Maior do que o sofrimento físico e pelas perdas que
havia sentido, foi o que Jó sentiu pela grande pressão que os seus amigos
faziam sobre a sua alma.
Quando estamos em grande estado de fraqueza,
angústia, dor, aflição, não queremos ouvir conselhos funestos, mas alguém que
se coloque ao nosso lado e levante um clamor a Deus em nosso favor para que nos
dê alívio.
É o que todo bom médico procura fazer: aliviar as
dores de seus pacientes, e não aumentá-las.
Que médicos de almas eram aqueles amigos de Jó, que
só faziam aumentar o seu sofrimento, e que não recuavam diante da constatação
do efeito das suas palavras sobre ele?
Eles queriam justificar a Deus condenando o seu
servo justo e íntegro.
Não estavam muito distantes dos principais
sacerdotes e anciãos de Israel, que tentaram justificar a Deus e a Lei de
Moisés, levando Jesus a morrer na cruz.
Não podemos ser aprovados por Deus condenando
inocentes, e era justamente isto que estavam fazendo os amigos de Jó.
Mais do que justificar a Deus, os amigos de Jó
queriam exibir a grande sabedoria da qual julgavam estarem dotados.
Pavões exibicionistas diante da dor alheia. É algo
para ser não apenas temido, mas evitado.
Todavia, quantos destes pavões não são encontrados
nas próprias igrejas, exibindo conhecimento teológico enquanto matam almas
inocentes, com a sua incapacidade de sintonizarem com a dor alheia.
Que ao menos ficassem calados diante de tais
sofrimentos, como Jó apelou insistentemente a seus amigos que o fizessem.
Todavia não lhe deram ouvido e continuaram em sua
obstinação, fustigando a sua alma justa, conforme vemos neste 15º capítulo, tentando
convencê-lo de que a causa do seu sofrimento era falta de temor e de reverência
para com Deus. Principalmente por insistir em afirmar que era justo perante
Ele.
Como eles não admitiam que tais sofrimentos não
podiam acometer uma alma justa, então concluíram que a causa da aflição de Jó
era a iniquidade do seu coração.
Não são poucos os teólogos, especialmente os da confissão
positiva e da teologia da prosperidade, que advogam a mesma posição errada dos
amigos de Jó.
Eles afirmam que se alguém está sofrendo é por causa
do pecado que tenha praticado, ou então por causa da falta de fé para
repreender o mal.
Que modo mais simplista e errado de se definir a
vida!
Isto não pode ser aplicado como uma regra absoluta,
porque se há de fato, sofrimento que é causado por causa de pecados praticados
e também pela incredulidade, não se pode, no entanto, diagnosticar todo tipo de
sofrimento por esta mera regra estreita.
Como se encaixam nesta regra as seguintes afirmações
bíblicas, dentre outras:
“confirmando as almas dos discípulos, exortando-os a
perseverarem na fé, dizendo que por muitas tribulações nos é necessário entrar
no reino de Deus.” (At 14.22)
“E na verdade todos os que querem viver piamente em
Cristo Jesus padecerão perseguições.” (II Tim 3.12)
“Antes em tudo recomendando-nos como ministros de
Deus; em muita perseverança, em aflições, em necessidades, em angústias,” (II Cor 6.4)
“Agora me regozijo no meio dos meus sofrimentos por
vós, e cumpro na minha carne o que resta das aflições de Cristo, por amor do
seu corpo, que é a igreja;” (Col 1.24)
“mas regozijai-vos por serdes participantes das
aflições de Cristo; para que também na revelação da sua glória vos regozijeis e
exulteis.” (I Pe 4.13)
“Tenho-vos dito estas coisas, para que em mim
tenhais paz. No mundo tereis aflições; mas tende bom ânimo, eu venci o mundo.”
(Jo 16.33)
“pois vos foi concedido, por amor de Cristo, não
somente o crer nele, mas também o padecer por ele,” (Fp 1.29)
Todas estas afirmações bíblicas relativas aos
sofrimentos dos justos não poderiam ser entendidas pelos amigos de Jó, se
fossem lidas para eles, porque se justificariam como fazem os teólogos da
confissão positiva e da prosperidade material, porque não se darão por
convencidos até que sejam humilhados por Deus, tal como o Senhor fizera com os
amigos de Jó, lhes declarando que os mataria caso Jó não intercedesse em favor
deles, e também por conceder a Jó uma vida próspera em dobro, em relação a tudo
o que tinha antes de ter sido afligido.
A história não tinha acabado.
Havia ainda capítulos para serem contados, mas como
isto foi encoberto por Deus aos amigos de Jó, eles prosseguiram em suas ousadas
asseverações, conforme as que vemos nas palavras de Elifaz neste 15º capítulo,
que continuou teimosamente justificando a Deus, quando Ele não necessita de
nenhum justificador, e o pior de tudo, fazendo-o, por condenar a Jó.
Diferentemente de Jó, aqueles homens se julgavam
justos a seus próprios olhos, tal como os fariseus e escribas dos dias de
Jesus, simplesmente por entenderem que possuíam um conhecimento elevado acerca
de Deus.
