido
escolhida uma família de Belém, para que através dela, uma mulher gentia de
Moabe, mas cheia da verdadeira fé no
Senhor, retornasse de lá para Belém, onde nasceria no futuro o Messias, não foi
por puro acaso, mas o cumprimento do que Deus havia determinado em Sua
Soberania.
E esta mulher de fé viria
não casada com um dos israelitas que partiram para Moabe e que lá se casou com
ela, mas viria como viúva, para casar com outro homem de fé e piedoso, de modo
a formar mais um casal de pessoas de fé, participantes da genealogia do Messias,
de modo a que se registrasse que a família de Deus, que é formada pelo Messias,
é composta somente por pessoas de fé, tal como aquelas que o Senhor, em Sua
providência, incluiu na genealogia de Jesus.
Isto não é maravilhoso
aos nossos olhos?
Ainda que tenha sido uma
perplexidade para Noemi, que julgou que a perda do marido e dos filhos em Moabe
fosse uma forma de visitação dos juízos de Deus sobre ela, de modo que ao
retornar pediu que não fosse mais chamada de Noemi, que no hebraico significa,
agraciada, agradável, mas sim de Mara, que significa amargurada, como forma de
declaração da amargura e aflição que haviam invadido a sua alma, pela sua
consideração de que a mão do Senhor havia se abatido sobre a sua vida,
tornando-a uma pessoa desventurada.
E mal sabia ela, que o
seu testemunho de vida reta havia convertido de tal maneira a Rute, que ela
veio a se tornar para ela como uma verdadeira mãe, que recusou abandoná-la, bem
como ao Deus que Noemi servia.
Assim, na verdade, Deus
estava dando uma alta honra a Noemi, permitindo que o seu nome fosse lembrado perpetuamente, por incluí-la na
narrativa bíblica, como aquela cujo testemunho trouxe para Israel uma mulher
gentia que Deus havia determinado incluir na genealogia de Seu filho amado.
Com isto, ela estava
sendo mais do que agraciada, e bem fazia jus ao nome que lhe fora dado.
Tendo vivido cerca de dez
anos em Moabe (v.4), e já sem marido e os dois filhos, Noemi decidiu retornar a
Judá porque ouviu em Moabe que o Senhor havia se tornado de novo favorável à
terra de Israel, provendo-a de pão (v.6).
Isto demonstra que apesar
de estar em Moabe, o coração de Noemi estava em Israel, principalmente porque o
culto a falsos deuses daquela terra devia pesar muito no seu espírito piedoso e
temente, ao único e verdadeiro Deus.
Isto demonstra que a
emigração que fizera com sua família no início indo para Moabe, não tinha por
alvo deixar Israel e o Deus de Israel e se fixar numa terra estranha, mas
senão, como Abraão fizera no passado, simplesmente buscar condições de
sobrevivência, enquanto perdurasse a fome em Israel, motivada pelos juízos de
Deus contra a idolatria do Seu povo.
Isto nos ensina que a
necessidade pode nos conduzir a lugares ruins onde as pessoas não tenham o
temor de Deus, como conviver com parentes não cristãos e que nos persigam por
causa do nosso amor ao Senhor, mas nós não temos nenhum motivo para permanecer
debaixo desta condição ruim que tivemos que suportar por motivo de
necessidade, quando as coisas melhoram.
O cristão é um cidadão do
céu, e assim, por melhores que sejam as condições e os lugares deste mundo,
eles haverão de se tornar melancólicos para nós, com as perdas e experiências
tristes que temos nesta vida, tal como a terra de Moabe se tornou para Noemi
com a morte de seu marido e filhos, e criando nela o desejo de retornar ao seu
povo de Israel; e de igual modo, as tristezas que temos neste mundo ajudam no
propósito de Deus de nos levar a aspirar pela nossa verdadeira pátria, o céu.
Os dissabores desta vida
são modos usados pelo Senhor para nos
atrair àquele lugar onde já não há mais morte, nem tristeza, nem dor.
Afinal Noemi é cidadã de
Israel e não de Moabe, uma terra estranha para ela.
E o cristão é cidadão do
céu, e não é deste mundo, que é uma terra estranha para ele, na qual está
apenas em peregrinação rumo à pátria celestial, onde todos da família de Deus,
seus verdadeiros parentes, aguardam por ele com grande expectativa e alegria.
