Provérbios 11
Silvio Dutra
MAR/2016
A474
Alves, Silvio Dutra
Provérbios 11./ Silvio Dutra Alves. – Rio de
Janeiro, 2015.
95p.; 14,8x21cm
1. Teologia. 2. Salomão. 3.
Estudo Bíblico.
I.
Título.
CDD
230.223
|
Introdução
Palavras
do historiador Marc Bloch, do seu livro apologia da história ou o ofício de
historiador:
“para agir sensatamente, não será preciso
compreender em primeiro lugar?”
Ao nos debruçarmos sobre o estudo do livro de Provérbios, não
estamos fazendo um simples mergulho no passado, como que investigando coisas
antigas, senão cumprindo o verdadeiro papel da história, que é o de nos revelar
os processos de vida, notadamente relativos ao homem, que tendo sido aplicáveis
aos antigos no passado, podem e devem em muitos casos serem aplicáveis também a
nós no presente, como é o caso de toda a revelação que nos foi dada por Deus
nas Escrituras.
Precisamos, portanto conhecer, como no dizer de Marc Bloch,
para que possamos agir sensatamente, que, a propósito, é o escopo principal do
livro de Provérbios, a saber, este agir sensatamente em todas as coisas segundo
a vontade de Deus.
Sendo uma religião histórica, assim como o nosso Cristo é
histórico, o cristianismo não pode existir se afastado de suas raízes
históricas, de modo que se nos afastamos do testemunho das ações do Espírito
Santo na vida dos santos renomados da Igreja, sobretudo do testemunho das
Escrituras, corremos o risco de nos apegar a práticas e tradições religiosas
afastadas da verdade revelada.
Daí nosso interesse em não apenas destacar o que viveram e
escreveram os grandes santos do passado, em todos os livros que temos
publicado, bem como de apresentar uma interpretação correta relativa aos livros
da Bíblia, como estamos fazendo no momento, com o livro de Provérbios.
Para os que acham que a sabedoria e a moral comportamental do
livro de Provérbios são muito antigas, para que sejam apreciadas ao lado dos
costumes modernos de nossos dias, são como aqueles que ao decidirem viver
apenas no crepúsculo das eras, não podem conhecer, entender e viver na
plenitude do dia eterno, com sua alvorada e o sol do meio-dia.
É, sobretudo na prática destes costumes estabelecidos por
Deus que atravessaram todas as gerações, que podemos encontrar a forma de vida
plena que é tanto agradável a Ele, quanto a nós e ao nosso próximo.
O cristianismo a par de ser histórico, não depende do simples
relato de testemunhas sobre as verdades do passado, notadamente sobre o poder
da ressurreição e vida de Jesus Cristo, que dá testemunho de si mesmo em nossas
vidas no presente.
Não somos, portanto, meros investigadores e estudiosos de
fatos havidos no passado, mas analistas do quanto a experiência passada tem a
ver conosco em nossos dias.
Nossas palavras são corroboradas por D. M. LLoyd Jones, que
se expressa da seguinte forma ao caminhar para a conclusão do seu livro
intitulado “Sincero, Mas Errado”:
O método verdadeiramente científico não
volta as costas para o passado. Pelo contrário, fundamenta-se no passado, estuda-o e edifica sobre ele. Em
outras palavras, nada existe de mais
totalmente anticientífico do que o
modo como a pessoa comum, de nossa época rejeita a Bíblia, o evangelho em sua inteireza, e a igreja cristã,
sem ao menos examinar as Escrituras, sem familiarizar-se
com a apresentação do evangelho e sem tomar conhecimento da história
eclesiástica. Não importa o que mais seja reivindicado em favor do método usado
por tal pessoa, esse método comprova ser a
própria antítese do verdadeiro método científico.
Dessa maneira, temos mostrado que a rejeição
ao evangelho, meramente por motivo de sua antiguidade, longe de fundamentar-se
sobre o raciocínio e a razão sobre o
conhecimento e a lógica, nada mais é que a manifestação de total
preconceito contra o passado.
Alguém poderia objetar, no entanto, que o
caso da posição moderna ainda não foi completamente refutado. Alguém poderia concordar que repelir o evangelho, sem
ao menos considerá-lo, por ser muito antigo é demonstração de preconceito. No
entanto, poderá prosseguir, dizendo que seu
caso é um tanto diferente. Talvez fale nos seguintes termos: "Não sou cristão.
Embora não creia no evangelho, penso que posso provar que a minha rejeição ao
evangelho se alicerça sobre o raciocínio e a evidência".
Tal pessoa passará a defender a sua posição
do seguinte modo: "Quanto mais examino a vida, em todos os seus aspectos e setores, tanto mais claramente
vejo que há uma lei universal a permeá-la inteiramente. Trata-se da lei
do crescimento, do progresso e do desenvolvimento.
Vejo que tudo está avançando e se movendo
para a frente. Por exemplo, contemplo o meu jardim na primavera, e vejo a semente que foi plantada e agora
brota, mas a semente não pára nesse ponto. Cresce, floresce, atinge plena
maturidade, e então morre. Por semelhante modo, quando passeio pelos campos na primavera, vejo os cordeirinhos
brincando, mas, não permanecem cordeiros. Também se desenvolvem e se
tornam adultos. Por semelhante modo, observo
nos campos um fazendeiro moderno que ara o seu terreno com a ajuda de um trator. Lembro-me dos dias em que os
homens costumavam arar com a ajuda de cavalos, que puxavam arados de
ferro. Tenho lido acerca dos dias quando os
homens tinham por costume usar o
arado de madeira, puxado por bois; e dos tempos ainda mais remotos,
quando era usual os homens cavarem o solo
com as próprias mãos. Esses exemplos são manifestações dessa mesma lei.
"Ainda, vejo a
cidade moderna com suas facilidades e a contrasto com as rudes cabanas de barro, em que nossos antepassados costumavam habitar. Comparo e contrasto os médicos e cirurgiões modernos
com o cirurgião-barbeiro do século XVIII, e também com o
médico-feiticeiro de períodos e povos ainda mais primitivos. Por toda parte,
sempre percebo a mesma lei. De fato, basta-me apanhar um livro-texto sobre
qualquer assunto e compará-lo com compêndios de cerca de vinte anos passados,
que tratavam do mesmo assunto, para perceber de relance, que tem havido
tremendo avanço no conhecimento e nas informações. Realmente posso comparar a maneira de se lutar na Segunda Guerra Mundial com os combates da Primeira
Guerra Mundial; e até mesmo nesse caso posso ver a mesma lei em
operação. Tudo na vida está se desenvolvendo, avançando, prosseguindo.
Trata-se da lei universal da vida e do ser.
"Mas, quando a questão mais vital e
importante de todas — a saber, o homem, com seus problemas e a sua salvação — é mencionada, então vocês, os crentes,
subitamente pedem que revertamos esse processo, voltando-nos ao passado em
busca de respostas e soluções. A posição de
vocês é totalmente irracional. É a mesma coisa que pedir a um homem
moderno que, ao adoecer, rejeite a ajuda dos últimos avanços do conhecimento
científico, para ser tratado por um
cirurgião-barbeiro ou por um médico-feiticeiro. É como pedir ao agricultor
moderno que rejeite a oferta de um trator, para continuar a cavar o solo
com as próprias mãos. Vocês estão fazendo girar ao contrário o relógio do
tempo, estão revertendo o processo essencial
que se acha na própria natureza. Vocês estão solicitando que o homem
cometa suicídio intelectual. Com frequência tenho desejado poder crer no
evangelho de vocês, para que eu também pudesse tornar-me um crente; mas, em
vista do que tenho dito, isso é impossível, e não seria outra coisa senão um
ato de completa irracionalidade."
Essa é a posição defendida no momento, por
grande número de pessoas. O que podemos responder a um argumento assim? Começamos a nossa resposta concordando
inteiramente com os fatos mencionados. Não
faz parte da pregação do evangelho negar os fatos, e o crente no
evangelho não é tolo. Tem plena consciência dos avanços obtidos em muitos ramos
do conhecimento humano. Está cônscio dos desenvolvimentos ocorridos em muitos
setores da vida; no entanto, continua a confiar no antigo evangelho.
"Como é que vocês podem conciliar essas
duas posições contraditórias?" indaga o homem moderno. Fazemo-lo da seguinte forma: concordamos
inteiramente com os fatos, mas cremos que podemos demonstrar que o
argumento acima, deduzido dos fatos, é falso.
Entretanto, vamos à
questão de maneira positiva. Queremos apresentar as razões para continuarmos crendo
na mensagem do antigo evangelho, em um mundo moderno. A primeira razão para
tanto é que o homem, em si mesmo, não tem mudado em nada. Todas as modificações
sobre as quais os homens tanto se jactam são apenas externas. Não são
alterações no próprio homem, mas tão somente em sua maneira de agir em seu meio ambiente. Essa declaração pode
ser comprovada de muitas maneiras. Por exemplo, aceita-se o fato de que
os clássicos realmente grandes da literatura
mundial não têm idade, não envelhecem com o passar do tempo. A razão
disso é que tratam do homem como homem, e não meramente de certos aspectos da
vida humana, em certo período histórico. As tragédias gregas continuam sendo
traduzidas. As peças de Shakespeare são
sempre contemporâneas, pois Shakespeare,
com seu profundo discernimento e compreensão não estava descrevendo apenas o
homem da era elizabetana, mas o homem como homem. O resultado é que
quando lemos suas peças teatrais percebemos, representadas em seus personagens,
as mesmas características dos homens modernos.
O mesmo se dá no caso do Antigo Testamento.
Trata-se de um livro antiquíssimo, mas seus personagens
são em todos os pontos, iguais ao homem moderno. Consideremos, por exemplo, Caim, homem que sentia tanta
inveja de seu irmão a ponto de assassiná-lo. Porventura não há homens assim no mundo moderno?
Ponderemos, em seguida,
sobre um homem como Esaú, que parecia interessado apenas em comer e beber. Não
haverá pessoas como Esaú, no mundo moderno?
Basta-nos ouvir as conversas das pessoas em
lugares públicos para descobrirmos a resposta. Ou, então, observemos um homem
como Jacó, que ansiava por obter sucesso e prosperidade, mas cuja avareza era
tão grande que não hesitou em defraudar a seu próprio irmão. Porventura Jacó se
tornou um tipo extinto?
Pensemos também em Davi, rei de Israel.
Lembremo-nos de como, certo dia, assentado no pátio superior de sua casa, viu a
esposa de outro homem. Ficou atraído por ela e a desejou. Resolveu possuí-la e provocou a morte de seu
marido, a fim de que pudesse tê-la. Não haverá homens dessa categoria,
no mundo moderno?
Assim poderíamos prosseguir, examinando
cada um dos personagens do Antigo Testamento. Praticamente, em todos os
exemplos estaríamos vendo retratado o típico
homem moderno.
Mas alguém questiona: "Certamente há
algum equívoco nessa apresentação. Você não viu ainda o homem moderno cruzar os ares de avião, a setecentos quilômetros
por hora? Estará sugerindo que ele é idêntico
ao homem que costumava viajar à pé, a seis quilômetros por hora?"
Espere um momento! Pensemos nestes dois homens. Lá vão eles, um em alta
velocidade e outro a seis quilômetros por hora. A questão vital a ser
respondida é: em cada caso, qual é o objetivo da viagem? O que há de mais notável
é que o objetivo é precisamente o mesmo, em ambos os casos. Eles viajam, ou em
busca do amor, ou da guerra, ou de negócios, ou, então, pretendem divertir-se.
Só há uma única verdadeira diferença entre esses dois homens: é a velocidade
com que se dirigem ao mesmo alvo. Na realidade, qual é a diferença precisa
entre o orgulho com que o homem moderno encara sua cultura e sofisticação, e o orgulho daqueles que no
despertar da história tentaram
edificar a torre de Babel, para atingir os céus?
Talvez possamos provar melhor e mais
claramente esse ponto, afirmando que o homem moderno, a despeito de toda a sua
astúcia e habilidade parece mostrar-se
totalmente incapaz de inventar qualquer novo pecado. Não faz parte de
nosso propósito detratar ou diminuir o poder e a habilidade do homem moderno.
Na verdade, seu conhecimento e sua capacidade são extraordinários. Tem conseguido até mesmo dividir o átomo. Não obstante, afirmar que ele é incapaz de
pensar em qualquer nova forma de pecado é dizer apenas a verdade.
Verificamos que todos
os pecados cometidos no mundo moderno encontram-se mencionados no Antigo
Testamento; ou, vice-versa, todos os pecados mencionados
no Antigo Testamento são cometidos pelo homem de nossos dias. O homem, em si mesmo, nunca muda. Continua o mesmo indivíduo contraditório,
que sempre tem sido desde a queda original. E essa é a nossa principal
razão para continuarmos a apresentar ao homem moderno, o antigo evangelho de
Jesus Cristo.
A segunda razão para continuarmos expondo o
evangelho é infinitamente mais importante. Deus não mudou! Ora, quando
percebemos, conforme temos procurado mostrar, que o problema crucial do homem é o seu relacionamento com Deus, vemos então a
total futilidade da questão de
antiguidade e datas. É nesse ponto
que vemos com toda a clareza quão insensato é rejeitar o evangelho,
simplesmente por causa de sua antiguidade.
Alguém já salientou
admiravelmente bem esse particular, quando disse: "O
tempo não deixa rugas na testa do Deus eterno". Naturalmente, tem havido
avanços e desenvolvimentos, mas porventura essas coisas afetam em qualquer
sentido, o ser e o caráter de Deus?
Será que por ter o
homem produzido o motor de combustão interna, ou por ter conseguido liberar o poder do átomo, de alguma maneira ficaram
ab-rogadas as leis de Deus ou, de alguma forma, Deus passou a abominar menos o pecado e as más ações?
Não, mas a pergunta mais
urgente e vital com que o homem se defronta
continua sendo aquela feita por Jó, em tempos remotíssimos: "Como
pode o homem ser justo para com Deus?" (Jó 9.2).
Não há dúvida que existe hoje um novo
cenário para os problemas, quer sejam econômicos, políticos ou educacionais,
quer digam respeito à falta de moradias ou à
maneira de contornar as greves. Todos esses problemas, no entanto, são temporários.
Quando eles se findarem restará aquela situação inevitável, na qual nos veremos
face a face com o Deus eterno, o "Pai das luzes, em quem não pode existir
variação, ou sombra de mudança" (Tg 1.17).
O problema crucial do
homem não é a sua própria pessoa, nem a sua felicidade, nem as condições que o
circundam, enquanto se encontra neste planeta. O problema crucial do homem é o
seu relacionamento com Deus, tanto agora como na eternidade. Deus é eterno,
imutável e absoluto. Por conseguinte, quão grande tolice é argumentar que o
homem moderno necessita de um novo remédio ou uma nova modalidade de salvação,
ao invés do "evangelho da glória do Deus bendito" (1 Tm 1.11), o qual
se acha exclusivamente, em nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
Nossa terceira e última razão para
recomendarmos esse antigo evangelho é que não existe nada melhor do que ele,
ou, em termos mais positivos; até hoje, no mundo,
nada existe além do evangelho que possa tratar tão adequadamente dos
problemas e das condições humanas. Podemos concordar de todo o coração com o
homem moderno, quando diz que sempre deseja o que há de melhor. A pessoa que
não quer o melhor que há, é um insensato. Procuremos por todos os meios ter o
melhor, sem importar o quanto possa custar ou de onde venha.
Também não se falta com a verdade quando se
diz que, em muitas áreas da vida, a última novidade é inequivocamente o que há
de melhor. Consideremos apenas uma ilustração. Dentre todos os admiráveis e fenomenais avanços obtidos na
Segunda Guerra Mundial, nada existe que se possa comparar, nem de longe, com os progressos obtidos no campo
da prevenção e tratamento dos males de nosso corpo.
Todos estamos cônscios do fato que, por meio
de inoculações preventivas, nossas crianças podem ser resguardadas de enfermidades
como a coqueluche ou a difteria. Sabemos, por igual modo, que os homens em
serviço militar no estrangeiro recebem vacinas preventivas contra a febre
tifóide. Por semelhante modo, já ouvimos falar dos novos tratamentos de
enfermidades por meios químicos, com drogas como a sulfa e a, assim chamada,
droga miraculosa — a penicilina.
As últimas
descobertas da medicina têm sido verdadeiramente espantosas. A potência
dos medicamentos descobertos não é questão de teoria ou opinião pessoal; é algo que pode ser comprovado estatisticamente.
Por exemplo, é um fato que numa guerra, na África do Sul, morreram mais
homens de febre tifóide do que em batalhas. No entanto, na Primeira e na
Segunda Guerras Mundiais, praticamente não houve mortes por causa de tal
enfermidade, unicamente por causa de vacinas preventivas. Por semelhante modo,
podemos comparar a taxa de mortalidade em doenças como a meningite e a
pneumonia, antes e depois da introdução dessas drogas no mercado. A alteração é
verdadeiramente espantosa.
Não há dúvida, portanto, que no tratamento dos males e enfermidades do corpo, a
última novidade é o melhor que existe.
Poder-se-ia dizer a mesma coisa, acerca do
tratamento preventivo e da cura dos males da alma humana?
Haverá alguma vacina maravilhosa
que possa ser inoculada em nossos rapazes e moças que os torne imunes às insinuações
e sugestões do pecado, com as quais se
defrontam nas ruas, nos filmes cinematográficos, nos livros e revistas que leem?
Poderão ser eles
inteiramente protegidos contra as tentações? Haverá alguma droga maravilhosa
que possa ser dada a um homem atormentado pela consciência acusadora, que tem
uma sensação aguda de pecado e de fracasso?
Haverá algum fortificante que lhe
possa ser ministrado, capaz de fortalecer sua vontade debilitada, tornando-o
mais que vencedor sobre os adversários que
o assediam? Haverá algum composto mágico que possa ser dado a um homem
que, em seu leito de morte, reconhece a sua pecaminosidade e teme encontrar com
o Senhor e Juiz eterno?
Quais são os fatos? Já
pudemos verificar que, no terreno físico, as estatísticas comprovam que o tratamento
mais recente é o melhor. Mas, que dizer sobre outros campos?
Sejamos realistas e enfrentemos os fatos. A despeito do tremendo progresso no campo
da educação, do conhecimento e da cultura nos últimos cem anos; a despeito de todos os atos
governamentais que têm corrigido os erros e mitigado as injustiças, que
têm tido por desígnio a melhoria social em quase todos os seus aspectos, quais
são as verdadeiras condições que prevalecem em nossos tempos?
A resposta pode ser obtida quando
consultamos os dados espantosos do incremento da delinquência juvenil, do jogo
e do alcoolismo, da imoralidade e também da
infidelidade matrimonial, que tem atingido a tantos casais, levando-os à
separação e ao divórcio. De fato, os resultados podem ser averiguados no rebaixamento geral do tom moral e do nível de
vida na maioria dos países, na mania pelo sexo, na tendência crescente dos homens viverem apenas para os
prazeres e para o que é superficial.
O mundo moderno se acha desesperadamente enfermo, e talvez os seres
humanos se sintam mais infelizes hoje
do que em épocas passadas. Só existe
uma cura para os males humanos. Quando minha consciência me acusa, só
conheço uma coisa capaz de dar-me descanso e paz. Essa cura consiste em saber que Jesus de Nazaré, o Filho de Deus, o
qual levou os meus pecados "em seu corpo, sobre o madeiro" (1 Pe 2.24), já me perdoou. Consiste em saber e
confiar que, em vista de ter Ele me
amado e morrido por mim, encontro-me
livre de qualquer acusação. E, consciente como estou de minha fraqueza e
fracasso, de minha falta de poder para viver uma vida digna desse nome, sou novamente conduzido a Ele.
É somente por causa dEle e do poder do Espírito Santo, conferido por Ele, que posso tornar-me mais do que vencedor. E quando imagino a mim mesmo, em meu leito de morte, prestes a ir ao
encontro de meu Criador e Juiz eterno, a
minha única esperança é que irei revestido da justiça de Jesus Cristo, e
que Ele me tomará pela mão e me apresentará
imaculado "diante da sua glória..." (Jd 24). É somente, e sempre em Cristo que encontro
satisfação. Somente nEle que os meus problemas são solucionados. O
mundo, com todos os seus métodos, não pode ajudar-me em meu momento de maior
necessidade. Mas Cristo nunca falha. Ele,
em todos os aspectos, sempre nos satisfaz.
Quanto mais O contemplo, tanto mais concordo com Charles Wesley, quando
declarou:
Tu, ó Cristo, és
tudo quanto eu quero;
Mais que tudo
encontro em Ti!
Justo e santo é o
teu nome,
Em mim mesmo, sou
todo injustiça;
Falso e cheio de
pecado eu sou,
Mas Tu és cheio de verdade e graça.
Cristo continua sendo
a única esperança para cada um dos homens; a única esperança para o mundo inteiro. O
evangelho ainda é relevante? Sua antiga mensagem continua adequada?
A resposta é que somente o evangelho é
relevante. Somente ele pode cuidar dos problemas do homem e dar-lhes solução.
Somos testemunhas da luz de Jesus, e somos designados por ele
como sendo também luz deste mundo, pois somos o veículo usado pelo Espírito
Santo para transmitir a luz do seu conhecimento e vontade ao mundo inteiro.
O próprio Lloyd Jones apresenta um reforço destas palavras em
seu comentário do Sermão do Monte, que é digno de destaque:
Em Mateus 5.14 temos
uma das afirmações mais surpreendentes e extraordinárias acerca do cristão, que
jamais se tem feito. Se alguém tem em conta o quadro, e recorda as pessoas às
quais Jesus dirigiu estas palavras, aprenderá verdades notáveis. É uma
afirmação cheia de significado e implicações profundas quanto ao entendimento
da natureza da vida cristã.
É uma grande
característica da verdade bíblica que pode sintetizar, por assim dizer, o
conteúdo de toda nossa posição num versículo sério como este. “Vocês”, disse
nosso Senhor, olhando essas pessoas simples, essas pessoas completamente sem
importância do ponto de vista do mundo, “vocês são a luz do mundo”.
É uma dessas
afirmações que sempre deveriam produzir em nós o efeito de erguer a cabeça, de
fazer-nos dar conta do quão magnífico e notável é ser um cristão.
Isto se converte
inevitavelmente, numa prova boa e completa da nossa posição e experiência.
Todas estas afirmações que se fazem do crente sempre conduzem a isto, e devemos
ter sempre o cuidado que assim se dê de fato conosco.
O “vocês” a quem se
refere esta afirmação, significa simplesmente “nós mesmos”. O perigo é sempre
que leiamos uma afirmação como esta e pensemos em alguém diferente, a saber, os
primeiros crentes, ou os crentes em geral. Porém se refere a nós,
individualmente, se pretendemos ser crentes de verdade.
É lógico, pois, que
uma afirmação assim requer uma análise detalhada. Antes de intentá-lo, contudo,
devemos estudá-lo em geral e tratar de retirar disso as implicações mais
óbvias.
Antes de tudo vejamos
qual é seu significado negativo. Porque a força verdadeira da afirmação é esta:
“vocês, e somente vocês, são a luz do mundo”.
O “vocês” é enfático
e comporta esta ideia. Imediatamente compreendemos que implicam certas coisas.
A primeira é que o mundo está em trevas. Isto, de fato, é um dos pontos básicos
que o evangelho cristão sempre realça.
Talvez em nenhuma
outra passagem da Bíblia se veja este contraste marcado entre a ideia cristã da
vida e todas as outras ideias, com mais clareza, que num versículo como este.
O mundo sempre fala
de sua civilização. Esta é uma de suas frases favoritas, sobretudo desde o
Renascimento dos séculos XV e XVI quando os homens voltaram a se interessar
pelo conhecimento.
Todos os pensadores
consideram que esse foi o ponto decisivo na história, uma grande linha
divisória, que separa a história das civilizações; e todos estão de acordo em
que essa civilização moderna, tal como vocês e eu a conhecemos, começou
realmente a partir de então. Houve uma espécie de novo nascimento da razão e da
cultura.
Voltaram a descobrir
os clássicos gregos; seu ensino e conhecimentos num sentido puramente
filosófico, todavia mais num sentido científico, realmente começaram a dirigir
e controlar a perspectiva e vida de muitos.
Logo, houve, como
sabem, uma restauração parecida no século XVIII, que se chamou a si mesma
“Iluminismo”.
Os que se interessam
pela história da Igreja Cristã e da fé cristã devem ter em conta este
movimento. Foi o começo, no sentido do ataque contra a autoridade da Bíblia,
porque pôs a filosofia e o pensamento humano no lugar da revelação divina e da verdade
ao homem, por parte de Deus. Isso continuou até o tempo presente; e, o que
quero sublinhar é que sempre se apresenta como luz, e os que se interessam por
este movimento sempre se referem a ele como “Iluminismo”.
O conhecimento,
dizem, é o que traz luz, o que brilha, e é evidente que em muitos aspectos é
assim. Seria néscio negá-lo. O aumento do saber sobre os processos naturais e
acerca das enfermidades físicas e de muitas outras coisas tem sido realmente
fenomenal.
O novo saber também
tem lançado luz sobre o funcionamento do cosmos, e aumentado a compreensão de
muitos aspectos diferentes da vida. Porém, frequentemente muitos costumam chamá-lo
de “iluminação”, como consequência do saber e da cultura; contudo, apesar de
tudo isto, segue de pé a afirmação bíblica: “vocês, e somente vocês, são a luz
do mundo”. Esta luz conduz ao que é eterno e verdadeiro.
O conhecimento médico,
por exemplo, na prevenção de enfermidades pode prolongar, quando é possível, o
curso da vida física por apenas uns poucos anos, e depois, será inevitável ter
que enfrentar a realidade da morte. Mas, a luz do evangelho nos crentes revela
um caminho que conduz à verdadeira vida e à eternidade. E quão frágeis e
passageiros são todos os benefícios alcançados pelo mero conhecimento humano.
A Escritura segue
proclamando que o mundo, tal como é, está em trevas, e quando alguém começa a
contemplar as coisas seriamente pode-se demonstrar facilmente que é a pura
verdade.
A tragédia de nosso
século tem sido que temos nos concentrado somente num aspecto do saber. Nosso
conhecimento tem sido o das coisas, de coisas mecânicas, coisas científicas, conhecimento da vida num
sentido mais ou menos biológico e mecânico. Porém, nosso conhecimento dos
verdadeiros fatores que fazem a vida, não tem aumentado em nada; por isso, o
mundo está em tal estado hoje em dia. Porque, como se tem indicado
constantemente, apesar de haver descoberto todo esse novo saber, temos
fracassado no descobrimento do mais importante de tudo, a saber, como aplicar
nosso saber.
Esta é a essência do
problema relativo à força atômica. A tragédia é que não temos conhecimentos
suficientes de nós mesmos, que nos permitam saber como podemos aplicar esta
força, agora que a temos descoberto.
E se soubéssemos, não
poderíamos ultrapassar sequer os limites da existência física, que têm sido
fixados pelo Senhor desde a criação, e que foram reduzidos drasticamente,
porque sabemos que no princípio os homens viviam até 900 anos, sendo esta marca
reduzida para o limite de 600, depois 500, 400, 200, chegando ao de 100 que tem
perdurado até nossos dias, e que poucos atingem em condições de pleno vigor físico.
Se não se pode, por
decreto de Deus acrescentar-se um palmo ao curso da existência, quanto mais
resolver definitivamente o problema do pecado que reside em todas as pessoas. Aí
reside a dificuldade. Nosso saber é mecânico e científico.
Porém, quando
passamos aos problemas fundamentais da vida, do ser e existir, não é óbvio que
a afirmação de nosso Senhor permanece sendo verdade, que o mundo está num
estado de trevas horrendas?
Se Ele diz que o
crente é a luz do mundo, então, por conseguinte, Ele
diz também que o mundo está todo em trevas.
Pensemos nisso, no
campo da vida e conduta pessoais. Muitos homens de grande saber em muitos
terrenos fracassam completamente em sua vida pessoal. Vejamos no campo das
relações de uns com outros; precisamente quando nos encontramos nos gloriando
do quanto iluminados somos, do muito que sabemos, há essa ruptura trágica nas
relações pessoais. É um dos maiores problemas morais e sociais da sociedade.
Vejam como temos
multiplicado nossas instituições e organizações. Temos que instruir acerca de
coisas nas quais as pessoas nunca foram instruídas antes; por exemplo, temos
que ter agora cursos de instrução matrimonial. Até este século, as pessoas se
casavam sem estes conselheiros que agora parecem essenciais. Todos eles dizem
bem às claras, que quanto aos problemas mais importantes da vida, como evitar o
mal, o pecado, tudo que é baixo e indigno, como ser puros, retos, castos e
íntegros, que há muitas trevas.
Logo, à medida que se
passa a outras esferas e se contempla as relações entre grupos, encontramos a
mesma situação; por isso temos esses grandes problemas industriais e
econômicos.
Num nível, todavia
mais elevado, vejamos as relações entre nações. Este século, no qual tanto
falamos do saber e da cultura, prova que o mundo está num estado de trevas
completa, em relação a estes problemas vitais e fundamentais. Porém devemos ir
mais além. Nosso Senhor não somente afirma que o mundo está num estado de
trevas; chega a dizer que ninguém, senão o cristão pode dar conselho e
instrução relativamente a isto.
Disso nos gloriamos
como cristãos. Os maiores pensadores e filósofos se sentem desconcertados
diante dos tempos atuais, e me seria muito fácil apresentar-lhes muitas
citações de seus escritos para demonstrá-lo.
Não importa que se
considere no campo da pura ciência ou da filosofia quanto a estes problemas
definitivos; os escritores não acertam ao tentarem explicar ou entender seu
próprio século. A razão está em que sua teoria básica é que, o que o homem
necessita é aumentar o saber. Creem que se o homem tiver esses conhecimentos,
os aplicará à solução dos seus problemas, porém, é
evidente que o homem não o está fazendo. Tem os
conhecimentos, porém não os aplica, o que deixa os “pensadores” perplexos. Não
entendem o problema verdadeiro do homem; não são capazes de dizer-nos onde está
a raiz do estado atual do mundo, e muito menos
são capazes de dizer-nos o que se pode fazer para
resolvê-lo.
Recordo, faz uns
anos, que li a crítica de um livro que tratava destes problemas, a crítica foi
escrita por um conhecido professor de filosofia deste país. Expressou-se assim:
“Este livro enquanto análise é muito bom, porém não vai além da análise e por
isso não ajuda grande coisa. Todos sabemos analisar, porém a pergunta vital que
queremos que se responda é: qual é a raiz última do problema? Que se pode
fazer?” Quanto a isto nada disse, porém deu ao livro o impressionante título de
A Condição Humana.
Assim é. Alguém pode
procurar uma ou outra vez nos maiores filósofos e pensadores, mas nunca o levam
a nada, além da análise. São excelentes na apresentação do problema, e em
apresentar os diferentes fatores que atuam, porém, quando se lhes pergunta onde
está a última raiz disso e o que pensam fazer, deixam-nos sem resposta. É
evidente que não têm nada para dizer. É óbvio que neste mundo não há luz
nenhuma aparte do que oferece o povo cristão e a fé cristã. E não exagero.
Quero dizer que somos realistas e nos damos conta disso, pois quando nosso
Senhor falou há mais de dois mil anos, não somente disse a verdade quanto ao
seu próprio tempo, senão que também a disse relativamente a todas as épocas
subsequentes. Não esqueçamos que Platão, Sócrates, Aristóteles e todos os
demais haviam ensinado vários séculos antes de terem sido pronunciadas essas
palavras de Jesus. Foi depois desse florescer surpreendente da mente e do
intelecto, que nosso Senhor fez esta afirmação.
Contemplou esse grupo
de pessoas comuns e insignificantes e disse: “vocês e somente vocês são a luz
do mundo”. E não fez nenhuma alusão aos
filósofos que haviam vivido antes, como Platão, Sócrates e Aristóteles, porque
não havia neles nenhuma luz que conduzisse à verdade. Então, quando disse que
somente os crentes são a luz do mundo, é uma afirmação tremenda e
estremecedora, e eu diria que por muitas razões dou graças a Deus de estar
pregando este evangelho hoje, e não há cem anos atrás. Se houvesse afirmado
isto cem anos antes, as pessoas teriam zombado, porém hoje já não zombam,
porque a história mesma demonstra cada vez mais a verdade do evangelho. As trevas
do mundo nunca têm sido mais evidentes que hoje, e diante delas temos esta
afirmação surpreendente e profunda. Esta é a implicação negativa do texto.
Consideremos agora,
suas implicações positivas. Diz: “vocês”. Em outras palavras afirma que o crente
comum, embora talvez nunca tenha estudado filosofia, sabe mais da vida e a
entende melhor que alguém grande e experiente que não seja crente. Este é um
dos temas básicos do Novo Testamento.
O apóstolo Paulo, ao
escrever aos coríntios disse bem claramente quando afirmou “Visto como na
sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a
Deus salvar os crentes pela loucura da pregação.” (I Cor 1.21).
Isto que parece ridículo
para o mundo, é sabedoria de Deus. Este é o paradoxo extraordinário que se nos
apresenta. A implicação do mesmo deve ser óbvia, mostra que somos chamados a
fazer algo positivo. Esta é a segunda afirmação que faz nosso Senhor,
relativamente à função do crente neste mundo. Uma vez descrito o crente em
geral nas bem-aventuranças, a primeira coisa que diz é: “vocês são o sal da
terra”. Agora diz, “vocês são a luz do mundo”, e somente vocês. Porém
recordemos sempre que isto se diz dos crentes comuns, não de certos crentes
somente. Aplica-se a todos os que têm o direito de receber este nome.
Imediatamente surge a
pergunta. Como ,pois se cumprirá isto em nós? Uma vez mais se nos conduz ao
ensino referente à natureza do crente. A melhor maneira de entendê-lo, me
parece, é esta.
O Senhor que disse:
“vocês são a luz do mundo”, também disse, “eu sou a luz do mundo”. Estas duas
afirmações devem ser tomadas sempre juntas, já que o crente é luz do mundo, somente por sua relação com Ele, que
é a luz do mundo.
Nosso Senhor afirmou
que havia vindo trazer luz. Sua promessa é que “o que me segue não andará em
trevas, senão que terá a luz da vida”. Agora, contudo, diz também: “vocês são a
luz do mundo”.
Consequentemente,
Ele, e somente Ele nos dá esta luz vital relativa à vida, porém não se detém
aí, também nos faz luz. Recordem como o apóstolo Paulo o disse em Efésios 5,
onde afirma: “porque noutro tempo éreis trevas, porém agora sois luz no
Senhor”.
Por isso, não somente
temos recebido luz, mas temos sido feitos luz, nos convertemos em transmissores
de luz. Noutras palavras, é este o extraordinário ensino da união mística entre
o crente e seu Senhor. Sua natureza entra em nós a fim de que sejamos, num
sentido, o que Ele é.
É básico que tenhamos
presentes ambos os aspectos deste assunto. Como crentes no evangelho temos
recebido luz, conhecimento e instrução, porém, além disso, tem passado a fazer
parte de nós, de maneira que somos também luz no Senhor. Tem-se convertido na
nossa vida, a fim de que assim possamos refleti-la.
O notável, portanto é
que, nos é lembrado nesta passagem a nossa íntima relação com Ele. O crente tem
recebido e se convertido em partícipe da natureza divina. A luz que é Cristo
mesmo, a luz que é em último termo Deus, é a luz que tem o crente.
“Deus é luz e não há
nele treva nenhuma”. “Eu sou a luz do mundo”. “Vocês são a luz do mundo”. A
forma de entender isto é mediante a compreensão do ensino de nosso Senhor
referente ao Espírito Santo em João 14.23, onde diz: “Se alguém me ama, guardará
a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele,
e faremos nele morada.”
De fato, a
consequência da sua vinda será esta. Meu Pai e Eu moraremos em vocês, estaremos
em vocês e vocês estarão em nós. Deus que é o pai das luzes, é a luz que está
em nós. Ele está em nós e nós estamos nEle; por isso se pode dizer do crente:
“vocês são a luz do mundo”.
É interessante
observar que, segundo nosso Senhor, este é o segundo grande resultado de ser a
classe de crente que Ele tem descrito nas bem-aventuranças. Deveríamos também
considerar a ordem em que se fazem estas afirmações. A primeira que o Senhor
nos diz é: “vocês são o sal da terra”, e somente depois disto diz: “vocês são
a luz do mundo”. Por que não disse isto na ordem
contrária?
É um ponto prático,
muito interessante e importante. O primeiro efeito do crente no mundo é
geral, em outras palavras, é mais ou menos
negativo. Temos aqui um homem que se tem feito cristão,
vive em sociedade, e no trabalho. Como é crente, imediatamente produz um certo
efeito, um efeito de controle que estudamos antes no comentário sobre ser sal
da terra. Somente depois disto tem esta função específica e concreta de atuar
como luz. Em outras palavras, a Bíblia, ao tratar do crente, sempre sublinha
primeiro o que ele é, antes de começar a falar do que ele faz. Como crente,
deveria sempre produzir este efeito geral nos demais, antes de produzir este
efeito específico.
Onde quer que me
encontre, imediatamente esse algo diferente que há em mim deveria produzir
efeito, e isto por sua vez deveria levar aos demais a contemplar-me e dizer:
“Há algo especial neste homem”.
Logo, ao observarem
minha conduta começam a me fazer perguntas. Neste ponto
entra em jogo o elemento de “luz”,
posso falar-lhes e ensinar-lhes. Muito frequentemente tendemos a mudar a ordem.
Falamos numa forma muito iluminada, porém nem sempre vivemos como sal da terra.
Tanto que, se nos agrada ou não, nossa vida deveria ser sempre a primeira a
falar, pois se os lábios falarem mais do que a vida, pouco servirá. Com frequência
a tragédia tem sido que as pessoas proclamam o evangelho de palavra, porém sua
vida e comportamento é negação do mesmo. O mundo não lhes dá grande atenção.
Não esqueçamos nunca esta ordem que o Senhor escolheu deliberadamente: “sal da
terra” antes de “luz do mundo”.
Somos algo, antes de
começarmos a atuar como algo. Ambas as coisas deveriam sempre caminhar juntas,
porém a ordem e a sequência deveria ser a que Ele estabelece nesta passagem.
Tendo isto presente,
consideremos agora de modo prático, como o crente deve mostrar que é realmente
a luz do mundo. Isto se transforma numa pergunta simples: Qual é o efeito da
luz? Que faz na realidade?
Não cabe dúvida, de
que a primeira coisa que a luz faz é manifestar as trevas e tudo o que pertence
a ela. Imaginemos uma casa escura, e quando se acende uma luz; ou pensemos nas
luzes dianteiras de um automóvel que transita numa estrada escura. Como diz a
Bíblia: “Tudo o que se manifesta é luz”.
Num sentido estamos
conscientes das trevas até que a luz não apareça, e isto é fundamental. Falando
da vinda do Senhor a este mundo, Mateus disse: “O povo que andava nas trevas
viu grande luz”.
A vinda de Cristo e
do evangelho são tão fundamentais, que se pode expressar assim; o primeiro
efeito de sua vinda ao mundo é que tem manifestado as trevas da vida do mundo. Isto
é algo que sempre, e inevitavelmente faz qualquer pessoa boa ou santa.
Sempre necessitamos
de algo que nos mostre a diferença, e a melhor maneira de revelar uma coisa é
por contraste. Isto faz o evangelho, e todo cristão o faz. Como disse o
apóstolo Paulo, a luz clareia o oculto das trevas; por isso diz: “os que se
embriagam, é de noite que se embriagam”.
O mundo todo se
divide em “filhos da luz” e “filhos das trevas”. Grande parte da vida do mundo
está debaixo de uma espécie de capa de trevas. As piores coisas sempre ocorrem
sob o manto das trevas, inclusive o homem natural, degenerado, e em estado de
pecado se envergonha de tais coisas à luz do dia. Por que? Porque a luz o
manifesta.
O crente é a luz do
mundo dessa forma. É inevitável, porque por ser crente mostra um estilo
diferente de vida, e de imediato manifesta a verdadeira índole e natureza da
outra forma de viver.
No mundo, portanto é
como uma luz que se acende, e imediatamente as pessoas começam a pensar, a
maravilhar-se e a sentir-se envergonhadas.
Quanto mais santa uma
pessoa, mais cedo e tanto mais claramente isto ocorrerá. Não lhe fará falta
dizer uma só palavra, pois somente por ser o que é, faz que os demais se sintam
envergonhados do que fazem, e deste modo atua verdadeiramente como luz.
Proporciona um
modelo, mostra que há outra maneira de viver que é possível para o gênero
humano. Manifesta o erro e o fracasso da forma de pensar e viver do homem. Como
vimos, ao tratar do crente como sal da terra, o mesmo se pode dizer dele como
luz do mundo.
Todo verdadeiro
avivamento espiritual tem produzido este efeito. Uns tantos cristãos numa
região ou grupo afetarão a vida de todos, que se dará ainda que os demais
estejam ou não de acordo com seus princípios, porque lhes fazem sentir que o
sistema cristão é adequado e o outro é indigno. O mundo tem descoberto que a
honestidade é a melhor política, como alguém tem dito: esta é a classe de
tributo que a hipocrisia sempre rende à verdade; tem de admitir no fundo do
coração que a verdade tem razão.
A influência que o
crente tem como luz no mundo é demonstrar que estas outras coisas pertencem às
trevas, prosperam nas trevas, e seja pelo que for não podem resistir à luz.
Isto se afirma em
forma explícita em João 3, onde o apóstolo diz: “E a condenação é esta: Que a
luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as
suas obras eram más.” (João 3.19).
Nosso Senhor
acrescenta, que tais homens não vêm para a luz, porque, se o fizerem, receberão
reprovação por suas obras, o que eles não querem. Essa foi, desde o princípio a
causa principal do antagonismo dos escribas e fariseus contra nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo.
Esses homens, mestres
da lei, experientes num sentido da vida religiosa, odiaram e perseguiram ao
Senhor. Por que? A única resposta adequada se encontra em sua pureza absoluta,
em sua santidade total. Sem dizer nem uma só palavra contra eles no começo -
porque não lhes acusou até o final – sua pureza fez que se vissem como
realmente eram, e por isso o odiaram. Perseguiram-no e por fim o crucificaram,
somente porque era a luz do mundo. Revelou e manifestou o oculto das trevas que
havia neles. Vocês e eu temos que ser assim neste mundo, somente por viver a
vida cristã temos de produzir este efeito.
Demos um passo mais
além, e digamos que a luz não somente revela o oculto das trevas, mas também
explica sua causa; por isso é algo tão prático e importante nestes tempos.
Já lhes tenho
recordado que os melhores pensadores do mundo acadêmico de hoje, se acham
desorientados quanto à raiz do mal no mundo. Há alguns anos foram
radiodifundidas duas conferências a cargo dos chamados humanistas, Dr. John
Huxley e Professor Gilbert Murray. Ambos admitiram com toda franqueza que não
poderiam explicar a vida como é. O dr Huxley disse que não podia encontrar um
fim, nem um significado para a vida. Para ele tudo era fortuito. O professor
Gilbert Murray tampouco sabia explicar a segunda guerra mundial e o fracasso da
Liga das Nações. Como corretivo, não teria nada mais que oferecer do que a
cultura que tem estado à nossa disposição durante séculos, e que tem
fracassado.
Aqui é onde os
crentes têm a luz que explica a situação. A única causa dos problemas do mundo
atual, desde o nível pessoal ao internacional, não é nada mais do que a
separação do homem em relação a Deus. Esta é a luz que somente os crentes
possuem, e podem dar ao mundo. Deus tem feito de tal modo o homem, que ele não
pode viver a verdade a não ser que tenha uma relação adequada com Deus. Assim
foi feito. Deus o fez, e o fez para si. Deus tem estabelecido certas normas em
sua natureza, em seu ser, e existência, que, a não ser que se conforme a elas
irá se equivocar.
Esta é a causa do
problema. Todas as dificuldades que o mundo de hoje experimenta podem ser
atribuídas, em última instância, ao pecado, egoísmo, e busca de proveito
próprio. Todas as disputas, conflitos e mal-entendidos, todas as dívidas e
malícia, todas estas coisas se devem a isso e a nada mais. Assim pois, somos a
luz do mundo num sentido muito real nestes tempos, porque somente nós possuímos
a explicação adequada da causa do estado do mundo. Tudo se deve à queda, todos
os problemas começaram ali. Quero voltar a citar João 3.19: “E a condenação é
esta: Que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz,
porque as suas obras eram más.”
Esta é a condenação e
nada mais. Esta é a causa do problema. Que sucede pois? Se a luz tem vindo a
este mundo na pessoa de Jesus Cristo; por que o mundo anda mal em pleno século
vinte?
O versículo que
acabamos de citar dá a resposta. Apesar de todo o saber que se tem acumulado
nos últimos duzentos anos, desde os começos do Iluminismo até meados do século
dezoito, o homem caído por natureza, todavia, ama mais as trevas do que a luz.
A consequência é que, apesar de saber
o que é justo, prefere o mal e o pratica.
Tem uma consciência
que lhe adverte, antes de praticar o mal; contudo o faz. Talvez o lamente,
porém o pratica. Por que? Porque lhe agrada. O problema do homem não está no
intelecto, está na sua natureza – as paixões e os prazeres. Este é o fator
dominante. Embora se eduque, nada conseguirá, porque sua natureza seguirá sendo
pecaminosa e caída.
Esta pois é a
condenação, e ninguém pode advertir ao mundo moderno, exceto o cristão. O
filósofo não somente não fala sobre isto, como também não lhe agrada tal
ensino. Não lhe agrada que lhe digam que apesar de seus vastos conhecimentos,
não é mais do que um montão de argila humana comum como qualquer outro, e que é
criatura de paixões, prazeres e desejos. Esta é a verdade; como nos dias de
nosso Senhor, muitos destes filósofos do mundo antigo saíram da vida pela porta
do suicídio, e assim sucede hoje em dia.
Desconcertados,
perplexos, sentindo-se frustrados, havendo intentado todos os tratamentos
sociológicos, psicológicos e de outras classes, contudo indo de mal a pior, os
homens se rendem desesperados.
O evangelho lhes
molesta quando aponta que terão que confrontar a si mesmos, e sempre lhes diz o
mesmo: “os homens amaram mais as trevas do que a luz”. Este é o problema, e o
evangelho é o único que o diz. Constitui uma luz no firmamento, e deveria
revelar-se por nosso meio em meio aos problemas deste mundo tenebroso,
miserável e infeliz dos homens.
Porém, graças a Deus
que não nos detemos aí. A luz não somente manifesta as trevas, mas apresenta e
oferece a única saída das trevas. Aqui é onde todo crente deveria por mãos à
obra. O problema do homem é o problema da natureza caída, pecaminosa,
contaminada. Não se pode fazer nada?
Temos provado que o
conhecimento, a educação, os pactos políticos, e as assembleias internacionais
não têm conseguido nada. Não resta esperança? Sim, há uma esperança abundante e
perene: “tem que nascer de novo”. O que o homem necessita não é de mais luz, mas
da nova natureza que ama a luz e odeia as trevas. O homem necessita se voltar
para Deus. Não basta dizê-lo, porque, se fosse assim, o deixaríamos num estado
de maior desesperança.
Ele nunca encontrará
o caminho até Deus, por mais que o tente, porém o crente está aí para dizer-lhe
que há um caminho até Deus, um caminho muito simples. É conhecer a Jesus de
Nazaré. Ele é o Filho de Deus que veio do céu à terra, para buscar e salvar o
que se havia perdido. Veio para trazer luz às trevas, para manifestar a causa
das trevas, para mostrar o novo caminho para sair delas e ir a Deus no céu.
Jesus, não somente
tem carregado sobre Si a culpa desta terrível condição de pecado, que nos tem
causado tantos problemas, senão que nos oferece uma vida e natureza novas. Não
somente nos dá um ensino novo ou uma compreensão nova do problema; não somente
procura perdoar os pecados passados, mas faz-nos homens novos com desejos
novos, aspirações novas, perspectiva nova e orientação nova, e, sobretudo nos
dá essa vida nova, a vida que ama a luz e odeia as trevas, no lugar de amar as
trevas e odiar a luz.
Os crentes, vocês e
eu, vivemos no meio de pessoas que vivem em densas trevas. Nunca encontraram
luz alguma neste mundo, a não ser no evangelho que nós cremos e ensinamos. Eles
nos observam. Vêm algo diferente em nós?
Nossas vidas são uma
reprovação silenciosa das vidas de tais pessoas? Vivemos de tal modo que as
induzimos a vir a nós para perguntarem: Por que parecem sempre tão felizes?
Como se mostram sempre tão equilibrados?
Como podem aceitar as
coisas como o fazem? Por que não dependem como nós, de ajudas e prazeres
artificiais? Que têm, que não temos?
Se assim o fazem,
então podemos comunicar-lhes essas novas, tão maravilhosas e surpreendentes,
embora tragicamente omitidas, de que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os
pecadores, e dar aos homens uma nova natureza e uma nova vida, e para fazê-los
filhos de Deus. Somente os crentes são a luz do mundo de hoje. Vivamos e
atuemos como filhos da luz.
Depois de ter-se
referido aos crentes como sal da terra e luz do mundo, Jesus disse o seguinte
em relação à lei:
“17 Não penseis que
vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, mas cumprir.
18 Porque em verdade
vos digo que, até que o céu e a terra passem, de modo nenhum passará da lei um
só i ou um só til, até que tudo seja cumprido.
19 Qualquer, pois,
que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos
homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e
ensinar será chamado grande no reino dos céus.”
Até aqui as palavras de D.M.Lloyd Jones.
Apesar de extensa,
esta introdução é muito apropriada para o objetivo em vista, que é o de
demonstrar com que óculos devemos estudar não apenas o livro de Provérbios,
como também toda a Bíblia.
O padrão de
comportamento que é ali exigido, não pode ser respondido adequadamente por
pessoas que não tiverem sido regeneradas pelo poder do Espírito Santo, a saber,
pela obtenção do novo nascimento na conversão.
Por outro lado, Lloyd
Jones apresenta de forma muito clara, qual é o escopo das Escrituras – a saber,
o de responder às necessidades do homem interior, que não pode melhorar segundo
o ponto de vista de Deus, a não ser apenas pela conversão a Jesus Cristo, e
prática da Sua Palavra.
É, portanto com estes
óculos adequados do discernimento espiritual, que devemos nos dedicar à leitura
e à prática de tudo o que nos é ordenado nas Escrituras.
Não poderia haver uma melhor introdução para a exposição que
faremos adiante de cada um dos versículos do 11º capitulo do livro de
Provérbios, pelas razões já expostas anteriormente.
Provérbios 11
1 A balança enganosa é abominação para o Senhor; mas o peso justo é o
seu prazer.
A balança aqui referida, não é somente aquela que é usada
como meio de pesagem de produtos segundo o padrão estabelecido; senão,
sobretudo aquela pela qual é pesado e medido o nosso próprio caráter.
A balança pela qual é realizada esta aferição de modo justo e
correto, a qual é todo o prazer de Deus, é a Sua própria Palavra. Esta Palavra
nos recomenda honestidade, não somente em todos os nossos negócios, como em toda a nossa atitude e nosso
comportamento. Assim, concluímos que a pessoa que não é honesta segundo padrão
divino, não é de fato uma pessoa devota e piedosa.
Ela pode se dedicar a todos os deveres e a todas as práticas
religiosas, ainda que cristãs, e, no entanto ser achada em falta quando pesada
pela balança do céu, por não ser honesta. Um religioso verdadeiro deve ser honesto
para com todos os homens.
As práticas comerciais modernas adotaram diversos expedientes
que são desonestos em sua natureza, com o fito de se aumentar a margem de
lucratividade. Mas, ainda que isso possa ser considerado inteligente entre os
que as praticam, elas permanecem como uma abominação diante do Senhor.
Nada é mais ofensivo a Deus do que a prática do engano no
comércio. A balança enganosa é aqui colocado para todos os tipos de
práticas injustas e fraudulentas, ao se lidar com qualquer pessoa.
Evidentemente, ninguém gosta de ser enganado, até mesmo o que
é dado à prática do engano; e é nisto que reside a injustiça do ato enganoso,
pois é uma injúria praticada contra o próximo.
2 Quando vem a soberba, então vem a desonra; mas com os humildes está a
sabedoria.
Quanta soberba há no mundo, especialmente naqueles que se
consideram grandes e mui honrados, todavia, destes se afirma que com a soberba
deles vem juntamente a desonra,
A razão é clara e diretamente declarada nas Escrituras, pois
Deus afirma que abate o que se exalta, e não honra a qualquer que não Lhe
honre, e é evidente que aquele que vive em soberba não está honrando a Deus,
que exige de todos os homens que sejam humildes.
De fato, é uma vergonha que um homem que brota da terra, que
vive de esmolas, pois depende de Deus para tudo o que tem, a começar de sua
própria existência, se orgulhar de si mesmo por tudo o que tem.
Este é um pecado que os outros olham com desdém, pois aquele
que é arrogante se torna desprezível; é um pecado para o qual Deus muitas vezes
leva os homens para baixo, como fez com Nabucodonosor e Herodes, porque Deus
resiste aos soberbos, os contradiz, e os confronta naquilo em que estão
orgulhosamente se exaltando.
O orgulhoso é cego, e um juízo de Deus sobre ele é mantê-lo
em sua cegueira, não permitindo que veja que tudo o que é, e tem, pertence e
provém de fato dEle. Em decorrência disto, não conseguirá jamais alcançar a
verdadeira sabedoria que vem do Alto, por meio de revelação do Espírito Santo.
Viverá se gloriando de coisas vãs e passageiras, e não raro, até mesmo
abomináveis.
Em contraste a isso, o provérbio apresenta a honra que Deus
concede aos humildes de espírito, concedendo-lhe a verdadeira sabedoria para o
viver.
A sabedoria em foco não se refere ao conhecimento e prática
das coisas comuns ao mundo, mas aquela que nos conduz ao reino dos céus e à
vida eterna.
É a sabedoria que existe naquele que se converte a Cristo, e
se sujeita à instrução do Espírito Santo e da Palavra de Deus.
São as coisas elevadas às quais Cristo se refere dizendo que
são ocultadas por Deus aos grandes, mas que são reveladas aos pequeninos.
3 A integridade dos retos os guia; porém a perversidade dos desleais os
destrói.
Ser íntegro é ser completo. Então, a integridade dos retos
consiste em serem completos, em retidão. Não que sejam perfeitos em tudo, mas
completamente determinados em seguirem no caminho estreito de retidão divino.
Estão atentos e vigilantes quanto a tudo que lhes possa
desviar do caminho, de modo que dependem da graça de Deus e se esforçam para
permanecer nele, e assim, por esta integridade, serão guiados por Deus para
conhecerem e fazerem Sua vontade.
Mas, daqueles que que transgridem a vontade de Deus, e vivem
na perversidade, é dito que o seu próprio desvario os destrói.
São destruídos, no sentido de ficarem alijados de
experimentar a vida plena e justa que existe somente em nossa comunhão com
Deus.
São destruídos no sentido de caírem nos abismos de iniquidade
que eles próprios cavaram. Nestes abismos é impossível conhecer a Deus e
caminhar nas planícies, na paz, e
alegria que ele tem reservado para aqueles que o amam e obedecem aos seus
mandamentos.
4 De nada aproveitam as riquezas no dia da ira; porém a justiça livra da
morte.
É notório, mesmo entre os poderosos, que muito deles são
ceifados do mundo de forma violenta, quando aqueles que se levantam contra eles
em ira, os derrubam de suas posições elevadas.
A história está recheada de exemplo de reis, especialmente ditadores que foram executados,
sem que pudessem ser livrados pelas riquezas que haviam acumulado.
Mesmo no caso daqueles que confiam em suas riquezas para
estarem seguros, e não sofrem qualquer tipo de visitação de ira enquanto neste
mundo, certamente terão que enfrentar a ira de Deus no dia do juízo; e ainda
que pudessem ter levado consigo suas riquezas, de nada lhes valeriam nesta
hora.
Por mais rica que uma pessoa seja dos bens deste mundo, caso
não tenha sido justificada do pecado por meio da fé em Cristo, ela permanece
como um ser miserável e morto espiritualmente diante de Deus.
Por isso, o provérbio afirma que somente a justiça livra da
morte. Sabemos que esta justiça que livra da morte espiritual e eterna é
somente a justiça de Cristo, que nos é imputada por meio da fé nele.
5 A justiça dos perfeitos direcionará o seu caminho; mas o ímpio cai
pela sua impiedade.
6 A justiça dos retos os livra; mas os traiçoeiros são apanhados nas
suas próprias cobiças.
Estes dois versos são, com efeito, o mesmo, e ambos têm o
mesmo significado do verso 3. São repetidas as verdades aqui afirmadas, porque
são de tal peso que não podem ser demasiadamente incutidas.
Devemos nos governar por estes princípios, pois os caminhos
da justiça do reino de Deus são a nossa regra e segurança.
Não podemos ser achados com a nossa alma em segurança, estando
conscientes de um bom proceder, senão somente por estarmos conformados à
justiça de Deus; seja por tê-la atribuída na nossa justificação pela graça,
mediante a fé, seja pela sua implantação em nosso caráter pelo poder do
Espírito Santo.
A graça de Deus educa e dirige aqueles que amam e praticam a
justiça. Já não há qualquer condenação da parte de Deus, para aqueles que estão
cobertos pela justiça de Cristo. Assim, a justiça dos que são retos, os livra
da maldição, da ira e da condenação divina.
Em contraste, a impiedade e as cobiças dos que são ímpios e
traiçoeiros são a causa da sua queda e ruína.
Por mais que possa parecer que estão prosperando neste mundo,
estão de fato caminhando por veredas de morte que lhes conduzirá a um final
terrível, vergonhoso, e eterno quando tiverem que comparecer perante o trono do
juízo divino.
7 Morrendo o homem perverso, morre a sua esperança, e a expectação da
iniquidade se desvanece.
Até mesmo homens maus, enquanto vivem, podem entreter uma
expectativa confiante de uma felicidade futura quando morrerem, ou pelo menos uma felicidade neste
mundo.
O hipócrita tem sua esperança naquilo que ele próprio tece,
como a aranha faz em sua teia. O mundano espera grandes coisas de sua riqueza;
ele a chama de bens para muitos
anos, e espera ter facilidade nisto; mas
na morte, sua esperança será frustrada, pois nada do que juntou e alcançou
neste mundo lhe valerá.
Será grande agravamento de miséria das pessoas más, pois suas
esperanças vão afundar somente em desespero, quando esperam que sejam coroadas
de fruição. Quando um homem piedoso morre, suas expectativas morrem com ele e
todos os seus medos desaparecem, mas quando o ímpio morre suas expectativas
perecem. Naquele mesmo dia perecem seus pensamentos, com os quais tinha se agradado,
e suas esperanças desaparecem.
8 O justo é libertado da angústia; e o ímpio fica em seu lugar.
O justo referido no provérbio, não é qualquer pessoa que
pratique eventualmente o que é justo, senão aquele que tem sido justificado por
Deus, por meio da fé, e anda nos seus mandamentos. É este que a promessa do
provérbio se refere, pois é notório que muitos que são praticantes eventuais do
que é justo, mas não amam a Deus e os seus mandamentos, não são libertados de
suas angústias.
Ao dizer que o justo é libertado da angústia e que o ímpio
fica em seu lugar, não significa que o justo é compensado pela angústia do
ímpio; mas que enquanto ele é livrado pelo poder de Deus, o ímpio não pode
desfrutar do mesmo benefício,
Além disso, deve ser considerado que as muitas aflições e
angústias que os justos experimentam neste mundo, são em boa parte o resultado
das ações de ímpios, que lhes serão removidas completamente quando forem
admitidos no céu; e, as angústias que tinham aqui embaixo, virão sobre os
ímpios em muito maior grau, quando tiverem que comparecer perante o juízo de
Deu, para serem lançados num lugar de sofrimento eterno.
9 Um hipócrita com a sua boca arruína o seu próximo; mas os justos são
libertados através do conhecimento.
Não são poucos, aqueles que neste
mundo passando-se por bons e justos destroem a boa reputação de pessoas
honestas e justas, inventando mentiras contra elas junto àqueles que lhes
interessa afastar do seu convívio e aceitação.
Quem tem conseguido se livrar
completamente disto?
As línguas viperinas
multiplicam-se, especialmente nestes dias de grande iniquidade; e lobos
disfarçados em peles de ovelhas causam a ruína de muitos, em vários aspectos,
pela maledicência disfarçada com que conseguem convencer seus ouvintes de
estarem falando a verdade.
Uma reputação falsamente destruída será dificilmente
recuperada, ainda que se apresentem evidências em contrário, de tudo o que de
mal foi dito, porque sempre permanece alguma desconfiança naqueles que foram
atingidos pelo veneno de tais línguas de serpente.
Mas, é dito que os justos são libertados através do
conhecimento deles. Libertados de quem, e do que?
Do prejuízo sofrido, nem sempre, mas de incorrerem no mesmo
erro de intentarem o mal disfarçado ou declarado contra o seu próximo, disto
são certamente livrados pelo amor de Cristo que reina em seus corações.
Pode também ser considerado, que, por sua prudência, pelo
conhecimento da verdade relativa ao coração do homem que é corrompido, em
prevenir-se deste mal que poderia sofrer da parte de outros, por discernir
adequadamente com quem deve realmente se associar.
O que dá muitas vezes crédito, ainda que indevido à
maledicência, e o fato de termos privado, ainda que por algum tempo, da
intimidade com aqueles que são maus.
Isto lhes dá certa vantagem em receberem crédito nas
falsidades que afirmam a nosso respeito, pois, afinal, estivemos andando em sua
companhia.
A seu tempo, Deus destruirá a língua maledicente para sempre,
mas até lá, cabe a nós agir com prudência, para não ficarmos à mercê de sermos
arruinados tão facilmente por aqueles que arruinando a nossa boa reputação,
aniquilam também o poder do nosso bom testemunho em Cristo.
10 Quando os justos prosperam, exulta a cidade; e quando perecem os
ímpios, há júbilo.
11 Pela bênção dos retos se exalta a cidade; mas pela boca dos ímpios é
derrubada.
O bem público não pode prevalecer quando se multiplicam os
ímpios, sobretudo nas posições de governo, pois todos sofrem direta ou
indiretamente com isto.
Mas, há alegria na cidade em que os justos se multiplicam e
os ímpios desaparecem, pois traz não somente a bênção de Deus para o povo, como
também haverá paz e justiça sendo praticadas entre todos.
Orações em favor de todos, dos que governam, se multiplicam
quando os justos estão em maior número numa determinada cidade, e com isto a
própria cidade é exaltada por Deus, derramando sobre ela as suas bênçãos.
Muitos falam de sua expectativa de justiça social, mas sendo
ímpios abrigam o mal e a murmuração em seus corações ainda escravizados ao
pecado – e que bem real poderia advir disto?
Que tipo de justiça estariam de fato buscando para a cidade
ou país em que vivem?
Como Deus poderia contemplar com bons olhos, tal tipo de
hipocrisia?
12 Quem despreza o seu próximo é falto de senso; mas o homem de
entendimento se cala.
13 O que anda mexericando revela segredos; mas o fiel de espírito
encobre o negócio.
O desprezo ao próximo aqui afirmado, não é apenas aquele que
se restringe a um sentimento contrário em relação a ele, mas o que se expressa
em palavras depreciadoras. Desta atitude e comportamento é dito ser o produto
de falta de sabedoria, de senso, de conhecimento da vontade de Deus.
Já aqueles que conhecem todas estas coisas referidas, ainda que
sintam a real condição de miséria espiritual e moral do seu próximo, se calam,
e guardam isto em seus corações sem estabelecer qualquer juízo depreciativo em
relação a ele, pois sabe que não nos é dado da parte de Deus sermos os juízes
morais do caráter alheio.
A falha de caráter referida no provérbio conduz geralmente ao
desejo perverso de mexericar, ou seja, de espalhar os nossos juízos
depreciativos a outros, o que vem a agravar a nossa situação diante do grande
Juiz de toda a terra, quer de vivos, quer de mortos.
Um espírito infiel a Deus e à verdade, à discrição e ao amor
há de espalhar o mal real ou não, que observa nos outros com o fim de
prejudicá-los, mas o que possui um espirito fiel encobre o negócio e não dá
ocasião a que este se espalhe produzindo aí sim, um grande mal, que pode afetar
a muitos, além da própria pessoa depreciada.
14 Quando não há sábia direção, o povo cai; mas na multidão de
conselheiros há segurança.
Aqueles que têm sobre si a responsabilidade de liderar, seja
em qual esfera for considerada, quer na nação, quer em nossos lares, farão bem
em buscar conselhos junto àqueles que são sábios nos assuntos sobre os quais
tenham que deliberar, e não tenham um adequado conhecimento ou experiência
quanto ao que seria a melhor forma de proceder.
Se não houver uma sábia direção, o resultado imediato é a
queda do povo, pois Deus planejou a vida em sociedade de tal forma, que em
todos os seus níveis, somente poderá haver uma boa condução dos assuntos de
interesse geral, caso haja uma liderança sábia e capacitada para orientar no
que for necessário, de modo que não se veja como ocorria no período conturbado
dos Juízes de Israel, quando cada um agia de acordo com sua própria vontade, e
o resultado disto não pode ser outro, senão a ruína.
Logo, bem fará tanto a comunidade, quanto o líder, em
buscarem a direção no Sábio dos sábios ,
que é Deus, e no Manual de instrução dos manuais, que é a Sua Palavra, para que
possam de fato gerir todos os negócios da forma justa e adequada pela qual
convém serem geridos.
15 Decerto sofrerá prejuízo aquele que fica por fiador do estranho; mas
o que aborrece a fiança estará seguro.
Não podemos colocar por fiança, de modo indiscriminado,
aquilo que não é propriamente nosso, pois em tudo o que temos neste mundo, nada
somos senão apenas mordomos dos bens que Deus tem colocado a nosso dispor, para
serem usados com sabedoria.
Não é, portanto uma atitude sábia e sensata colocar sob risco
de perda o que nos foi dado para ser administrado, por colocá-lo na condição
insegura de risco ou não, pela deliberação de outros.
O provérbio não generaliza, todavia todo o tipo de fiança,
pois fala da imprudência em fazê-lo com o estranho, ou seja, com alguém cuja
reputação de responsabilidade, honestidade em saldar seus compromissos
assumidos, não seja devidamente conhecido por nós.
Ainda que o estranho seja responsável e honesto, caso não o
conheçamos, não vale a pena correr o risco.
16 A mulher graciosa obtém honra, e os homens poderosos obtêm riquezas.
Temos visto em todos os provérbios, da boca de alguém que foi
o mais rico e poderoso de todos os homens – Salomão – que a honra é melhor do
que a riqueza.
E aqui, neste provérbio, ele diz que até uma mulher que não
era devidamente considerada na sociedade de seus dias, estaria em melhor
condição honrosa, do que os homens poderosos que obtêm riquezas, porque os
expedientes destes muitas vezes é o engano e a violência, mas o da mulher
graciosa, ou seja, cheia da graça e virtude de Deus, é o seu bom proceder segundo
os caminhos do Senhor. Está será de fato, mais honrada diante dos homens do que
estes poderosos ricos.
E, quanto mais o será diante de Deus, que julga retamente
segundo o que há em nosso coração, e não segundos bens e poder que temos
adquirido.
17 O homem bondoso faz bem à sua própria alma; mas o cruel faz mal a si
mesmo.
Ao afirmar que o homem bondoso faz bem à sua alma, o
provérbio não quer significar que ele anda buscando e fazendo coisas boas para
si mesmo, senão que, ao andar no caminho da retidão e do bem, conforme definido
por Deus, o resultado é que a sua alma é beneficiada, pois não é possível
encontrar-se a Cristo e sua justiça quando se anda nos caminhos da impiedade.
Cristo será sempre achado quando nos voltarmos para o amor à
verdade, à justiça e à bondade, não conforme definidos pelos homens, mas pela
Palavra de Deus; por conseguinte, os que frequentam a escola da crueldade estão
na verdade fazendo mal a si mesmos, pois são ensinados a caminhar por caminhos
de morte e não de vida; de destruição, e não de edificação.
Fazer mal a si mesmo é um ato de crueldade, pois todos fomos
criados para o amor e para o bem. Assim, é o próprio homem que é cruel para si
mesmo, e que se condena em razão de suas atitudes e atos.
Esta crueldade não é necessariamente aquela que produz danos
por requintes de malignidade, mas toda e qualquer condição de afastamento dos
princípios revelados na Palavra de Deus. É cruel virar as costas para um Deus
de amor e para todos os Seus atos de justiça e bondade que nos ensina nas
Escrituras, para viver e fazer afinal, aquilo que contraria tanto a Sua pessoa
e vontade.
18 O ímpio recebe um salário ilusório; mas o que semeia justiça recebe
galardão seguro.
Por maior que seja a remuneração que é auferida por um ímpio,
pode ser dita da mesma que é ilusória, porque não há nela qualquer recompensa
ou favor embutidos, já que não trazem consigo a aprovação de Deus, uma vez que
vive na prática da impiedade, e o único salário real e duradouro para o pecado
é a morte.
É lamentável que o mundo atual considere um sinal de grande
prosperidade e bênção da parte de Deus, que alguém tenha alcançado posições e
cargos elevados nos quais são auferidas grandes remunerações.
Quão ilusório isto é, alerta-nos a Palavra do Senhor. Pois a
glória do ímpio passará como a flor da erva e não pode subsistir para sempre, nem
trazer o verdadeiro contentamento que é decorrente de uma boa consciência para
com Deus e com todos os homens.
Não há maior recompensa do que aquela que é concedida ao que
tem um bom nome – o nome de crente fiel ao seu Deus. Este terá uma recompensa
estabelecida sobre um firme fundamento, que jamais poderá ser removido.
A maior parte dos provérbios consiste em apresentar as
diferenças que existem entre os justos e os ímpios, destacando suas ações e o
fruto do seu proceder, notadamente quanto ao juízo final divino que será
diferente para ambos.
Pode parecer um tema anacrônico para muitos, num mundo em que
tem havido tanto avanço na criação de leis e organismos que visam promover a
justiça, porém nunca é demais lembrar que a corrupção, e os atos de violência e
impiedade são uma constante em nossos noticiários cotidianamente.
Este é um mal do qual a humanidade jamais será curada, a não
ser pela conversão a Jesus Cristo e prática dos seus mandamentos.
Tudo o mais tem se mostrado ineficaz, sejam programas
educativos, sejam investimentos em informação e desenvolvimento de processos
tecnológicos, pois a corrupção é algo que está inerentemente ligado ao coração
humano, bastando que encontre as condições e vantagens que lhe sejam
favoráveis, e logo se manifestará, especialmente naqueles que ocuparem cargos
em que têm a possibilidade de ingerir em assuntos financeiros.
O que está acontecendo no Brasil, e em muitas outras partes
do mundo em nossos dias atestam completamente que os alertas de provérbios não
são anacrônicos, mas um tema mais atual do que nunca, pois nunca antes se falou
tanto de escândalos financeiros e prática criminosas de todo o tipo como agora.
Nunca, tantos lucraram injustamente à custa da exploração de muitos.
19 Quem é fiel na retidão se encaminha para a vida, e aquele que segue o
mal encontra a morte.
Jesus diz que o que é fiel no pouco também é sobre o muito, e
que aquele que é infiel no pouco também o será sobre o muito.
A medida da nossa retidão não se encontra, portanto no quanto
somos honestos e justos em relação aos grandes assuntos da vida, senão nos
pequenos.
Uma pequena quantia, por mais irrisória que seja, que mantida
desonestamente dá provas da nossa infidelidade para com Deus, e pode vir a ser
a causa de não sermos colocados por Ele sobre a administração das grandes
coisas relativas aos Seus interesses e negócios.
Ser fiel em ser justo, em todos os aspectos é o melhor
negócio, assim como é dito popularmente, que ser honesto é a melhor política.
Isto não deve ser encarado como rigor legalista, que não se perdoe
sequer as pequenas faltas que ocorram por lapso de memória ou ignorância do que
nos é devido fazer, pois Deus interpõe também o perdão de dívidas e o amor,
como uma obrigação para ser observada e cumprida por todos.
O que está em foco é o interesse em se agir de modo honesto e
reto em todas as coisas, e de se fazer a devida reparação e restituição, sempre
que esta for necessária.
Veja agora o desonesto, gabando-se dos seus grandes feitos,
pelos quais tem obtido vantagens ilícitas – se o mal não o apanhar ainda aqui
neste mundo, por uma ação revanchista daqueles que foram enganados por ele, ou
ainda pela ação dos tribunais de justiça, é certo que não será tido por impune
quando tiver que comparecer perante o tribunal de Deus. Isto significaria para
ele felicidade ou tristeza? Vida ou morte?
Todos estes contrastes apresentados entre as bem-aventuranças
dos justos e a ruína dos ímpios, não têm o propósito de exaltar méritos para os
justos, pois tudo o que são e têm é pela pura graça divina; nem para desprezar,
ofender ou humilhar os ímpios, senão para alertá-los quanto ao caminho de
destruição que estão seguindo, do qual fariam bem em se desviar, por se
converterem a Deus e aos Seus caminhos.
Deus afirma expressamente que não tem qualquer prazer na
morte do ímpio, senão que ele venha a encontrar a vida convertendo-se dos seus
maus caminhos.
20 Abominação para o Senhor são os perversos de coração; mas os que são
retos em seu caminho são o seu deleite.
Ainda que o perverso de coração esteja em boa estima diante
de muitos, em razão do poder e riqueza mundanos que possua, todavia perante
Deus será sempre uma abominação, porque Ele não olha para o que o homem é
exteriormente e nem para o que ele possui, senão para o que há no seu coração.
Sabendo que o deleite do Senhor são aqueles que andam por
retos caminhos, faríamos bem em investigar na Palavra de Deus, pedindo
orientação e instrução ao Espírito Santo para abrir nosso entendimento, a fim
de compreender de modo adequado quais são estas coisas que devemos viver e
praticar para que sejamos agradáveis a Deus.
Aqui mesmo, no livro de Provérbios há muitas coisas que dizem
respeito às atitudes e comportamentos que nos convém. Deveríamos estar sempre
preocupados em saber o que Deus odeia e o que ama, para que possamos governar
nossos passos de tal forma, que evitemos o seu desagrado, e sejamos, por
conseguinte recomendados ao seu favor.
A graça de Jesus nos foi concedida, para que fazendo uso dela
possamos atingir este objetivo citado.
O coração que vive na impiedade, ou seja, sem estar devotado
a Deus, e é governado pela iniquidade, a saber, por tudo o que não diz respeito
às suas leis e mandamentos, é dito daqueles que o possuem, serem uma abominação
para o Senhor.
Eles lhe aborrecem e não podem contar com o seu favor, senão
com os seus juízos.
21 Decerto o homem mau não ficará sem castigo; porém a descendência dos
justos será livre.
Os juízos de Deus sobre os justos, a saber, aos que se
tornaram seus filhos por meio da fé em Jesus Cristo, são juízos disciplinadores
e corretivos, para o bem e aperfeiçoamento deles.
Todavia, os juízos sobre os ímpios que não se dispõem a
conhecer e a fazer sua vontade são juízos sob a forma de castigo, como
retribuição às suas más obras.
Sabemos que os descendentes de um justo, não são
necessariamente também, todos justos quanto ele. Então, a descendência referida
no provérbio que é livre dos juízos de Deus não é a natural, senão a
espiritual, daqueles que seguem nos mesmos passos de justiça de seus pais.
A impiedade de um filho não será justificada por Deus pela
retidão de seu pai, e a recíproca é verdadeira, conforme Ele o tem declarado em
Sua Palavra.
22 Como joia de ouro no focinho de uma porca, assim é a mulher formosa
que não tem discrição.
A linguagem da ilustração aqui empregada é pesada, mas atende
ao propósito de alertar quanto à verdade que há na afirmação que é feita.
Pois, assim como uma joia no focinho de um suíno não o adorna
em razão da sua natureza, e nem mesmo lhe aproveita, pois não tem consciência
do seu valor, mas certamente a destruirá; de igual modo sucede com a mulher que
é dotada de dons naturais de beleza exterior, porém não segue o caminho da
discrição.
Uma mulher sem discrição é alguém cuja conversação é fútil e
dissoluta. A beleza do seu corpo, ainda que seja comparada a uma joia de ouro
ou diamante, não lhe será de qualquer real valor se estiver chafurdada na lama
da concupiscência, por possuir uma consciência contaminada pelo pecado.
23 O desejo dos justos é somente o bem; porém a expectativa dos ímpios é
a ira.
Ao afirmar que o desejo dos justos é somente o bem, o
significado disto é que eles se inclinam e são conduzidos pela graça de Deus
que neles atua, para aquilo que bom e não para o que é mau.
De fato, não há no coração de qualquer crente genuíno, o
desejo de viver para fazer mal ao seu próximo, pois se assim fosse, comprovaria
que o amor de Cristo não foi de fato derramado em seu coração pelo Espírito
Santo.
Já dificilmente se verá um ímpio desejando o que seja
realmente abençoador para seu próximo, pois não há em sua natureza esta
disposição, uma vez que isto nos vem do alto, por uma nova natureza recebida de
Deus.
Com este proceder e a permanência nele, o que fazem é somente
chamarem sobre si a ira de Deus, sob a qual eles permanecerão, se não forem
resgatados da ira e da maldição por Jesus Cristo.
Além disso, suas expectativas, especialmente sobre aqueles
que consideram tê-los ofendido, ainda que seja uma imaginação injustificada,
são voltadas para que sejam amaldiçoados ou castigados por Deus; pois não podem
abençoar os que os amaldiçoam ou bendizer os que lhes perseguem.
Assim, esperam e desejam o mal para os outros; isto deve se
voltar sobre si mesmos, pois é dito que o juízo de Deus será sem qualquer
misericórdia sobre aquele que não usou de misericórdia, e não serão perdoados
por Ele aqueles que não perdoaram seus ofensores.
24 Um dá liberalmente, e se torna mais rico; outro retém mais do que é
justo, e se empobrece.
Este provérbio cumpre a promessa de Jesus Cristo, de que “será
dado a quem der”. A fórmula para receber as bênçãos de Deus é dar
desinteressada e gratuitamente, aquilo que temos também recebido dEle
gratuitamente.
A caridade e a generosidade serão recompensadas por Ele,
ainda que seja um copo de água fria dado por amor a Ele.
De contrapartida, a avareza empobrece, pois retendo aquilo
que nos fora dado para ser compartilhado, a seu tempo Deus retirará de nós até
mesmo esta parte que havíamos retido.
Quanto mais semearmos, mais colheremos. Esta lei natural
também é aplicável ao reino espiritual. Agora, importa que isto seja feito com
alegria e por amor ao cumprimento ao mandamento divino, e não pra atender fins
egoístas de enriquecimento e prosperidade.
A forma e intenção com que fazemos as coisas é tão ou mais
importante para Deus, do que o ato propriamente dito.
Aquele que retém seus bens, quando deveriam ser despendidos,
sobretudo para aqueles que estão debaixo do seu cuidado, como um esposo em
relação à esposa, e os pais em relação aos filhos, hão de ser encontrados
vivendo de modo miserável e desprovido da graça de Deus, porque ele não aprova
este tipo de comportamento desprovido de amor e cuidado.
25 A alma generosa prosperará, e o que regar também será regado.
De tão acostumados que estamos a
associar presentemente, a palavra prosperidade a conquistas materiais, em
razão, sobretudo da práxis teológica que a ensina num grande número de igrejas,
tanto quanto é ensinado no mundo, já que a pessoa que é considerada vitoriosa e
bem-sucedida na vida é aquela que tem acumulado muitos bens terrenos; não
conseguimos vislumbrar de modo adequado,
qual é o uso que o sábio faz da mesma nas Escrituras.
Prosperidade, não apenas nos
Provérbios como em todos os demais livros da Bíblia, aponta para aquela
condição abençoada de se estar debaixo do cuidado e aprovação de Deus,
independentemente das circunstâncias em que estejamos vivendo, sejam elas
agradáveis ou não.
Mesmo estando numa prisão
egípcia, poder-se-ia dizer de José que era próspero para com Deus, pois estava
cumprindo exatamente o desígnio divino para sua vida, ao viver de modo reto
debaixo da injustiça que estava sofrendo.
Isto pode ser dito do apóstolo em
suas prisões, e de todos os mártires que forem perseguidos por causa do seu
amor a Cristo e ao evangelho.
Aqui se fala de prosperidade da
alma, e não do corpo. É importante o uso da palavra hebraica “nefesh” neste
texto de provérbios, pois indica mais claramente a que tipo de prosperidade seu
autor está se referindo – a da alma – e não há alma que prospere aparte da
comunhão com Deus.
A causa apontada para a
prosperidade é a generosidade. Não o exercício da fé para alcançar resultados,
ou a observância de qualquer cerimônia ou prática religiosa para que seja
alcançada.
A alma generosa é aquela que
busca compartilhar com outros, aquilo que tem recebido de Deus. É aquela que dá
testemunho da salvação e da graça que tem possuído da parte de Cristo.
A razão disto é porque é
impulsionada pelo amor de Deus, em razão do Espírito Santo que nela habita,
cujo ministério é o de dar testemunho da vida e salvação que há em nosso Senhor
Jesus Cristo.
Ele pode regar outros com a graça,
porque não cessa de ser regada por Deus sobre a sua própria vida, pela sua
disposição em compartilhar a vida abençoada que tem recebido com outros.
É importante que se frise, que
geralmente isto é feito no meio de muita tribulação e oposição dos espíritos
das trevas, conforme podemos ver no testemunho de todos os apóstolos na Bíblia,
e na vida daqueles que foram mais operosos na história da Igreja.
Em razão disso, não é por este
tipo de prosperidade que está interessado, um grande número de religiosos de
nossos dias.
Eles querem a rosa, mas sem os
espinhos. Eles querem a semeadura, mas sem as lágrimas. Porém, eles sempre se
acharão associados enquanto estivermos neste mundo de trevas em que vivemos.
Os que espalham a graça são
generosos em fazê-lo com abundância, pois sabem que assim como o conhecimento
não ocupa espaço, e os pensamentos não se esgotam quanto mais são exercidos, de
igual forma, a graça que é usada por amor a Cristo faz com que recebamos mais
graças, e não há limite para as bênçãos que nos são concedidas por Deus.
26 Ao que retém o trigo o povo amaldiçoa; mas bênção haverá sobre a
cabeça do que o vende.
O teor de significado deste
provérbio acompanha o do anterior, mediante o uso de uma ilustração comercial.
Os dons de Deus nos são
concedidos para serem multiplicados e concedidos a outros. O propósito divino
não é o de que os acumulemos egoisticamente para nós mesmos, e o nosso
exclusivo benefício.
O obreiro deve receber salário
pelo trabalho que faz, mas este trabalho nunca deve ser para seu benefício
exclusivo.
Os dons são concedidos com o
propósito de promover e incentivar o amor de uns pelos outros. Por isso são
abundantes e não se esgotam, enquanto bem usados, pois o propósito é que muitos
sejam abençoados por eles.
Há um rio de águas vivas que
nunca deixa de fluir, e suas águas nunca secam, senão que transbordam em nosso
interior saltando para a vida eterna, pois o efeito delas é o de produzir vida
eterna naqueles que as recebem, a partir do seu fluir em nosso coração.
Agora, imagine o celeiro que está
repleto com o trigo da vida, sendo trancado por aquele que tem o dever de
vendê-lo pelo preço da graça, com o qual foi recebido?
Que bênção pode advir da parte de
Deus sobre a cabeça de quem assim procede?
Que maior produção de trigo lhe seria
concedida e confiada, já que não se dispõe a comerciá-lo?
27 O que busca diligentemente o bem, busca favor; mas ao que procura o
mal, este lhe sobrevirá.
Com a medida que tivermos medido
seremos também medidos por Deus; de igual modo, com a medida que julgarmos,
seremos também julgados.
Falamos na parte introdutória
deste nosso livro, que é preciso conhecer para que possamos agir de modo
sensato. Assim, como poderíamos estar habilitados a buscar o bem, que é segundo
Deus, caso não o conheçamos?
E, isto não pode ser conhecido
senão por meio de muito empenho em meditarmos na Palavra de Deus, e seguirmos a
instrução e direção do Espírito Santo, que aplica a Palavra às nossas vidas.
É, sobretudo este bem a que o
provérbios se refere, que devemos buscar diligentemente. Veja que, caso seja
buscado de forma negligente e descuidada, jamais poderá ser encontrado, e assim
ficamos alijados do favor, e graça divina que decorre de encontrá-lo.
Certo pastor foi muito feliz ao
dizer o seguinte: “Você quer um culto de libertação de verdade? Então vá a um
culto que tenha estudo bíblico.”
Outro irmão em Cristo, muito sincero, mas pouco esclarecido
publicou o seguinte no facebook:
“Opinião cada um
tem a sua. Na minha, quem quiser saber o que é unção, procure algumas pregações
antigas desse homem. Não, eu não disse se alguém quiser saber o que é boa
teologia... Estou falando de unção. Foi uma bomba nas mãos de Deus, e isso é
fato. Levanta ó Deus!”
Não citarei o nome de quem fez
a postagem, nem o do pastor que aparece na foto, ao qual ele se refere, e que
se encontra totalmente dedicado a atividades políticas já faz um bom tempo. O
que quero destacar é a noção errada de dissociar unção, de boa teologia. Como
pode o Espírito Santo ungir aquilo que não corresponde a uma boa teologia, ou
seja, a verdade, já que Ele é o Espírito da verdade?
Não faz parte, portanto de
buscar diligentemente o bem que traz a bênção de Deus sobre nossas vidas, esta
noção errônea de que este bem se encontra num poder místico manifestado em
pregações emocionais e eloquência impactantes.
Lembremos que o rio que possui
pouca água faz muito barulho, do mesmo modo que uma lata vazia. Barulho, grito,
e esbravejamento nada tem a ver com a unção verdadeira, que é a operação silenciosa
do Espírito Santo em nossos corações, sobretudo transformando-os e
capacitando-os a viver do modo sábio, como nos é designado nas Escrituras.
Lembremos também, que a
diligência referida no provérbio, não se limita apenas à busca da sabedoria na
meditação das páginas da Bíblia, mas também no empenho disciplinado e contínuo
em acrescentar as graças e virtudes de Cristo às nossas vidas, conforme o
apóstolo Pedro as nomeia no primeiro capítulo da sua segunda epístola.
28 Aquele que confia nas suas riquezas, cairá; mas os justos
reverdecerão como a folhagem.
O que o mundo mais valoriza hoje em dia: a busca de um viver
justo, ou de riquezas e fama?
A que a mídia e programação virtual incentiva: à busca da
virtude, ou à aquisições de posses terrenas?
O que está sempre em evidência: o que é justo e bom, ou o que
é definido nas Escrituras como sendo uma abominação para Deus?
Não há qualquer dificuldade para responder a estas perguntas.
Então, pelo que podemos concluir desta citação proverbial inspirada por Deus, o
que a humanidade está buscando como um todo é a sua queda, e não sua elevação,
pois aquilo em que o homem moderno confia mais do que nunca é no poder do
dinheiro, nas riquezas terrenas, e não na prática da justiça procedente de Deus
e da Sua Palavra.
Mas, ninguém está obrigado a seguir esta grande procissão que
caminha para a queda e ruína eternas, antes reverdecer como a folhagem dos que
estão plantados junto a ribeiros de águas puras e cristalinas, assim como
aqueles que são nomeados como sendo bem-aventurados no Salmo primeiro, pois,
são, pelo modo justo com que vivem, continuamente renovados pelo Espírito Santo
para produzirem o fruto que é esperado por Deus.
29 O que perturba a sua casa herdará o vento; e o insensato será servo
do sábio de coração.
Deus tem uma casa para nós, não feita por mãos, nos céus,
para ser herdada por aqueles que o amam e o temem, e lavaram suas vestes no
sangue de Jesus Cristo.
Há um modo ordeiro de se andar nesta casa divina, que começa
a ser revelado aqui na terra, especialmente pelo modo como procedemos em nossos
lares.
Que esperança poderia ter um filho desordeiro, no passado,
quando foi escrito este provérbio, de vir a herdar algo da casa de seu pai?
Se ele viveu para transtornar e dissipar os bens de sua
família, que esperança poderia abrigar de ter alguma herança no futuro?
Assim, os que não tiverem sido santos na terra, jamais
poderão herdar o céu.
Já aqueles que são sensatos e administram corretamente os
bens de sua família, debaixo do temor e direção de Deus virão a ser colocados
em posição de liderança, segundo a sua boa administração, enquanto os que são
perturbadores e insensatos virão a ser servos destes que são entendidos de
coração, quando Cristo vier estabelecer seu reino em glória, em sua segunda
vinda.
30 O fruto do justo é árvore de vida; e o que ganha almas sábio é.
Jesus é a videira verdadeira e os crentes são os ramos dessa
videira. A finalidade dos ramos é a de frutificarem, para que muitos possam ser
alimentados por esses frutos.
O fruto aqui referido não é material, mas espiritual, é um
fruto que gera vida eterna, vida em abundância, pois assim é a árvore na qual
frutificam.
Onde houver este fruto sendo produzido na vida do crente,
Deus atrairá almas para que venham a se alimentar. Elas serão ganhas para o
evangelho e para a salvação, e poderão ser edificadas com este fruto da verdade
que habita naqueles que o têm produzido.
Daí se dizer no provérbio, que aquele que ganha almas dessa
forma é sábio, pois nele habita a sabedoria de Deus que o leva a investir a sua
vida e a fazer o seu negócio, em trazer almas aos pés do Salvador.
Os justos são como
árvores da vida; os frutos de sua
piedade e amor, as suas instruções, repreensões, exemplos e orações, o seu
interesse no céu, e sua influência sobre a terra, são como os frutos dessa
árvore, precioso e útil , contribuindo para o apoio e alimento da vida
espiritual em muitos.
31 Eis que o justo é castigado na terra; quanto mais o ímpio e o
pecador!
Um grande dilema permeia o pensamento de muitos, quanto a
considerarem como pode um Deus justo permitir que o justo sofra juntamente com
o ímpio.
Deus, de fato não poupa seus filhos amados de tribulações e
aflições, pois Ele repreende e disciplina a todos quantos ama.
Se há então, um sofrimento comum, todavia há um propósito
diferente em ambos, pois se o justo é castigado como um filho para correção, o
ímpio e o pecador que permanece deliberadamente na prática do pecado,
afrontando a soberania de Deus é castigado com juízos, cujo propósito não é o
de corrigir e aperfeiçoar, pois não haveria qualquer proveito nisso, senão
apenas o de dar a cada um a justa recompensa por suas obras.
Assim, é justo que aquele que vive da prática do mal receba
também o mal por recompensa.
O apóstolo Pedro se refere ao teor deste provérbio usando
outras palavras, ao dizer que; se o juízo começa pela casa de Deus, onde
comparecerá o ímpio e o pecador? (I Pe 4.17,18).
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