Como se julgavam retos por causa deste conhecimento,
então eram ímpios todos aqueles, que segundo eles, lhes faltava tal
conhecimento, e nisto incluíram o próprio Jó.
Eles definiram o ímpio por esta medida particular
que eles haviam criado em suas próprias imaginações, sem que tivessem recebido
qualquer revelação específica da parte de Deus.
Então, estes ímpios jamais poderiam ter paz tal como
eles, e jamais poderiam esperar algo diferente de uma condenação inapelável.
Veja, que tal como os escribas e fariseus, haviam
esquecido, ou não conheciam, os aspectos mais importantes da teologia, que são
a justiça, a fé e a misericórdia.
Eles faziam umas poucas coisas que consideravam
justas e como sendo toda a vontade de Deus, e se julgavam portanto, aprovados.
Eles não conseguiam enxergar que por maiores e
melhores que sejam as obras dos homens, eles permanecem condenados diante de
Deus, sendo salvos exclusivamente por Sua graça e misericórdia, pelo simples fé
no ato da justiça que nos tem oferecido em Jesus Cristo.
Somos justificados pela justiça de um Outro, a
saber: Cristo.
Somos vestidos com a Sua justiça para sermos aceitos
por Deus.
Ninguém será justificado por obras que realize ou
pelo conhecimento ortodoxo que alegue possuir.
Todavia como o conhecimento incha, os amigos de Jó
estavam inchados de orgulho, para que pudessem ser enchidos com o verdadeiro
conhecimento que procede de Deus.
Assim, à uma apressada vista, as palavras de Elifaz
podem dar a impressão de serem a pura expressão da sabedoria divina, no
entanto, não devem ser lidas com os óculos da mente natural, mas com os óculos
do Espírito, e então veremos que não passam de afirmações de palha, que não
podem resistir ao fogo do justo juízo divino.
Em primeiro lugar, ele desprezou completamente as
alegações sábias de Jó sobre a brevidade da vida do homem neste mundo,
chamando-as de palavras de vento, e que portanto seriam espalhadas pelo vento
oriental. Chamou-as de palavras vãs e de nenhuma serventia. No entanto, vimos
quão apropriado é dar a devida atenção ao que Jó disse para que não ajuntemos
tesouros na terra, senão somente no céu.
Além disso, Elifaz afirmou que Jó estava destruindo
a reverência, e impedindo a meditação diante de Deus. Obviamente o dissera
porque a verdade incomoda, e impede que devaneios sejam a base da nossa
meditação espiritual.
Não se pode, no entanto, prestar-se verdadeiro culto
a Deus, ou meditar na Sua presença, sem esta sinceridade de abrir o coração
perante Ele, tal como Jó estava fazendo.
Enganam-se os herdeiros do espírito dos escribas e
fariseus, pensando que é possível cultuar a Deus com hipocrisia, ou seja,
ocultando as reais condições de nossa alma, enquanto nos entregamos a ritos e
cerimoniais religiosos.
O problema
com os amigos de Jó é da mesma ordem e natureza do problema de todos os
hipócritas, ou seja, apesar de serem insinceros diante de Deus, e de não
buscarem uma vida verdadeiramente santa, pretendem ainda assim, serem
considerados como todos os verdadeiros santos.
Isto nós vemos nas seguintes palavras de inveja
amargurada que Elifaz disse a Jó:
“9 Que sabes tu, que nós não saibamos; que entendes,
que não haja em nós?
10 Conosco estão os encanecidos e idosos, mais
idosos do que teu pai.”
Veja que ele estava afirmando um conhecimento
superior de Deus, baseado nas tradições que haviam recebido de seus antepassados.
Não era exatamente este o problema com os escribas e
fariseus, que invalidaram a Palavra de Deus, por causa das tradições de seus
pais?
A teologia de Jó não era uma teologia recebida por
tradição de homens, mas por ser cavada em íntima experiência com Deus.
Isto o homem natural não pode aceitar.
Ele não admite que Deus fale diretamente conosco, e
que nos revele a Sua vontade.
Tem que estar seguro em algo que lhe foi dito pelos
antepassados. Por algum religioso renomado. E é nisto que firmam suas
convicções sobre Deus.
O espírito livre de Jó, que não estava preso a tais
tradições era um abuso, uma irreverência, algo insuportável para eles.
Assim como foram Jesus e os apóstolos para os
escribas e fariseus em seus dias.
Elifaz disse que Jó estava fazendo pouco caso das
consolações de Deus, quando estava sendo privado destas consolações durante o
período da sua aflição. Que descaramento! Que falta de sensibilidade e
misericórdia! Dizer a alguém que estava sendo consumido com a dor, com a morte todo
o tempo diante da sua face, que deveria se alegrar em Deus, e se regozijar por
saber que Ele é consolador.
Pessoas que se queixam de suas presentes condições
aflitivas, não estão necessariamente se voltando contra Deus, pelas palavras
amargas que possam sair de suas bocas, tal como Elifaz estava julgando a Jó
incorretamente (v. 13).
Não podemos
julgá-los nestas horas difíceis como sendo apóstatas, ou como pessoas que
perderam a sua santidade perante Deus.
É muito fácil ser conduzido, como Elifaz foi em seus
dias, a um julgamento errado, pensando que a causa dos sofrimentos de tais
pessoas é o fato de não serem espirituais, de não obedecerem os mandamentos de
Deus, de não estarem orando ou buscando ao Senhor o tanto quanto deveriam.
E finalmente julgá-los como sendo ímpios e não
verdadeiros cristãos, tal como Elizaz fizera em relação a Jó, pelo que deduzira
de seus grandes sofrimentos.
É cruel dizer para alguém em tais circunstâncias,
como as de Jó:
“Está sofrendo assim porque quer! Não deu a devida atenção
à vontade de Deus e olha só o que lhe veio a acontecer!” Se isto é cruel a nossos olhos, imagine aos
olhos puros e santos de Deus! Por isso se irou sobremaneira contra os amigos de
Jó como vemos no final do seu livro.
Deus se enoja de toda esta justiça farisaica que
condena o pecador antes mesmo que ele seja submetido ao juízo divino.
Por isso somos advertidos para não julgarmos para
não sermos julgados com o mesmo critério com que julgarmos a outros, porque
somos tão pecadores quanto eles, sendo justificados gratuitamente por Cristo,
por causa da Sua exclusiva graça e misericórdia.
Todavia, a natureza terrena nos leva sempre a nos
compararmos com outros e a nos julgarmos melhores do que eles, ou então a
estarmos em melhores condições perante Deus do que eles, em razão de não
praticarmos as mesmas coisas que costumam praticar ou por não vivermos tal como
eles.
Devemos vigiar constantemente contra este espírito
que nos torna inúteis para ajudar o nosso próximo, tal como os amigos de Jó no
passado.
“1 Então respondeu Elifaz, o temanita:
2 Porventura responderá o sábio com ciência de
vento? E encherá do vento oriental o seu ventre,
3 arguindo com palavras que de nada servem, ou com
razões com que ele nada aproveita?
4 Na verdade tu destróis a reverência, e impedes a
meditação diante de Deus.
5 Pois a tua iniquidade ensina a tua boca, e
escolhes a língua dos astutos.
6 A tua própria boca te condena, e não eu; e os teus
lábios testificam contra ti.
7 És tu o primeiro homem que nasceu? Ou foste dado à
luz antes dos outeiros?
8 Ou ouviste o secreto conselho de Deus? E a ti só
reservas a sabedoria?
9 Que sabes tu, que nós não saibamos; que entendes,
que não haja em nós?
10 Conosco estão os encanecidos e idosos, mais
idosos do que teu pai.
11 Porventura fazes pouco caso das consolações de
Deus, ou da palavra que te trata benignamente?
12 Por que te arrebata o teu coração, e por que
flamejam os teus olhos,
13 de modo que voltas contra Deus o teu espírito, e
deixas sair tais palavras da tua boca?
14 Que é o homem, para que seja puro? E o que nasce
da mulher, para que fique justo?
15 Eis que Deus não confia nos seus santos, e nem o
céu é puro aos seus olhos;
16 quanto menos o homem abominável e corrupto, que
bebe a iniquidade como a água?
17 Escuta-me e to mostrarei; contar-te-ei o que
tenho visto
18 (o que os sábios têm anunciado e seus pais não o
ocultaram;
19 aos quais somente era dada a terra, não havendo
estranho algum passado por entre eles);
20 Todos os dias passa o ímpio em angústia, sim,
todos os anos que estão reservados para o opressor.
21 O sonido de terrores está nos seus ouvidos; na
prosperidade lhe sobrevém o assolador.
22 Ele não crê que tornará das trevas, mas que o
espera a espada.
23 Anda vagueando em busca de pão, dizendo: Onde
está? Bem sabe que o dia das trevas lhe está perto, à mão.
24 Amedrontam-no a angústia e a tribulação;
prevalecem contra ele, como um rei preparado para a peleja.
25 Porque estendeu a sua mão contra Deus, e contra o
Todo-Poderoso se porta com soberba;
26 arremete contra ele com dura cerviz, e com as
saliências do seu escudo;
27 porquanto cobriu o seu rosto com a sua gordura, e
criou carne gorda nas ilhargas;
28 e habitou em cidades assoladas, em casas em que
ninguém deveria morar, que estavam a ponto de tornar-se em montões de ruínas;
29 não se enriquecerá, nem subsistirá a sua fazenda,
nem se estenderão pela terra as suas possessões.
30 Não escapará das trevas; a chama do fogo secará
os seus ramos, e ao sopro da boca de Deus desaparecerá.
31 Não confie na vaidade, enganando-se a si mesmo;
pois a vaidade será a sua recompensa.
32 Antes do seu dia se cumprirá, e o seu ramo não
reverdecerá.
33 Sacudirá as suas uvas verdes, como a vide, e
deixará cair a sua flor como a oliveira.
34 Pois a assembleia dos ímpios é estéril, e o fogo
consumirá as tendas do suborno.
35 Concebem a malícia, e dão à luz a iniquidade, e o
seu coração prepara enganos.” (Jó 15)
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