Noemi tentou dissuadir
suas noras de seguirem juntamente com ela para Israel, para evitar que viessem
a passar necessidades, porque a propriedade de seu marido não poderia ser
resgatada para que elas nela morassem, reavendo-a de volta de seus atuais
proprietários, porque não tinha lembrança de que houvesse algum parente próximo
que estivesse disposto a fazê-lo por ela, e ela não tinha mais condição em sua
idade, de se casar ou de gerar filhos com algum
parente próximo, para que através deles, pela lei do levirato, voltasse
a ter direito à sua herança nos territórios de Israel.
Mas ela não sabia o que
Deus estava preparando, um caminho
totalmente diferente de tudo que ela pudesse imaginar, porque Ele faz
infinitamente mais do que tudo o que pensamos ou pedimos (Ef 3.20).
Uma de suas noras, Órfa,
ao pesar as aflições que lhe aguardavam numa terra estranha voltou atrás no seu
desejo de acompanhar Noemi (v. 15), mas Rute estava apegada a ela por obra do
Espírito de Deus e não a deixaria de modo algum.
Assim são aqueles que são
nascidos de novo do Espírito: eles jamais deixarão de seguir a Jesus Cristo, e
mesmo que venham a cair da Sua presença, jamais cairão de uma forma definitiva,
porque pela fé, passaram a formar um só espírito com Ele.
Noemi julgava por sua
condição que estava debaixo da vara da correção de Deus, que o Senhor estava
contrariado com ela, e lhe havia escolhido para ser objeto dos Seus juízos,
porque lhe tirara o marido e filhos, deixando-a numa terra estranha, e sem
posses em sua própria terra natal, de onde havia partido para Moabe, sem saber
que passaria por toda aquela aflição que a havia alcançado.
E tal foi o impacto da
aflição na vida de Noemi que ao chegar em Belém com Rute, vinda de Moabe, as
pessoas da cidade se comoveram com o estado delas, e as mulheres ficaram
perplexas quanto a Noemi, que estava muito diferente da pessoa que havia
partido para Moabe.
As aflições fazem grandes
e surpreendentes mudanças num pequeno espaço de tempo.
Nós temos visto como a
doença e a velhice alteram as pessoas, mudam o semblante delas e o seu
temperamento. Por isso Noemi, que significa agradável, pediu que a chamassem de
Mara, porque tinha agora um espírito triste.
É preciso pois considerar
que há aflições temporárias que não chegam a operar toda esta transformação que
foi operada em Noemi, mas pode haver um tempo em que Deus permitirá e nos
chamará a experimentar provas que transformarão profundamente o nosso caráter,
gerando sobriedade, seriedade, consideração adequada dos problemas e realidades
da vida, e muitas outras coisas que nos tornarão muito diferentes das pessoas
que éramos antes de ter passado pelos vales de aflição profundos e contínuos,
que nos farão valorizar o céu e perceber quão passageiras são todas as coisas
deste mundo, incluída aí a nossa própria constituição física.
A plenitude das coisas
terrenas passará um dia, por maior que possa ser o tempo que nos seja concedido
para participarmos dela. Mas a plenitude espiritual em Cristo jamais passará.
Ao contrário ela se renova e cresce a cada dia e adentra pela eternidade afora.
“e os que usam deste
mundo, como se dele não usassem em absoluto, porque a aparência deste mundo
passa.” (I Cor 7.31).
“Por isso não desfalecemos; mas ainda que o
nosso homem exterior se esteja consumindo, o interior, contudo, se renova de
dia em dia.” (II Cor 4.16).
Não é incomum que muitas vezes,
muitos cristãos confundam as aflições pelas quais passarão inevitavelmente
neste mundo, como falta de amor e de cuidado de Deus por eles, quando na
verdade não é necessariamente o caso. Por isso Jesus nos alertou sobre as
aflições que teríamos no mundo, a par de toda a nossa fidelidade a Ele e agrado
de Deus em relação às nossas vidas.
Mas Rute não levou em
conta nada disto e manteve a sua decisão de fazer do Deus de Noemi o seu Deus,
e do povo dela o seu próprio povo.
E nisto fez a única coisa
necessária da qual Jesus falou em seu diálogo com Marta. Ela fez a grande,
melhor e sábia decisão que lhe daria a sua alma como despojo, na salvação que
obteve pela fé.
As dificuldades que
poderia enfrentar em Israel não poderiam separá-la do amor do Deus verdadeiro
que ela havia conhecido.
Ofra, tendo escolhido
evitar as dificuldades e permanecer com seus deuses em sua própria terra fez
uma péssima escolha, apesar de para a carne e o mundo, parecer ter sido uma
melhor decisão do que a de Rute.
Felizes são todos aqueles
que decidem seguir a Deus independentemente das circunstâncias difíceis que
terão que enfrentar por servi-lo, na sua luta contra os principados e
potestades, e nas provações de fé que o Senhor certamente lhes submeterá,
porque no fim, em sua perseverança, eles conquistarão o céu de glória.
“1 Nos dias em que os
juízes governavam, houve uma fome na terra; pelo que um homem de Belém de Judá
saiu a peregrinar no país de Moabe, ele, sua mulher, e seus dois filhos.
2 Chamava-se este homem
Elimeleque, e sua mulher Noemi, e seus dois filhos se chamavam Malom e Quiliom;
eram efrateus, de Belém de Judá. Tendo entrado no país de Moabe, ficaram ali.
3 E morreu Elimeleque,
marido de Noemi; e ficou ela com os seus dois filhos,
4 os quais se casaram com
mulheres moabitas; uma destas se chamava Orfa, e a outra Rute; e moraram ali
quase dez anos.
5 E morreram também os
dois, Malom e Quiliom, ficando assim a mulher desamparada de seus dois filhos e
de seu marido.
6 Então se levantou ela
com as suas noras, para voltar do país de Moabe, porquanto nessa terra tinha
ouvido que o Senhor havia visitado o seu povo, dando-lhe pão.
7 Pelo que saiu do lugar
onde estava, e com ela as duas noras. Indo elas caminhando para voltarem para a
terra de Judá,
8 disse Noemi às suas
noras: Ide, voltai, cada uma para a casa de sua mãe; e o Senhor use convosco de
benevolência, como vós o fizestes com os falecidos e comigo.
9 O Senhor vos dê que
acheis descanso cada uma em casa de seu marido. Quando as beijou, porém,
levantaram a voz e choraram.
10 E disseram-lhe:
Certamente voltaremos contigo para o teu povo.
11 Noemi, porém,
respondeu: Voltai, minhas filhas; porque ireis comigo? Tenho eu ainda filhos no
meu ventre, para que vos viessem a ser maridos?
12 Voltai, filhas minhas;
ide-vos, porque já sou velha demais para me casar. Ainda quando eu dissesse:
Tenho esperança; ainda que esta noite tivesse marido e ainda viesse a ter
filhos,
13 esperá-los-íeis até
que viessem a ser grandes? deter-vos-íeis por eles, sem tomardes marido? Não,
filhas minhas, porque mais amargo me é a mim do que a vós mesmas; porquanto a
mão do Senhor se descarregou contra mim.
14 Então levantaram a
voz, e tornaram a chorar; e Orfa beijou a sua sogra, porém Rute se apegou a
ela.
15 Pelo que disse Noemi:
Eis que tua concunhada voltou para o seu povo e para os seus deuses; volta
também tu após a tua concunhada.
16 Respondeu, porém,
Rute: Não me instes a que te abandone e deixe de seguir-te. Porque aonde quer
que tu fores, irei eu; e onde quer que pousares, ali pousarei eu; o teu povo
será o meu povo, o teu Deus será o meu Deus.
17 Onde quer que
morreres, morrerei eu, e ali serei sepultada. Assim me faça o Senhor, e outro
tanto, se outra coisa que não seja a morte me separar de ti.
18 Vendo Noemi que de
todo estava resolvida a ir com ela, deixou de lhe falar nisso.
19 Assim, pois, foram-se
ambas, até que chegaram a Belém. E sucedeu que, ao entrarem em Belém, toda a
cidade se comoveu por causa delas, e as mulheres perguntavam: É esta,
porventura, Noemi?
20 Ela, porém, lhes
respondeu: Não me chameis Noemi; chamai-me Mara, porque o Todo-Poderoso me
encheu de amargura.
21 Cheia parti, porém
vazia o Senhor me fez tornar. Por que, pois, me chamais Noemi, visto que o
Senhor testemunhou contra mim, e o Todo-Poderoso me afligiu?
22 Assim Noemi voltou, e
com ela Rute, a moabita, sua nora, que veio do país de Moabe; e chegaram a
Belém no principio da sega da cevada.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário