“1 Ouvi, filhos, a instrução do pai, e estai atentos para
conhecerdes o entendimento.
2 Pois eu vos dou boa doutrina; não abandoneis o meu ensino.
3 Quando eu era filho aos pés de meu, pai, tenro e único em estima
diante de minha mãe,
4 ele me ensinava, e me dizia: Retenha o teu coração as minhas
palavras; guarda os meus mandamentos, e vive.
5 Adquire a sabedoria, adquire o entendimento; não te esqueças nem
te desvies das palavras da minha boca.
6 Não a abandones, e ela te guardará; ama-a, e ela te preservará.
7 A sabedoria é a coisa principal; adquire, pois, a sabedoria;
sim, com tudo o que possuis adquire o entendimento.
8 Estima-a, e ela te exaltará; se a abraçares, ela te honrará.
9 Ela dará à tua cabeça uma grinalda de graça; e uma coroa de
glória te entregará.
10 Ouve, filho meu, e aceita as minhas palavras, para que se
multipliquem os anos da tua vida.
11 Eu te ensinei o caminho da sabedoria; guiei-te pelas veredas da
retidão.
12 Quando andares, não se embaraçarão os teus passos; e se
correres, não tropeçarás.
13 Apega-te à instrução e não a largues; guarda-a, porque ela é a
tua vida.
14 Não entres na vereda dos ímpios, nem andes pelo caminho dos
maus.
15 Evita-o, não passes por ele; desvia-te dele e passa de largo.
16 Pois não dormem, se não fizerem o mal, e foge deles o sono se
não fizerem tropeçar alguém.
17 Porque comem o pão da impiedade, e bebem o vinho da violência.
18
Mas a vereda dos justos é como a luz da aurora que vai brilhando mais e mais
até ser dia perfeito.
19 O caminho dos ímpios é como a escuridão: não sabem eles em que
tropeçam.
20 Filho meu, atenta para as minhas palavras; inclina o teu ouvido
às minhas instruções.
21 Não se apartem elas de diante dos teus olhos; guarda-as dentro
do teu coração.
22 Porque são vida para os que as encontram, e saúde para todo o
seu corpo.
23
Guarda com toda a diligência o teu coração, porque dele procedem as fontes da
vida.
24 Desvia de ti a malignidade da boca, e alonga de ti a
perversidade dos lábios.
25 Dirijam-se os teus olhos para a frente, e olhem as tuas
pálpebras diretamente diante de ti.
26 Pondera a vereda de teus pés, e serão seguros todos os teus
caminhos.
27 Não declines nem para a direita nem para a esquerda; retira o
teu pé do mal.”
No verso 18 é afirmado que o caminho dos
justos é como a luz da aurora que vai brilhando mais e mais até ser dia
perfeito; ou seja, haverá um crescimento em graus na sua santificação pelo
Espírito, de glória em glória até a plena maturidade em Cristo. E o modo de se
obter isto é principalmente pelo que se diz no verso 23: “Guarda com toda a
diligência o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida.”. Porque Deus
prometeu que na Nova Aliança escreveria a Sua lei nas nossas mentes e corações
(Jer 31.31-34). E é com o coração que se crê para a salvação. É dele que
procede o mal ou o bem. Boas ou más palavras. É o que sai dele que contamina ou
purifica o homem. Então a nossa união com
Cristo é basicamente uma união de coração, do espírito, do homem interior.
Então é importante sabermos em que consiste este guardar com toda a diligência
o coração, por ser dele que procedem todas as fontes da vida eterna que temos
em Cristo. Para tal propósito, recorremos em nosso comentário a um texto
adaptado de autoria de John Flavel:
“Sobre Guardar o Coração
Por John Flavel (adaptado)
“Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele
procedem as fontes da vida.” (Pv 4.23).
O texto é muito claro e mostra que não há nada mais importante para
ser guardado por nós do que o nosso próprio coração.
O coração do homem é a pior parte dele antes de ser regenerado, e é a
melhor posteriormente; porque é a base de princípios, e a fonte de ações. O
olho de Deus está, e o olho do crente deveria estar também fixado
principalmente no coração.
A maior dificuldade na conversão, é dar o coração a Deus; e a maior
dificuldade depois da conversão, é guardar o coração com Deus. Aqui repousa a
força mesma e a tensão da religião; aqui está aquilo que faz o modo da vida ser
um modo estreito, e o portão do céu um portão também estreito.
Em nosso texto nós temos uma exortação: “guardar o coração”, e a razão, o motivo para isto: “porque dele
procedem as fontes da vida.”.
Na exortação devemos considerar primeiro o assunto do dever. E depois
consideraremos a maneira de executar isto.
1. O assunto do dever: Guarda o teu coração. Coração aqui é uma
referência à alma. Em várias passagens bíblicas tem também o significado de
memória, entendimento, consciência (Rom 1.21; I João 3.10; Sl 119.11 etc).
Mas no nosso texto devemos considerar o coração como uma referência à
alma ou homem interior.
O que o coração é para o corpo, a alma é para o homem; e o que a saúde
é para o coração, a santidade é para a alma. O estado de todo o corpo depende
da inteireza e vigor do coração, e o estado eterno do homem e sua saúde
espiritual depende da sua alma. Por isso há uma correlação metafórica do
coração com a alma.
Guardar o coração, com entendimento diligente e constante* uso de
todos os meios santos para preservar a alma do pecado, e manter sua doce e
livre comunhão com Deus.
* Eu digo constante, porque se o coração deve ser guardado, então a
diligência no uso dos meios santos (oração, meditação na Palavra etc) deve ser
também guardado constantemente.
A ideia no texto para guardar o coração corresponde a uma guarnição
sitiada, que é atacada por muitos inimigos, e mesmo correndo o perigo de ser
traída por cidadãos traiçoeiros que se encontram em suas próprias fileiras –
nisto se incluem nossos próprios pecados e as ações danosas de falsos irmãos em
Cristo da própria Igreja.
Guarde o teu coração – parece ser uma ordem para fazermos este
trabalho, mas não insinua que devemos fazer isto por nossa própria suficiência.
Não somos capazes de parar o sol em seu curso, ou fazer os rios
correrem para trás, e como por nossa própria vontade e poder governaremos os
nossos corações?
Sem dúvida este é um trabalho para o poder da graça de Deus porque
Jesus diz que sem Ele nada podemos fazer.
2. A maneira de executar isto é com toda a diligência. O motivo para
este dever é muito pesado: “Porque dele procedem as fontes da vida”. Isto é, o
coração é a fonte de todas as operações vitais; é a fonte e origem tanto do bem
quanto do mal.
Da abundância do coração fala a boca.
Guardar o coração, necessariamente supõe um trabalho prévio de
regeneração que deu ao coração uma inclinação espiritual nova, porque se faltar
graça ao coração ninguém poderá guardá-lo corretamente diante de Deus.
Antes da queda no Éden, o homem se encontrava numa condição constante,
uniforme de espírito, e sua mente tinha um conhecimento perfeito das exigências
de Deus, e todos os seus poderes e desejos encontravam-se numa disposição
obediente.
Mas, depois da queda o homem se tornou uma criatura rebelde, oposto ao
seu Criador, e assim ficou totalmente desordenado, e todas suas ações são
irregulares. Mas através da regeneração a alma desordenada é preparada para a
retidão, em sujeição e obediência à vontade de Deus. A compreensão é iluminada,
a vontade rebelde é gradualmente conquistada. Assim a alma que o pecado havia
depravado universalmente, é restabelecida pela graça.
Então este dever de guardar o coração nada mais é do que o cuidado
constante e diligência de tal homem renovado em preservar a sua alma naquela
condição santa para a qual a graça a elevou.
Porque embora a graça tenha, em uma grande medida, restaurado a alma,
e dado à mesma uma disposição divina habitual, contudo o pecado frequentemente
a descompõe, e a alma é então como um instrumento musical que necessita estar
sempre sendo afinado.
Assim, é necessário estar sempre preparando o coração para aquela
condição espiritual que possibilita a nossa comunhão com Deus.
Davi comungava com o seu próprio coração para saber se ele estava indo
para a frente ou indo para trás. E o coração nunca pode ser guardado até que
seu caso seja examinado e entendido.
Esta preparação do coração inclui uma humilhação profunda para os
males e desordens do coração.
Inclui também uma súplica séria em oração para que o coração seja
purificado e retificado pela graça toda vez que o pecado o tiver sujado e
desordenado. Devemos pedir um coração que ame a Deus e odeie o pecado.
Guardar e preparar o coração inclui impor um forte compromisso em nós
mesmo para caminharmos mais cuidadosamente com Deus e evitar as ocasiões por
meio das quais o coração possa ser induzido a pecar.
E este forte compromisso deve ser motivado por um santo temor de Deus,
especialmente para não entristecer o Espírito Santo, que é o nosso Consolador
amoroso e fiel.
E para isto é preciso termos sempre a presença de Deus fixada diante
de nós, sabendo que nada escapa da Sua vista, em razão da Sua Onisciência e
Onipresença.
Trabalhar o coração é realmente o trabalho mais difícil e necessário
que devemos fazer. Não é fácil adquirir um coração quebrantado para o pecado,
derretido com a graça quando bendizemos a Deus por isto, e estar realmente
humilhado e envergonhado diante da santidade de Deus, e guardar o coração nesta
condição, não somente durante a realização do nosso dever, mas depois dele,
trará certamente alguns gemidos e dores de alma.
Reprimir os atos externos de pecados é louvável, e até mesmo pessoas
carnais podem fazer isto, mas matar a raiz do pecado no coração e fixar um
governo santo sobre o mesmo, isto não é nada fácil.
Guardar o coração é um trabalho constante que nunca termina enquanto
estivermos neste mundo.
Este é o negócio mais importante da vida de um crente. Sem isto nos
tornamos formalistas em religião, e todos os nossos atos nada significarão para
Deus, porque Ele sempre pede primeiro o nosso coração antes de nossas palavras
e ações.
Deus tem declarado desde os céus a Sua ira contra a maldade dos
corações, então em guardar o coração está envolvido o Seu agrado e glória.
Deus trouxe o dilúvio nos dias de Noé porque viu que a imaginação dos
corações dos homens era continuamente má. E homens com corações que abrigam o
mal e que não se dispõem para o bem, para um viver santo, não são de nenhuma
serventia para Deus, senão para serem condenados.
A sinceridade de nossa profissão de fé depende do cuidado que nos
exercitamos para guardar nossos corações. E todo homem que é descuidado quanto
à condição do seu coração é apenas um hipócrita na sua profissão religiosa.
Temos no rei Jeú de Israel um grande exemplo disto. Ele protestou ter grande
zelo por Deus, mas não tinha um coração segundo o coração de Deus, tal como
Davi.
O coração de Deus, isto é, a Sua
natureza e essência é pura santidade, e assim deve ser também o nosso coração,
e de outra forma não podemos afirmar verdadeiramente que estamos servindo ou
amando a Deus.
A hipocrisia de Simão Mago foi
revelada rapidamente porque o coração dele não era reto para com Deus.
Quando não guardamos o coração em santidade e louvamos a Deus com
nossos lábios Ele nos repreenderá por esta falsidade porque saberá muito bem o
quanto os nossos corações estão afastados dEle.
A beleza de nossa conversação surge da condição divina de nossos
espíritos. Há um brilho e beleza espiritual na conversação dos santos.
Como pode um coração desordenado produzir uma conversação ordenada?
Daí a importância de se guardar o coração. Não é muito difícil de discernir
pelas conversações dos cristãos em que estado se encontram os seus corações.
Quando o coração está concentrado nas coisas do alto e não nas que são da terra
a conversa girará em torno das coisas espirituais, celestiais e divinas.
E esta vida do céu não será achada através da busca de revelações
sobrenaturais, de se desejar ouvir Deus ocasionalmente, mas senão de um esforço
diligente em obediência à Palavra, que geralmente será antecedido por muitas
humilhações e dores do coração. Porque o método de Deus comumente é primeiro
humilhar para depois exaltar.
A Palavra não está no céu mas junto à boca e próximo do coração. Não é
preciso ir ao céu para trazer Cristo à terra. Ele habita conosco em nosso
coração e é no nosso coração que Ele deve ser buscado com toda a diligência em
obediência à Sua vontade. Este é o modo comum e geral de encontrá-lo.
Certa pessoa que se achava à beira do desespero veio a ser encontrada
em perfeita paz posteriormente por um amigo e este lhe perguntou como havia
achado tal paz, e ela lhe respondeu que não havia sido por nenhuma revelação
extraordinária, mas sujeitando sua compreensão à Bíblia e comparando seu
coração com a Palavra.
Realmente, o Espírito assegura a nossa firmeza em Cristo testemunhando
nossa adoção; e ele a testemunha de dois modos. Um dos modos é, objetivamente,
quer dizer, produzindo aquelas graças em nossas almas que são as condições da
promessa; e assim o Espírito, e as Suas graças em nós, são um: o Espírito de
Deus que habita em nós é uma marca de nossa adoção. Agora o Espírito pode ser
discernido, não na essência dele, mas nas operações dele; e discernir estas, é
discernir o Espírito; mas não podemos ter este discernimento sem uma vigilância
minuciosa, diligente e sincera do coração.
O outro modo do Espírito é testemunhando efetivamente, quer dizer,
irradiando a alma com uma graça que descobre luz, brilhando no Seu próprio
trabalho; e isto, em ordem de natureza, segue o trabalho anterior: ele infunde
primeiro a graça, e então abre o olho da alma para ver isto. Agora, desde que o
coração é o objeto dessa graça infundida, igualmente, por este modo o Espírito
testemunha a necessidade que temos de
guardar nossos corações cuidadosamente. Porque,
Um coração negligenciado está tão confuso e em trevas que as poucas
graças que se encontram nele não são normalmente discerníveis. Se os crentes
mais preciosos e laboriosos acham às vezes difícil discernir o mover do
Espírito em seus corações, o que se dirá dos crentes que são negligentes quanto
ao dever de guardarem os seus corações quanto a discernirem as suas graças?
Sinceridade! que é a coisa que deve ser buscada, repousa no coração
como um pedaço pequeno de ouro no fundo de um rio; e aquele que desejar achá-lo
tem que aguardar até que a água fique clara, e então ele verá o ouro brilhando
no fundo. E para que o coração possa estar claro e resolvido, quantas dores,
vigilância, cuidado e diligência, são requeridos!
Deus normalmente não favorece almas negligentes com os confortos da
garantia da certeza da salvação; porque ele não vai confirmar indolência e
descuido. Ele dará garantia, mas será do próprio modo dele; a ação
confirmatória dEle será unida ao nosso cuidado e diligência. Estão enganados
todos aqueles que pensam que esta garantia, ou testificação do Espírito, pode
ser obtida sem trabalho.
Ainda que um crente negligente venha a alcançar num dado momento a
garantia da certeza da sua salvação e plena aceitação por Deus, que traz paz à
alma, dificilmente ele conseguirá reter isto, em razão da sua negligência. Esta
bênção não é para indolentes mas para diligentes.
Não admira então não vermos efetivamente envolvidos e interessados na
obra de Deus e com o próprio Deus, aqueles que não são diligentes na prática da
Palavra de Deus, sendo descuidados nos deveres por Ele ordenados.
Este assunto de guardar o coração é tão delicado e sutil, que um pouco
de orgulho, vaidade, inveja ou qualquer outro descuido poderá fazer em pedaços
tudo aquilo que foi conseguido com muito esforço num grande tempo. Por isso
nunca devemos descuidar do dever de guardar o nosso coração com toda
diligência. Ninguém deve se iludir pensando que poderá tirar férias de Deus por
um único dia que seja e ser achado no dia seguinte nas mesmas condições
espirituais em que se achava antes.
A melhoria de nossas graças depende de guardar os nossos corações. Eu
nunca vi a graça prosperar numa alma descuidada. Os hábitos e as raízes da
graça devem ser plantados com diligência no coração; e quanto mais
profundamente eles estão arraigados, mais a graça florescerá. Em Efésios 3.17,
nós lemos sobre estar arraigados em
graça; graça no coração é a raiz de toda palavra de edificação que sai da boca,
e de todo trabalho santo feito pelas mãos.
É verdade, que Cristo é a raiz de um crente, Mas Cristo é a raiz
original, e a graça é uma raiz originada, plantada, e influenciada por Cristo.
Agora, num coração não guardado com cuidado e diligência, estas influências
estão paradas e em vez de frutificação, a graça será quebrada por uma multidão
de vaidades e todas as obras da carne que devorarão a sua força; e o coração
que é a sede destas operações será conformado a estas influências que operam
contra a graça divina.
No coração descuidado operarão multidões de pensamentos vãos e tolos
que trabalharão continuamente, e lançando também continuamente fora aqueles
pensamentos espirituais de Deus que lá se encontravam anteriormente, e pelos
quais a alma estava sendo refrigerada.
E o coração descuidado não pode receber e reter a graça que cai
continuamente do céu como chuva sobre as almas, e fica como uma terra seca e
estéril, incapaz de sustentar uma boa plantação divina, tal como o autor de
Hebreus o retrata em Heb 6.4-6.
Um coração descuidado é como uma cisterna rachada que não pode reter
as águas vivas do Espírito Santo. Elas se escoarão e não poderão ser
desfrutadas e usadas para operar através de nós os bons propósitos de Deus em
relação a nós e àqueles aos quais Ele abençoaria por nosso intermédio, caso
tivéssemos guardado o nosso coração.
A estabilidade de nossas almas na hora da tentação depende do cuidado
que nós temos em guardar nossos corações. O coração descuidado é uma presa
fácil para Satanás, que sempre anda em derredor procurando um descuidado a quem
possa tragar. Os dardos inflamados de Satanás são disparados principalmente
contra o coração, porque se ele ganhar o coração, ele ganhará o homem todo, e
torna-se muito fácil a sua conquista quando consegue vencer o coração
descuidado.
Então é grande sabedoria observar quais são os primeiros movimentos do
coração, quando a mente é submetida à apreciação de um objeto desejável. Porque
os movimentos do pecado são mais fracos no princípio e tendem a aumentar pela
excitação da mente e da imaginação. Um pouco de cuidado e vigilância logo neste
primeiro momento da tentação pode ajudar a prevenir muito dano futuro. E o
coração descuidado que não atende a isto é trazido para dentro do poder da
tentação, como os sírios foram trazidos por Eliseu para o meio de Samaria,
antes que eles soubessem onde se encontravam.
Como vimos, este trabalho de guardar o coração deve ser um trabalho
diário, constante, permanente, mas há épocas que requerem uma vigilância maior
sobre o coração, em razão do grande perigo que elas representam para nós:
A primeira época é o tempo de prosperidade. O coração deve ser
guardado mais intensamente em períodos de prosperidade, seja de qual natureza
for, material, financeira, ou da própria obra de Deus, porque é muito comum ser
tentado a se tornar orgulhoso nestas ocasiões, e no caso de prosperidade
material há também a tentação de se tornar mundano e carnal. É difícil para
qualquer homem manter-se humilde na prosperidade. Até o piedoso rei Ezequias
não pôde esconder um temperamento vanglorioso em sua tentação, quando expôs as
riquezas de Judá à embaixada de Babilônia, como que se aquela prosperidade
fosse fruto da força do seu próprio braço, e não dádivas que haviam sido dadas
graciosamente pelo Senhor.
Há várias ajudas para guardar o coração das armadilhas perigosas da
prosperidade.
1. Considere as tentações que acompanham uma condição agradável e
próspera. Poucos, que vivem ricamente nos prazeres deste mundo sabem que lhes
aguarda uma condenação eterna. Jesus pessoalmente alertou sobre o perigo das
riquezas e da impossibilidade de se servir a Deus e ao dinheiro.
2. Pode ajudar a nos guardar mais humildes e alertas quanto à prosperidade, considerar quantos
cristãos se tornaram piores por causa
disto. Muitos chegaram a apostatar da fé, conforme dizer de Paulo em I Tim
6.
3. Consideremos que Deus não avalia nenhum homem por estas coisas. Ele
nunca avalia pelo exterior senão pelo coração.
4. O coração pode ser guardado humilde considerando que nenhum bem
deste mundo pode alimentar a alma. Coisas matérias não podem satisfazer o que é
espiritual e imaterial. Além disso, nada levaremos conosco deste mundo quando
formos para a presença de Deus. E o amor ao mundo nos impede de experimentar e
viver no amor de Deus.
5. Nossa esperança em Cristo não é para este mundo, mas para a vida
eterna e em perfeita glória ainda por vir a se manifestar em nós. Estamos no
mundo mas não somos do mundo porque fomos comprados pelo sangue de Jesus para
sermos propriedade exclusiva de Deus, e assim é somente para Ele e para a Sua
glória que devemos viver. Então tudo o que fizermos no mundo, seja comendo, bebendo,
vestindo-se, trabalhando, ou o que for, deve ser feito em Deus e para a Sua
glória, e não para satisfazer o nosso ego e nossos objetivos egoístas.
6. Uma verdadeira atração de outros para Cristo através de nossas
vidas nunca será motivada pelas riquezas terrenas que eles observarem em nós,
mas pela abundância de graças espirituais que existirem em nós.
Nós vemos na Bíblia e na história da Igreja, que as pessoas que foram
mais usadas por Deus não foram aquelas ás quais ele proveu de grandes glórias
terrenas e que as poupou de provações. Ao contrário geralmente os que foram
mais humilhados, foram os que foram elevados diante dEle em grande autoridade
espiritual. E quanto mais eles se rebaixavam perante Deus, mais Ele os elevou
diante dos homens. Jacó reconheceu que não era merecedor da menor de todas as
misericórdias de Deus, e Ele fez dele o patriarca de Israel. Davi indagou ao Senhor quem ele era e quem
era a casa do seu pai para lhe ter feito a promessa de estabelecer a sua casa e
o seu reino para sempre? Assim, quanto mais uma pessoa se rebaixa perante Deus,
mais Ele a eleva.
A segunda época na vida de um crente, que requer mais do que diligência comum para guardar o seu
coração, é o tempo da adversidade. Quando a Providência o desaprova, e destrói
seus confortos externos, então vigie seu coração; guarde-o com toda a
diligência para que não desfaleça debaixo da potente mão de Deus; porque são
dificuldades que têm o propósito de aumentar a nossa santidade.
É muito difícil manter o espírito composto debaixo de grandes
aflições. Mas são estas aflições que podem tornar melhores os nossos corações. Vejamos então o que pode nos ajudar
a guardar o coração quando debaixo de aflições:
1. As aflições nos vêm através de deliberação. Elas são ordenadas por
esta deliberação de Deus para serem meios de provimento de bem espiritual aos
santos. Por isso Jesus recomendou a termos bom ânimo nelas para que possa ser
cumprido o propósito do nosso aperfeiçoamento em paciência e aumento de fé, por
mantermos a confiança em Deus enquanto passamos por elas. Especialmente por
este meio serão purgadas as nossas iniquidades. Elas são servas de Deus para
baixar o nosso orgulho e segurança carnal, de maneira a aprendermos a não
confiarmos em nós mesmos, ou na nossa capacidade e poder, bem como nos demais
homens, senão somente no Deus que ressuscita os mortos. A graça fará o seu
trabalho em meio às nossas fraquezas e ela nos bastará.
Assim, se têm sido muitas as nossas aflições, grande deve ser a nossa
alegria, conforme diz Tiago, porque Deus está fazendo um grande trabalho em
nós, para grandes propósitos. E isto será um sinal de que Ele tem aceito de
fato a nossa consagração ao nos contemplar com estes meios poderosos que visam
ao nosso aperfeiçoamento espiritual.
Como Davi, no Salmo 130, em vez de nos abatermos nas profundezas em
que são colocadas as nossas almas, nós devemos confiar inteiramente em Deus e
clamar a Ele por socorro. O cálice amargo do nosso sofrimento é o que produzirá
a cura da nossa alma do pecado. É o que retirará de nós toda impureza da carne
e do espírito, de maneira que possamos estar santos e inculpáveis diante de
Deus. E como rejeitaríamos tão precioso remédio? Somente por ser grandemente amargo?
É de grande eficácia impedir que o coração afunde debaixo de aflições,
e voltar sua atenção ao Seu Pai celestial e aos Seus mandamentos. Não importa o
quanto soframos, saibamos que o que importa afinal é que a vontade de Deus seja
feita em nossas vidas, especialmente no que se refere à nossa transformação.
Nunca chegaremos a apreciá-lo como o Deus de todo amor, misericórdia,
paciência, bondade, longanimidade, justiça e paz se estes Seus atributos não
forem trabalhados em nossas próprias vidas. E o efeito produzido pelas
tribulações e aflições, será a melhor escola em que a nossa natureza orgulhosa
poderá aprender estas verdadeiras lições de vida, pela nossa transformação
gradual à imagem do próprio Cristo.
Não é sem dor que o barro sente as mãos do oleiro amassando-o para
receber a forma que é necessária para fazê-lo mais parecido com Cristo. E não é
com menos dores que ele suporta a fornalha acesa da aflição para que esta
imagem de Cristo possa ser estampada e finalmente fixada nele, tal como o vaso
de barro tem que ser submetido ao fogo para o seu acabamento final.
Mas como Deus é o Pai de misericórdias e de todo amor, nós devemos ter
sempre presente conosco que Ele compensará nossas aflições com Suas consolações
e demonstrações de cuidado e amor. Nós conheceremos mais do Seu amor e cuidado
no tempo de aflição do que no tempo de prosperidade. E podemos estar certos de
que assim como Ele não nos escolheu no princípio porque éramos elevados de
igual modo Ele não nos rejeitará e abandonará no tempo da nossa humilhação.
Se seu filho viesse a perder todos os seus bens e a ficar andrajoso
você negaria a reconhecê-lo como filho e se negaria a ajudá-lo a se recompor de
suas perdas? Como poderia então Deus que é perfeito Pai nos deixar entregues às
nossas próprias misérias, em completa indiferença para conosco? Argumentos que
tentam provar o contrário nos momentos extremos de nossas fraquezas procedem do
inferno e não do Pai das misericórdias. Devemos portanto guardar os nossos
corações de serem afetados por tais pensamentos.
Se pela perda de confortos externos Deus pode conservar nossa alma
livre do poder arruinador da tentação e nos conduzir a uma maior experiência de
conhecimento íntimo e pessoal dEle, como permitiríamos então que nossos
corações sejam afundados por estas aflições? Antes não há motivo para nos
gloriarmos nelas? (Tg 1.4; Rom 5.3-5).
O jovem rico se retirou triste pelo temor de perder as suas muitas
posses. Mas quem não perderá todas as suas posses terrenas quando for chamado
por Deus a sair deste mundo? (I Tim 6.7) Há sabedoria então em estarmos
apegados aos bens terrenos que não poderemos desfrutar para sempre? Seria a
falta deles um motivo real para a nossa tristeza? É neste fundamento incerto
que devemos colocar a razão da nossa esperança? (I Tim 6.17).
Quão dispostos estamos em arruinar uma alma eterna por bens terrenos
passageiros? Guardemos então o coração de não atribuir valor eterno ao que
passará, porque tudo passará conforme Cristo tem afirmado, mas não a Sua
Palavra que nos assegura a vida eterna com Deus.
E onde achará descanso o nosso coração senão em Deus? Mas como pode um
coração descuidado entrar em tão elevado e santo descanso? As corrupções do pecado que remanescem na
nossa carne deve então ser seriamente mortificadas, conforme Deus nos ordena
para que tenhamos a vida e paz do Espírito em nossos corações (Rom 8.6; 8.13).
Toda impureza de coração é inimizade contra Deus. É um estado ruim da alma que
Ele não somente não pode apreciar, como também não pode aprovar, e muito menos
aceitar como irrelevante para termos comunhão com Ele.
Deve ser buscado então em primeiro lugar este trabalho de purificação
da alma pelo Espírito Santo, para que a santa comunhão com Deus possa vir em
seguida. Primeiro ele nos santificará, colocará o nosso coração na condição que
é aceitável por Deus, e somente então poderemos subir o monte da adoração para
estarmos em Sua presença.
Não é surpreendente que tantas vezes no Velho Testamento Deus
ordenasse que primeiro o povo fosse santificado para que pudesse falar com eles
ou lhes trazer as bênçãos e unções prometidas.
Muito mais agora, que o nosso Cordeiro que tira o pecado do mundo, se
entregou por nós na cruz, há muito maiores razões para sermos purificados pelo
Espírito antes de podermos estar efetivamente em comunhão com Deus e a Seu
serviço.
Daí a grande importância de se guardar continuamente o coração, quer
na adversidade, quer na prosperidade, e nas muitas tentações que há tanto numa
quanto noutra condição, que visam nos desviar da presença de Deus por
contaminar o nosso coração com amargura, maledicência, orgulho, inveja, ciúme e
todas as demais obras da carne.
E não é demais lembrar que os nossos dias diferentemente dos dias em
que John Flavel viveu, são cheios de dificuldades, especialmente de impurezas
da carne, que estão presentes no chamado mundo civilizado, através da
imoralidade, violência, desrespeito e rebeliões que são exibidas abertamente na
televisão, no cinema, em vídeos, CD´s, outdoors e toda forma de veiculação
realizada pela mídia.
São verdadeiros ataques poderosos contra a pureza de nossos corações
contra os quais temos que não somente vigiar e evitar, como também lutar em
firme determinação para que nossos corações possam ser guardados na pureza e
santidade que são devidas a Deus.
Se era pecado de adultério olhar uma mulher com intenção impura nos
dias de Jesus, em que não havia todo o aparato de sensualidade que é produzido
em nossa época pela exibição pública do nu feminino e da pornografia, a que
tipo e grau de pecados estamos expostos continuamente em nossos dias? Não admira
que sejam chamados na Bíblia de dias difíceis, porque não será por muita
vigilância e cuidado que se poderá ter e preservar uma verdadeira e santa
comunhão com Deus.
Este é o grande desafio à santidade nesta época. Não mais as carências
materiais do mundo antigo que expunham os corações á tentação da murmuração.
Ainda que isto não esteja extinto em nossos dias, no entanto, a maior frente da
batalha está sendo travada no guardar o coração incontaminado da impureza e da
violência que assolam o mundo moderno.
A ordenança de Paulo para a Igreja de Corinto fugir da prostituição (I
Cor 6.18) é muito mais aplicável aos nossos dias do que na época em que ele
proferiu tais palavras.
Certamente era muito mais fácil para Timóteo fugir das paixões da
mocidade (II Tim 2.22) do que os nossos jovens fugirem delas em nossos dias, em
que são acostumados a pensarem que uma vida impura, imoral e dissoluta é um
padrão normal de vida como qualquer outro, sem saberem que a ira de Deus se
acende contra tais coisas.
Mais do que nunca é necessário clamar a Deus como fez Davi:
“Cria em mim, ó Deus, um coração puro, e renova em mim um espírito
reto.” (Sl 51.10).
E não há outro caminho para o jovem manter o seu caminho limpo senão
aplicar a Palavra de Deus ao seu coração:
“Com que purificará o jovem o seu caminho? Observando-o conforme a tua
palavra.” (Sl 119.9).
É melhor pois estar num deserto com o coração puro tendo ao Senhor por
companhia, do que estar no meio de todas as atrações, confortos e alegrias
mundanos, pagando o terrível preço de estarmos afastados de Deus, por nos
deixarmos vencer por muitas tentações.
Por isso não devemos rejeitar as aflições que Deus nos envia em Sua
misericórdia para nos desarraigar do nosso amor ao mundo. E aquilo que em
princípio parece derrota e frustração e motivo de tristeza para nós, pelo
desencanto com coisas e pessoas que dantes tanto prezávamos, pela sabedoria que
nos virá do alto tudo isto será visto depois como um grande e eterno ganho,
porque foram renúncias que nos foram impostas pelas circunstâncias
desagradáveis para que pudéssemos ter mais de Deus e da sua doce e santa
companhia.
Portanto, em vez de nos deixar abater pelo descontentamento a que
ficamos tentados pelos espinhos na carne, devemos aprender a ser gratos a Deus
pela graça que receberemos por suportá-los com paciência, conforme nos ordena a
Palavra:
“Alegrai-vos na esperança, sede pacientes na tribulação, perseverai na
oração;” (Rom 12.12).
Guardemos nossos corações nas aflições não permitindo que fiquemos
irritados e impacientes com elas, porque o nosso próprio descontentamento
produzirá uma grande ferida em nós, que levará depois muito tempo para ser
curada. O que devemos fazer é pedir a Deus que nos fortaleça com a Sua graça
para que possamos descansar debaixo da Sua potente mão disciplinadora e
aperfeiçoadora, sabendo que a dor da correção presente produzirá no futuro um
fruto pacífico de justiça.
A aflição é uma pílula amarga que deve ser tomada sem ser mastigada. A
ira, irritação e descontentamento em ter que tomar esta pílula fará com que a
mastiguemos e então ela amargará toda a nossa alma.
O descontentamento na aflição nada mais faz do que abrir ainda mais a
ferida que Deus fez para poder curar a nossa alma.
Uma terceira época em que a diligência para guardar o coração deve ser
maior é no tempo das dificuldades de Sião. Para Sua exclusiva glória, Deus
permite que a Sua própria igreja atravesse por períodos de elevação com grandes visitações do Espírito e
com grande aplicação da Sua Palavra, como também por períodos de escassez
espiritual. Isto é claramente observado na história da Igreja. Mas o tempo de
dificuldades espirituais não é tempo para cruzar os braços e para se descuidar
do coração. Ao contrário é tempo para se aumentar ainda mais a vigilância e
diligência para evitar o naufrágio do frágil barco da fé que conduz o povo de
Deus. A igreja é como o barco no qual Cristo e seus discípulos se encontravam
no Mar da Galileia, que sendo batido pelas ondas do mar e pelas tempestades as
almas que nele estão encontram-se prontas a naufragar em seus próprios
temores.
E o comum é que a maioria das pessoas se sintam desanimadas debaixo do
senso das dificuldades da Igreja. A perda da arca custou a Eli a sua vida. E se
vemos a Igreja afundando sentimos que também afundará com ela as nossas
próprias vidas. Mas em todas estas calamidades Deus nos chama a voltar a
confiar tão somente nEle, e a clamar a Ele por socorro.
Então nos períodos em que a Igreja atravessar por dificuldades resolva
esta grande verdade em seu coração, que nenhuma dificuldade que acontece à
Igreja não é sem a permissão do Senhor da Igreja, e ele não permite nada que no
final das contas não venha a trazer grande bem ao Seu povo, especialmente
daqueles que lhes são fiéis.
Todos se extraviaram nos dias de Noé, mas ele permaneceu fiel a Deus
andando com Ele em justiça. O povo de Israel se extraviou quase todo à uma, mas
Elias permaneceu firme com o Santo de Israel. Tal seja cada crente fiel da
Igreja de Cristo, que não permita vender a Sua fidelidade em confirmação da
Palavra da verdade por qualquer desvio de doutrina ou apelo humano para relaxar
no dever de guardar o seu coração para o Seu Deus. Tais atitudes trazem muito
glória e honra ao nome do Senhor, e Ele expressa o Seu regozijo conforme
podemos ver nas palavras que dirige à Igreja de Filadélfia:
“8 Conheço as tuas obras; eis que diante de ti pus uma porta aberta, e
ninguém a pode fechar; tendo pouca força, guardaste a minha palavra, e não
negaste o meu nome.
9 Eis que eu farei aos da sinagoga de Satanás, aos que se dizem
judeus, e não são, mas mentem: eis que eu farei que venham, e adorem prostrados
a teus pés, e saibam que eu te amo.
10 Como guardaste a palavra da minha paciência, também eu te guardarei
da hora da tentação que há de vir sobre todo o mundo, para tentar os que
habitam na terra.” (Apo 3.8-10).
E este tipo de fidelidade não poderá ser achado nos dias difíceis em
que a Igreja estiver atravessando, especialmente como nos nossos em que Deus
tem sido abandonado por estarem os crentes buscando prosperidade material,
entretenimentos e muitas outras coisas em primeiro lugar, em vez de buscarem o
reino de Deus e a Sua justiça.
Muitos pensam erroneamente que é possível ser fiel a Deus sem se
guardar cem por cento o coração. E sem ter um coração dividido e conquistado
por afetos por muitas coisas dentre as quais Deus é apenas mais um simples item
a ser considerado.
Há quem pense que estabelecer prioridades corretamente é dedicar uma
terça parte do seu tempo ao trabalho, uma outra terça parte à família, e a
terça parte final a Deus.
Isto significa que não há na verdade nenhuma adoração verdadeira e
serviço a Deus neste caso, porque Ele não deve ter uma terça parte do nosso
tempo, atenção e devoção, mas todo o nosso coração. Cem por cento ou nada. Em tudo que fizermos Deus deve estar
presente, e tudo deve ser feito não como para homens ou para nós mesmos, senão
pra Ele. Este é o modo correto de se estabelecer as prioridades conforme nos
ensina a Bíblia, pois ela afirma claramente que tudo deve ser feito para a
glória de Deus e que Ele deve ser adorado com toda a nossa força, mente,
coração e alma. Toda é toda, e não parte, muito menos terça parte. Toda é cem
por cento. E é cem por cento porque Ele não aceita um coração que lhe é devotado
parcialmente, senão que aceita somente a oferta de todo o nosso coração.
Tente reservar partes de sua atenção para outras coisas quando adora a
Deus, e veja se haverá alguma verdadeira adoração? Porque Deus não nos enche
com o espírito de louvor pelo Seu Espírito quando assim procedemos? A resposta
é fácil: é porque não lhe devotamos todo o nosso coração e atenção.
As rodas da visão de Ezequiel estavam cheias de olhos por dentro e por
fora, e elas revelam a onisciência de Deus que acompanha todos os movimentos e
anelos dos nossos corações. Ele conhece perfeitamente a condição dos nossos
corações e não aceitará de modo nenhum um coração dividido. Ele aceitará um
coração quebrado, quebrantado, mas jamais aceitará um coração dividido que não
se entregue inteiramente a Ele. Porque requer confiança total, incondicional.
Ele quer que nos entreguemos ao Seu cuidado assim como uma pequena criança faz
em relação aos seus pais.
Deus nunca abandonará a Sua Igreja. Os homens que estão na Igreja é
que podem vir a se corromper nela por não guardarem os seus corações. Mas o
Senhor conhece os que são Seus e os preservará do mal, dando-lhes que possam se
reunir com aqueles que com um coração puro invocam o Seu nome. Bendito seja o
Senhor por Seu grande amor e cuidado para com as ovelhas do Seu rebanho!
E se Deus é por nós quem será contra nós?
Uma multidão do exército dos sírios pode vir contra o profeta de Deus,
e miríades de demônios podem acompanhar aquele cortejo do mal, mas muitos mais
são os anjos e poderes de Deus a favor dos seus servos fiéis do que aqueles que
estão ao lado dos que praticam males.
As portas do inferno não poderão prevalecer contra a verdadeira Igreja
de Cristo, aonde quer que ela se encontre, e como se encontre. Seja no deserto.
Seja em pequeno número e força, mas grande é o poder dela porque Aquele que a
dirige e sustenta é o Todo Poderoso Criador dos céus e da terra.
Se você calcular a felicidade da Igreja por sua facilidade mundana,
esplendor e prosperidade, então um tal tempo de aflição parecerá desfavorável,
mas se você considera que a sua glória consiste em sua humildade, fé e
espiritualidade santa, nenhuma condição traz tantas vantagens para a Igreja do
que esta condição aflita. Não foram perseguições e prisões, mas mundanismo e
carnalidade que envenenaram a Igreja, nem foi a glória terrena de seus mestres
que escreveu a sua história, mas o sangue dos seus mártires.
O poder da piedade nunca prospera melhor do que na aflição, e este
poder da piedade nunca foi menos próspero do que em épocas de grande
prosperidade material. Quando nós somos esquecidos, pessoas pobres e aflitas
então aprendemos a confiar no nome do Senhor. Realmente é para a vantagem dos
santos serem desmamados dos encantos e vaidades terrenas para serem acelerados
e urgidos adiante com mais pressa ao céu, com descobertas mais claras dos seus
próprios corações e serem ensinados a orar mais fervorosamente, com mais frequência
e de modo mais espiritual, olhando mais ardentemente o descanso que aguarda por
eles no porvir.
Isto assim sucede porque Deus está mais interessado na vantagem da
nossa alma do que na satisfação dos nossos desejos e humores. Nós são sabemos
fazer uma justa avaliação das coisas em seu verdadeiro valor, e assim, pelas
aflições o Senhor nos ensina a mostrar quão pobres são os atrativos terrenos
comparados com as realidades inefáveis do céu, que Ele preparou para
desfrutarmos eternamente delas. Este tesouro escondido celestial em Jesus
Cristo é tão precioso que Ele não nos fará participantes sequer da visão dele,
quanto mais de experimentar suas riquezas se não aprendermos a lhe atribuir o
seu verdadeiro valor. É pelo mesmo princípio espiritual que há na pessoa de
Deus que Jesus nos proíbe de lançar as pérolas e coisas santas preciosas do
evangelho aos cães e aos porcos, porque não podem dar a devida apreciação ao
valor inestimável delas.
E Deus é ciumento e zeloso por estas coisas celestiais e espirituais a
tal ponto, que as oculta, para não serem desprezadas ou violadas. Quem em sã
consciência colocaria uma porcelana de alto valor nas mãos descuidadas de uma
criança? Mas as coisas das quais falamos são de valor eterno e incalculável
para o próprio Deus, e de quão maior valor não elas então para nós, pobres e
miseráveis que somos, e inteiramente dependentes de Deus para que possamos
receber qualquer graça espiritual?
Assim glorie-se nas suas tribulações porque ainda que você não ache
nenhum conforto nelas, no entanto elas são a evidência da sua integridade em
não negar o nome do Senhor e nem a Sua Palavra, porque é para estes que são
reservadas perseguições e tribulações, por causa do amor deles à justiça.
Uma quarta época que exige um aumento de nossa diligência para guardar
nossos corações, e no tempo do perigo.
Mas o justo não deve temer os juízos determinados por Deus sobre os
ímpios enviando angústias, temores e fraquezas aos corações deles diante dos
seus inimigos e dos males que lhes sobrevêm neste mundo. Homens que por causa
de uma má consciência tremem até mesmo com o barulho de uma folha caindo ao
chão. Mas aqueles cuja consciência é sem culpa podem ser no Senhor corajosos
como o leão.
Sabemos que há um temor natural em todos os homens, e que é impossível
remover isto completamente, e até mesmo é necessário um temor sadio porque
servem de alerta contra o perigo e ajuda-nos a sermos prudentes. Assim, não
devemos cultivar uma apatia estóica (atitude de indiferença ao mal e às dores)
nem ainda desprezarmos um certo grau de medo preventivo para podermos nos
ajustar às dificuldades e enfrentá-las sabiamente.
Mas devemos guardar o coração do medo do futuro que causa ansiedade,
do medo sofrer por causa do testemunho da verdade e de qualquer medo que invade
o coração em tempos de perigo, que o distrai, debilita e impede de agir
conforme a vontade revelada de Deus na Palavra.
Para impedir estes temores e guardar o coração na paz do Senhor
devemos ver todas as criaturas sob o controle da mão de Deus, e que nada nos
atingirá sem a Sua permissão divina.
Um leão tem um poder tremendo mas quem temerá um leão que estiver
seguro nas mãos de Deus?
Os temores atormentam muito mais a alma do que os sofrimentos
propriamente ditos. Mas devemos deixar a graça vencer nossos temores porque no
meio das inundações que tivermos que atravessar Deus abrirá um espaço para que
possamos escapar (I Cor 10.13).
Não admira que haja tantos “Não temas” da parte de Deus para nós nas
Escrituras, conhecedor que é da nossa facilidade para temer. Por isso interpõe
a promessa para que confiemos nEle e não permitamos que nossos corações sejam
vencidos por nossos temores. Ele estará conosco e nos dará coragem e paz, ainda
que na hora da nossa morte.
Assim os muitos perigos que teremos que enfrentar neste mundo não são
para serem temidos mas para serem vencidos pelo poder de Deus pela nossa
confiança total nEle.
Não há nada melhor para ter um coração firme e reto em tempos de
perigos do que manter continuamente nossa fidelidade no cumprimento dos nossos
deveres que nos mantêm em comunhão continua com o Senhor, porque isto acenderá
uma chama de zelo fervoroso que não temerá sequer o martírio caso ele se
apresente a nós.
É isto que nos levará a dizer como Paulo que não estamos prontos
somente para sermos presos ou sofrer por causa de Cristo, mas até mesmo a
morrer por Ele.
Uma boa consciência não nos levará a ter paz com pensamentos da
necessidade de destruição dos nossos inimigos. Os justos são corajosos como o
leão, e não necessitam ver afastados os seus perseguidores para que tenham
paz. Estes, ao contrário, por causa da
má consciência deles, por seguirem a iniquidade é que são fracos, e necessitam
remover os que estão no caminho deles para que possam vencer os seus temores,
senão de outro modo, sempre ficarão apavorados pela ideia de serem suplantados
por estes que eles temem.
Mas o justo prefere sofrer o mal do que prejudicar alguém. Sua boa
consciência é o seu melhor defensor depois do próprio Deus no céu. Ele não
distorcerá jamais a verdade para poder suplantar os seus acusadores e poder
sentir-se confortável e seguro perante os homens.
Um coração é tornado firme e seguro quando Ele considera e estima a
honra de Deus mais do que a sua própria honra. Quando está disposto a sofrer
injúrias e perseguições por amor a Cristo, e a se regozijar nisto, sem tentar
defender a sua honra pessoal, mas deixando todo o caso nas mãos justas de
Deus.
Que real dano pode ser causado à honra de uma tal pessoa como esta que
anda na integridade do seu coração?
Que terrores podem lhe ser infundados pelos homens ou pelos
principados e potestades do mal, se Ele tem colocado em Deus toda a sua
confiança? Homens como estes são como Neemias, e do quê e de quem eles fugirão?
O temor de Deus em vez do temor dos homens faz que a ira natural se
transforme em zelo espiritual, que a tristeza natural se transforme em alegria
santa, e o temor natural em temor santo de Deus.
Jesus mesmo prevaleceu em oração com o Pai no Getsemâni até que
recebeu força do alto na sua grande angústia para enfrentar tudo o que deveria
enfrentar daquele momento em diante até a sua morte na cruz. De igual modo nós
devemos proceder quando estes temores que o diabo e a carne trazem sobre nós em
tempos de perigo a serem enfrentados. A oração é a melhor saída para o
temor.
Uma quinta época em que nós devemos ter uma diligência maior para
guardar o nosso coração é quando as nossas provisões externas começam a faltar.
E orar como fez o profeta Habacuque dizendo que ainda que tudo faltasse ele se
alegraria no Deus da sua salvação, não é fácil. Mas é o único meio de guardar o
coração da murmuração e do descontentamento nestas horas difíceis em que a
nossa subsistência é colocada à prova por Deus.
Nestas horas devemos lembrar que nossa condição não é singular, porque
muitos grandes homens santos já foram provados e aperfeiçoados por Deus por
este processo. Jesus e os apóstolos foram especialmente provados nisto, para
nos deixar o exemplo de que podemos confiar inteiramente em Deus para a
manutenção das nossas necessidades diárias, em provisões para a subsistência
das nossas vidas, conforme Ele nos tem prometido que cuidará de todas as nossas
reais necessidades.
Quando nos impõe falta de pão Deus não está querendo necessariamente
demonstrar qualquer tipo de reprovação ou desgosto em relação a nós. Ele
simplesmente quer nos ensinar que é poderoso para preparar uma mesa para nós no
deserto e nos manter em vida num mundo perigoso e instável como este em que
vivemos.
Não há nenhuma resistência ou má vontade em Deus para nos prover de
coisas boas e agradáveis, porque Ele deu o seu próprio Filho por nós para que
recebêssemos juntamente com Ele todas as coisas que nos tem reservado como
nossa herança. E assim, até mesmo estes períodos de escassez fazem parte da boa
provisão espiritual que Ele preparou para nós para o nosso aperfeiçoamento na
transformação à imagem do Seu Filho, de maneira que aprendamos a ser-Lhe gratos
em todas as circunstâncias, quer agradáveis ou desagradáveis, porque no fim
elas trabalharão para o nosso bem.
Se todos os nossos desejos fossem satisfeitos por Deus, ainda que
desejos lícitos, quando menos aprenderíamos a ser mimados e caprichosos, e nos
relacionaríamos com Ele numa base falsa vendo-o apenas como provedor das nossas
vontades. Mas Ele quer justamente nos ensinar a ficarmos contentes em fazer a
vontade dEle e não propriamente a nossa. Ele quer que aprendamos a cumprir os
propósitos e objetivos que Ele planejou para cada um de nós, e não propriamente
os nossos sonhos e objetivos pessoais. Ele é a vontade governante de todo o
universo, inclusive da nossa própria vontade, e quer nos ensinar isto. Daí nos
chamar a ser-Lhe gratos em toda e qualquer circunstância tal como havia
aprendido o profeta Habacuque, e o apóstolo Paulo depois dele.
E devemos considerar ainda até que ponto o atendimento de todos os
nossos desejos por Deus nos tornariam pessoas mais santas e obedientes à Sua
vontade? Por isso ele nos prova nas necessidades para sabermos até que ponto O
amamos mais do que tudo o que Ele nos dá. Estaremos com Ele na casa, quando
todas as coisas tiverem sido retiradas de nós? Reflitamos sobre isso e
respondamos sinceramente para sabermos qual é a verdadeira condição do nosso
coração, de maneira que o guardemos de toda forma de murmuração no dia que a
escassez vier bater à nossa porta.
Se o Senhor prometeu acrescentar tudo o que for necessário à
subsistência material daquele que está empenhado em buscar efetivamente em
primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça, porque deveriam então estar
ansiosos e solícitos por suas vidas tais crentes fiéis?
Como não confiaríamos numa tal promessa proferida pela boca do Filho
de Deus?
Aquele que é cuidadoso em alimentar as aves do céu não proveria o
necessário para os seus filhos?
Proteja sua mente com estas verdades divinas quando estiver numa baixa
condição neste mundo, e guarde assim o seu coração de cair nas possíveis
tentações que costumam acompanhar tal condição.
A sexta época em que nós devemos ser diligentes para guardar o coração
é quando ministramos publicamente usando os dons e graças recebidos de Deus.
Nestas ocasiões devemos nos guardar especialmente do orgulho espiritual que nos
leva a pensar que somos o que somos e que fazemos o que fazemos por nossa
própria capacidade e poder, e isto nos impede de tributar toda honra, glória e
louvor que são devidos ao Senhor, a quem pertencem de fato tais graças e dons.
As tentações a que ficamos expostos nestas ocasiões devem ser vencidas
por nos humilharmos diante do Senhor e lhe pedir que cancele todos os
pensamentos elevados que tentam se apoderar de nós, sabendo nós que a única
coisa que merecemos de fato seria o inferno por causa dos nossos pecados, e que
é inteiramente pela graça e misericórdia do Senhor que somos poupados, e como
poderiam tais pecadores como nós planarem em tão elevadas alturas pensando que
ali chegamos por nossos próprios méritos? Que méritos são estes se tudo o que
temos foi recebido de Cristo!
Tenhamos a humildade do apóstolo para pensar e dizer continuamente:
“miserável homem que sou”, para sabermos e estarmos sempre conscientes que
devemos muitas graças a Deus por Jesus Cristo porque é Ele quem nos livra do
corpo desta morte que carregamos, que é o nosso velho homem, herdado de Adão,
do qual devemos nos despojar continuamente, inclusive com estes seus
pensamentos elevados que o levam a pensar que é independente de Deus e não
necessitado da Sua misericórdia e graça.
É portanto com consciência da nossa total dependência de Deus que
devemos começar qualquer trabalho em Seu nome, ou a execução de qualquer dever
de devoção pessoal, como por exemplo oração, meditação da Palavra etc.
E saibamos que estamos diante dAquele que é a verdade, de maneira que
a nossa ministração e devoção sejam vazadas completamente pelo sim, sim, não,
não, de maneira que guardemos nosso coração de toda tola imaginação ou mentira.
Como poderíamos agir de tal forma diante dAquele que sonda perfeitamente mentes
e corações e que tudo sabe e vê? Não podemos esquecer disto durante toda a
nossa jornada terrena, desde o nosso levantar até o nosso deitar. Devemos ser
como Davi que nunca se descuidou quanto a isto.
O coração deve ser guardado de todo e qualquer sentimento de vingança
porque isto anulará todo empenho em deveres de devoção ou de serviço ao Senhor.
O desejo de vingança no coração o amarga de tal maneira que ele se torna
imprestável para ser apreciado por um Deus que é inteiramente doce, terno,
manso e humilde de coração. Qual a comunhão que podem ter pecadores que desejam
o mal de outros com o Deus que é todo misericórdia, perdão e amor? Quando Deus
julga, e mesmo quando a Sua ira se acende contra o pecado, Ele não deixa de
lado por um só segundo nenhum dos Seus demais atributos de amor, bondade,
benignidade, longanimidade, misericórdia, e de maneira nenhuma ele pode ter a
Sua mente transtornada, tal como nós ficamos quando tomados por sentimentos de
vingança. Por isso urge ter o coração sempre guardado destes sentimentos de
vingança, que acabam sendo as armas que acabam ferindo e produzindo danos a nós
mesmos.
Deixemos toda vingança a ser executada por Deus que é reto Juiz e não
pode ser vencido pelo mal tal como nós.
Assim deixe o temor de Deus conter e acalmar seus sentimentos.
Fixe diante de seus olhos os padrões mais elevados de mansidão e
perdão para que você possa sentir a força do exemplo deles. Este é o modo de se
cortar os argumentos comuns da carne por vingança. Pense que outros suportariam
tais afrontas, e certamente coisas muito piores, tanto a história da Igreja,
como nos exemplos que temos na Bíblia na
pessoa do próprio Cristo, e também em José no Egito e tantos outros.
Assim se você se deixar vencer por seus sentimentos será considerado um
insensato e um covarde por não seguir o exemplo mais sábio e santo daqueles que
venceram seus sentimentos em Deus.
Considere o caráter da pessoa que o prejudicou. Ele é um homem bom ou
mau? Se ele for um homem bom, haverá uma boa consciência nele que cedo ou tarde
o trará a um senso do mal que ele lhe fez. Se ele for um homem bom Cristo lhe perdoou maiores danos do que ele
fez a você; e por que você não deveria perdoar a ele? Cristo não o censurará
por quaisquer das injustiças dele, mas francamente as perdoará todas; e você o
tomará pela garganta por algum erro insignificante que ele cometeu?
Mas se for um homem mau que lhe prejudicou ou lhe insultou, verdadeiramente
você tem mais razão para exercitar piedade que vingança em relação a ele. Ele
está dentro de um estado miserável; um escravo do pecado e inimigo da justiça.
Se ele continuar impenitente, haverá um dia que está chegando quando ele será
castigado na justa medida das ofensas que ele praticou. Você não precisa se
vingar porque Deus executará vingança nele.
Se você viesse a superar seu inimigo, executando sua vingança sobre
ele, isto seria um motivo para se sentir vencido e perturbado posteriormente em
sua consciência, e você se sentiria semelhante não ao Filho de Deus, mas a
Satanás, que não veio trazer vida com abundância aos homens como Cristo, senão
morte, furto e destruição, do possível bem que eles poderiam ter em Deus por se
reconciliarem com ele. Não seja pois um aliado do diabo e um opositor da causa
de Cristo que veio salvar e não condenar o mundo. E o modo que Ele faz isto é
oferecendo perdão a todos os pecadores, sem uma única exceção, e afirmando que
toda transgressão poderá ser-lhes perdoada, exceto a blasfêmia contra o
Espírito Santo.
Considere por quem todas as suas dificuldades são ordenadas ou
permitidas. Isto será de grande uso para guardar seu coração da vingança. Nada foge do controle de Deus, e todas as
nossas tribulações são reguladas por Ele, para um fim proveitoso. Se Deus tem
permitido que soframos algum dano é para que o superemos sujeitando-nos a Ele e
confiando nossas almas ao cuidado do fiel Criador para que sejamos consolados e
restaurados. Quantas injustiças e perseguições sofreram os cristãos da Igreja
primitiva, e como Deus os consolou através do apóstolo Pedro? Acaso
ordenando-lhes que se vingassem de seus perseguidores? Os textos de I Pe
2.13-25; 3.8,9, 15, 18; 4.12-19; 5.6-10, dentre outros nos dão a resposta a
isto.
Finalmente, quanto a guardar o coração da vingança, lembre que com o
juízo que julgamos somos julgados e com a medida com que medimos somos medidos,
de maneira que somos lançados a prisões espirituais pelo próprio Deus e
sujeitados a opressões do maligno até que sincera e do fundo do coração nos
disponhamos a perdoar aqueles que nos ofenderam. Jesus deixou claramente
ensinado que somos perdoados por Deus quando também perdoamos os nossos
ofensores. É portanto um assunto de caráter vital espiritual este do dever de
perdoarmos, e portanto guardemos devida e continuamente o nosso coração de
pensamentos e desejos de vingança, que no final prejudicarão tão somente a nós
mesmos.
Outra ocasião em que devemos ser diligentes em guardar o nosso coração
é quando ficamos expostos a grandes tentações. O melhor remédio contra isto é
nos mantermos humildes tendo pensamentos
humildes de nós mesmos. Devemos nos comparar com Deus e veremos o quão
pequenos somos. Por maiores que sejam as provocações que possamos receber,
especialmente aquelas que visam nos rebaixar, nada poderão fazer contra nós se
nos rebaixarmos ainda mais diante dos nossos olhos numa verdadeira medida por
nos compararmos imediatamente com Deus. Veja o caso de Davi com Mical, que o
desprezou em seu coração e tentou rebaixá-lo ao ponto de acusá-lo que ele seria
desonrado pelas próprias servas dos seus servos. Ele não se indignou por ser
rei nem tentou fazer valer a sua autoridade real, mas disse que se humilharia
ainda mais diante de Deus, e esta atitude em vez de lhe trazer desonra das suas
servas, faria com que fosse ainda mais honrado por elas. Que belo exemplo a ser
seguido por nós!
Satanás é um espírito irado e descontente e deseja a todo custo
tornar-nos participantes da sua natureza. Mas somos em Cristo, co-participantes
da natureza de Deus e não da natureza do diabo. E que é portanto a natureza que
devemos seguir. Pensemos sempre nisto e seremos ajudados a guardar nossos
corações nas provocações que recebermos de Satanás e de seus instrumentos.
Quão maravilhoso e doce é para Deus e para o próprio crente vermos que
vencemos nossas más tendências. Que não permitimos ser vencidos pelo mal em
quaisquer de suas formas de violência e impurezas. Que mantivemos o nosso
coração puro no meio de um mundo sujeito à impureza. Quão precioso isto é para
nós e para o nosso Senhor! Guardemos pois o nosso coração!
Deixemos que Cristo governe e domine mais e mais o nosso mau
temperamento de maneira que se ache em nós a mansidão e a humildade que estão
no próprio coração de Cristo.
Evite tudo o que for projetado para irritar seus sentimentos! Fuja das
fontes de tentação! Desvie-se do caminho do iracundo e do mau, e não se
intrometa em dissensões, porque tolo é todo aquele que o faz. Ao contrário
investigue a causa da justiça, busque a paz e se empenhe em alcançá-la. Tenha a
paz de Cristo em seu próprio coração.
E para guardar o coração tenha especialmente cuidado com os argumentos
da carne e do diabo para que você seja complacente com os seus pecados, isto é,
que seja tolerante com a ideia de pecar, sob o argumento de que outros grandes
homens de Deus também pecaram, inclusive aqueles cujas vidas estão narradas na
Bíblia. Isto é muito sutil e enganoso porque remove toda a diligência que
deveria haver em nós, tanto quanto esteve nestes grandes homens de Deus. Mas
esta parte final o diabo e a carne não nos informam, a saber, que eles pecaram
sim, mas detestavam o pecado, e eram diligentes na sua busca de santidade em
Deus.
Paulo diz miserável homem que sou, mas veja na mesma epístola em que
ele afirma tais palavras, a grande diligência que tinha em si mesmo contra o
pecado, e exige a mesma diligência de todos os crentes, por ter conhecido
perfeitamente qual é a vontade de Deus em relação a isto.
Saber que a vontade de Deus é a nossa contínua e crescente
santificação é uma boa maneira de guardar o nosso coração de pensamentos
arruinadores desta mesma santificação, por serem poderosos para nos tornar
indolentes quanto ao nosso dever de nos esforçarmos para nos apresentarmos
sempre santos e inculpáveis diante de Deus.
Outra época em que devemos ser diligentes para guardar o coração é
aquela em que sofremos grandes perseguições por causa do nosso amor à justiça e
ao evangelho de Cristo. Devemos guardar o coração nestas ocasiões sabendo que
são ocasiões não para perturbação de mente ou para tristeza, senão para grande
alegria porque grande será o nosso galardão no céu por causa da nossa
fidelidade à Palavra do Senhor, e por estarmos sendo perseguidos exatamente por
este motivo.
O Senhor nos alertou sobre
isto, como um sinal da nossa verdadeira devoção e fidelidade a Ele. Não são
portanto tais injustiças que sofremos motivo para regozijo? O próprio Jesus e
os apóstolos foram também assim perseguidos por causa do testemunho da verdade
que eles mantiveram em face dos seus opositores. E somos chamados a seguir o
mesmo exemplo deles. E podemos estar certos de que enfrentaremos também tais
oposições e perseguições para que Deus receba muita glória na demonstração do
nosso amor e fidelidade a Ele.
Por isso não devemos injuriar aqueles que nos injuriam, tal como
Cristo e os apóstolo fizeram no passado.
Não devemos tentar justificar a nossa própria honra e dignidade
perante aqueles que nos caluniam, não somente porque não poderão entender
nossos argumentos, em face da carnalidade deles, como também por sermos
chamados a defender não a nossa honra mas a do Senhor.
O coração deve ser guardado pelo consolo que o Espírito Santo nos dá
quando nos armamos do pensamento de suportar sofrimentos por amor a Cristo. E
que grandes consolações elas serão!
A causa do evangelho e não a
nossa é que deve avançar. Muitas almas devem ser salvas para Cristo e não para
nós mesmos. E devem ser edificadas no testemunho da verdade quanto ao modo como
devem caminhar neste mundo pelo exemplo que acharem em nossas próprias vidas,
de perdão, amor, misericórdia, bondade, paz e todas as demais virtudes que
estão em Cristo, e que também serão achadas em nós à proporção da nossa
submissão a Ele.
E guardemos também nossos corações por saber que estes sofrimentos não
podem ser comparados com a gloria futura a ser revelada em nós, quando
recebermos do Senhor o louvor pela nossa fidelidade a Ele e à Sua Palavra.
Não somos chamados a vencer debates teológicos, mas a vencer o pecado
e o diabo. Não somos chamados a impor nossa visão a outros, mas conduzir as
pessoas a Cristo e ao Seu evangelho. Não é a nossa importância que está em
questão, mas a glória e a honra do Senhor.
Quanto a nós, convém de fato que diminuamos cada vez mais, e que o
nome do Senhor seja cada vez mais elevado e exaltado através da nossa própria
humilhação perante Ele. Daí que estas perseguições e injustiças não são contra
nós, mas a nosso favor, porque nos ajudam a estarmos sempre pequenos e humildes
diante de Deus, a quem de fato pertencem a grandeza, a majestade e o poder.
Somos apenas vasos de barro que contém a excelência do poder de Deus.
Não é propriamente nosso este poder, mas sempre será dAquele, diante do qual
convém estarmos sempre com nossos joelhos dobrados diante dEle em humilde
adoração.
Afinal todos não estarão diante dEle nAquele dia confessando que Ele é
o Senhor para a glória de Deus Pai? Como poderíamos andar então inchados aqui
neste mundo seja por causa do nosso conhecimento ou do que for, se tudo o que
temos, é porque recebemos dEle!
E finalmente, a última época em que devemos ser mais diligentes em
guardar o nosso coração é quando somos visitados por enfermidades. Estas também
ajudam a guardar o nosso coração lembrando-nos que nada somos neste corpo. Que
estamos de fato num mundo sujeito ao pecado onde tudo enferma e morre. Que
nossa vida neste mundo é como um sopro que passa. Que devemos aspirar por
aquela vida melhor e por aquele lugar melhor onde não há mais lágrima, nem
doença, nem morte, nem dor.
Mas Cristo venceu a morte, e não devemos temer a morte. Cristo
carregou sobre Si as nossas enfermidades e no Seu reino futuro não haverá
qualquer enfermidade, de maneira que não vivamos a temer nem uma coisa nem
outra.
O Senhor nos dará o suporte e a força em graça para estarmos em paz
tanto na enfermidade quanto na proximidade da hora da nossa morte. Podemos
contar com a Sua companhia especialmente nestas horas. Mas lembre que tudo o
que temos falado se refere a crentes fiéis que se determinaram em guardar seus
corações para honrarem o Seu Deus.
As boas promessas de Deus são dirigidas na Bíblia aos que Lhe são
fiéis. E é sempre nesta direção que devemos manter os nossos discursos, seja na
forma de sermão seja na de ensino, porque este e o modo do próprio Deus. Quando
fala aos infiéis é para chamá-los ao arrependimento, ou para repreendê-los e
corrigi-los, mas nunca para afirmar que está agradado do modo de vida deles.
Faça um exame minucioso da Bíblia e veja se esta não é a mais pura verdade?
As consolações do Espírito são para aqueles que se santificam. Ele
primeiro santifica e depois consola. Ele não é consolador de rebeldes e
contradizentes que voluntariamente decidem permanecer na prática do pecado.
Primeiro o arrependimento, depois a fé. Primeiro a humilhação e depois a
exaltação.
Há enfermidades produzidas por causa do pecado, e estes não podem
contar com a promessa da paz da companhia de Cristo, a não ser que se
arrependam de seus pecados, e assim poderão ser curados tanto da enfermidade,
quanto serem perdoados de seus pecados.
Quando a morte vier ele removerá o véu de carne e nos dará acesso
imediato à presença de Deus promovendo-nos à vida e para o propósito para a
qual fomos criados. Então por que deveríamos temer a morte se estamos
firmemente seguros em Cristo e certos da nossa salvação? Daí a importância de
guardar continuamente o coração em diligência em santificação porque este é o
modo de confirmar a nossa eleição e termos a certeza de que estaremos para sempre
com Deus.
À luz de todas as considerações que fizemos nós concluímos que a menos
que o povo de Deus gaste mais tempo vigiando e guardando seus corações do que o
que habitualmente costumam gastar, não admira que eles nunca gostem de fazer o
serviço de Deus ou mesmo a renunciar a seus confortos neste mundo. É triste ver
crentes murmurando e se entristecendo por suas presentes condições enquanto
eles vivem negligentemente e não se entristecem ou se envergonham por
isto.
Guardar o coração é o grande trabalho de um crente porque a vida
cristã não pode ser vivida sem isto. E sem guardar o coração todos os deveres
são de nenhum valor à vista de Deus.
Muitos serviços esplêndidos foram executados por homens que Deus
rejeitará totalmente, porque eles não deram qualquer atenção à necessidade de
guardarem seus corações em Deus. Cristo será uma rocha de ofensa na qual muitos
mestres da religião irão colidir e se arruinarão eternamente. Estes mestres
nunca derramaram uma só lágrima pela dureza, incredulidade e mundanismo de seus
corações. Como poderão entrar no céu pela porta larga e pelo caminho espaçoso
em que viveram? Como pessoas com tais
corações poderão suportar a vinda do Senhor e estarem de pé diante dEle? Como
poderão afirmar ter amado a Cristo se os seus corações nunca estiveram com Ele?
Lembremos que controvérsias infrutíferas iniciadas por Satanás têm o
propósito de nos afastar da piedade prática e a confundir nossas cabeças quanto
à verdade que devemos viver e praticar.
E este afastamento da piedade será a realidade da vida por mais
ativistas que sejamos em nossas Igrejas, porque a carne sempre prevalecerá
sobre nossas atitudes exteriores. Por mais duro que possa parecer a afirmação
que vamos fazer, ela é a pura expressão da realidade, a saber, que as manifestações
de poder e consoladoras do Espírito não são para serem experimentadas
ocasionalmente nas nossas reuniões públicas de adoração (cultos), enquanto se
abriga no coração ódios, ressentimentos, mágoas, iras, impurezas, ciúmes,
invejas, de maneira que tudo isto seja o fruto de uma aplicação diária e
constante em se guardar o coração puro de todas estas obras da carne.
O Espírito Santo quer abençoar com paz, com amor, com alegria,
longanimidade, unidade, comunhão, mas como poderá fazê-lo num coração que não
busca pela Sua ajuda em oração de gemidos inexprimíveis que superam nossas
fraquezas e pecados? Mas como o teremos se não o buscamos com toda a força e
sinceridade de nossa alma? Por isso é possível alguém acrescentar o seu amém a
verdades ouvidas na pregação, enquanto sente um grande fardo em sua alma, que
pode até mesmo estar sendo produzido por espíritos opressores. Qual a razão
disto senão a de se estar debaixo da pregação sem se buscar um coração puro no
Espírito? Que possamos aprender então a conduzir nossas congregações livres
deste grande erro de tentar usar o Espírito como uma espécie de pílula para
resolver o problema de nossa dor de cabeça, sem remover a sua verdadeira causa,
que é um coração que não é governado pela santidade de Deus.
Pessoas podem experimentar bênçãos ocasionais do Espírito sem ter um
estado de paz de alma permanente, que tudo vence, tal qual os crentes da Igreja
Primitiva, porque andavam na verdade, andavam no Espírito, e buscavam por isto
em todos os momentos de suas vidas, e Deus respondia esta fidelidade com paz na
tribulação, alegria na adversidade, força na fraqueza, e autoridade para até
mesmo serem duramente martirizados, sem que se visse neles qualquer desespero.
É certo que cuidados mundanos e dificuldades podem aumentar
grandemente a negligência de nossos corações. As cabeças e corações das
multidões estão cheios de uma multidão de barulhos de negócios mundanos que
excluiu da vida deles o amor, o zelo, e o prazer que eles tinham em Deus.
Quão miseravelmente somos propensos a nos emaranharmos neste deserto
de ninharias! Os brinquedinhos que Satanás apresenta para nosso entretenimento
são considerados por muitos adultos em idade avançada como coisas essenciais à
vida, quando na verdade, não passam sequer de superfluidades, pois são apenas
objetos que têm o objetivo de distrair e afastar nossa atenção de Deus e dos
deveres que Ele nos tem incumbido para a nossa felicidade e daqueles que tem
colocado debaixo da nossa influência.
E quando nos tornamos imprestáveis para o uso de Deus, para quem mais
poderemos ser verdadeiramente úteis nas coisas relativas ao Seu reino?
Quantas oportunidades preciosas perdemos por causa disso? Quantas
advertências do Espírito ignoramos voluntariamente?
Com que frequência chamamos a Deus quando nossos pensamentos mundanos
nos impediram de ouvi-lO?
Se perdemos nossa visão dEle por causa de nossos muitos cuidados, como
esperaremos triunfar sobre todas as tribulações e ataques do inimigo tendo
nossos corações guardados na paz e vencendo pela fé a todas as oposições da
carne, do diabo e do mundo?
Se guardar o coração é o grande trabalho de todo crente, quantos
veremos então prevalecendo realmente com Deus em oração, tendo prazer em estar
na Sua presença e servi-lo mesmo que seja em circunstâncias adversas? Quantos
serão como os crentes da Igreja Primitiva que tinham prazer em sofrer por amor
a Cristo porque eram fortalecidos por Ele na fidelidade deles?
O real prazer espiritual diante de Deus é algo contínuo e cada vez
mais crescente. Não é um fardo. Não é uma obrigação desgastante, senão um
grande prazer e alegria. Mas quem é que pode experimentar isto? Somente aquele
que tem guardado continuamente o seu coração do mal. E não segundo os seus
próprios critérios do que considere mal, mas segundo os critérios de Deus
revelados em Sua Palavra. Estes são
bem-aventurados porque os tais são os de coração puro conforme afirmado por
Jesus no Sermão do Monte. São estes que veem a Deus, tanto neste mundo quanto
no mundo por vir, conforme a promessa de Jesus na mesma bem-aventurança.
Até quando os crentes deixarão que o ciúme, a inveja e o orgulho,
estas três serpentes venenosas, sejam abrigados em seus corações para
impedimento da unidade, comunhão do corpo de Cristo, e do progresso do Seu
reino na terra? Até quando um justo não poderá se regozijar na fidelidade de um
outro justo, para não ofender a consciência fraca e carnal, ciumenta e invejosa
de um outro crente que não permite ser santificado pelo Espírito, de modo a ser
livrado destes sentimentos que não somente não fazem parte do amor, porque ele
não é invejoso, ciumento, orgulhoso e egoísta, como também impedem a
manifestação do amor na Igreja, sabendo nós, que ela não pode existir e
sobreviver sem isto?
Reconciliemo-nos depressa com nossos irmãos antes de virmos entregar
nossas ofertas de louvor e adoração no altar de Deus. De outro modo elas não
serão recebidas. Não tentemos fazer fácil a vida cristã, ou então desconsiderar
a vontade revelada de Deus. Ele não muda e jamais mudará. A Sua bênção está
disponível mas há condição para ser recebida. E temos que nos humilhar,
renunciar ao nosso ego para fazer a Sua vontade, aí então, teremos atendido as
condições de recebê-las.
Sem esta disposição prática de aplicar-se a obedecer a Deus em tudo
que nos tem ordenado, pouco vale ouvir belos sermões, porque não teremos
permitido a Deus a transformação de nossas vidas, e é nisto que ele está
vivamente interessado. O grande alvo dEle não é tanto o de nos dar conforto e
paz, mas aquela condição de coração puro que traz tal conforto e paz. O fim
portanto não é a bênção, mas o coração puro que Deus quer produzir em nós e que
Lhe é agradável. As bênçãos são como que uma recompensa pela nossa obediência.
O fim é a nossa obediência e não a alegria, poder, unção ou seja o que for, que
estivermos sentindo. O galardão será dado a quem for fiel. Mas, o grande alvo
de Deus não é o galardão senão a nossa fidelidade, pela qual seremos
recompensados com o galardão. Não devemos assim errar o alvo, isto é, buscar o
galardão em vez da fidelidade. Na verdade, aqueles que não são interesseiros, e
que servem a Deus pelo puro prazer de servi-Lo e amá-lo, estes receberão uma
maior recompensa, porque não visaram aos bens do Seu Pai, senão ao próprio Pai.
Veja o caso de Salomão que não tendo pedido nem riquezas, nem a morte
de seus inimigos, nem qualquer outra coisa senão sabedoria para governar o povo
de Deus, recebeu, por seu amor desinteressado e não egoísta, da parte de Deus,
até mesmo o que não Lhe havia pedido.
Deleitemo-nos apenas no Senhor e no puro prazer de fazer a Sua vontade
e conheceremos na prática o quanto Ele se deleitará em nós, concedendo
liberalmente das Suas graças e dons, e o melhor de tudo, da Sua própria
companhia.
Um coração puro virá a conhecer e a entender os mistérios profundos de
Deus. As verdades da Bíblia serão abertas pelo Espírito a um tal coração. O
brilho da glória do evangelho estará estampado na face de tal pessoa como uma
marca do agrado de Deus em relação a ela. E o real conhecimento progressivo da
majestade de Deus tornará tal pessoa cada vez mais humilde perante Ele, e
agradecida, e não orgulhosa dos dons e graças que tiver recebido.
Como Paulo poderemos então dizer:
“9 E disse-me: A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa
na fraqueza. De boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que
em mim habite o poder de Cristo.
10 Por isso sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas
necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque quando
estou fraco então sou forte.” (II Cor
12.9,10).
Assim não é simplesmente saber estas coisas que importa e que tem
alguma eficácia, senão praticá-las, porque é o seu cuidado e diligência em
guardar seu coração que provarão ser uma das melhores evidências da sua
sinceridade para com Deus.
Não há nada melhor para distinguir os verdadeiros ministros de Deus
dos falsos, do que isto. Não é o saber a doutrina correta nem mesmo ensinar a
doutrina correta que é de algum valor para Deus, senão o praticá-la, e isto não
será possível de ser feito com um coração impuro, com um coração que não tem
sido guardado em santidade verdadeira, produzida pelo Espírito mediante
aplicação da Palavra de Deus em nossas vidas.
É muito difícil aprender, reconhecer, aceitar e praticar isto neste
últimos dias em que temos vivido, de um cristianismo falso e superficial que
anda espalhado por todas as partes do mundo, especialmente em países fortemente
influenciados pela cultura moderna norte-americana, como é o caso do Brasil e
de muitas outras nações.
O pecado tem sido banalizado a tal ponto, que as coisas que Deus
abomina e das quais afirma que despertam a Sua ira em juízo, são aceitas como
coisas normais pela maioria dos crentes de nossos dias. E como poderão eles
cultivarem um coração puro, e até mesmo se disporem a guardar um coração puro
do pecado, quando sequer conseguem identificar mais o que seja pecado neste
mundo perverso de trevas? Somente um grande avivamento do Espírito e homens
sábios que vivam e praticam a Palavra de Deus para instruírem a outros, poderão
mudar o estado em que se encontra a Igreja atualmente.
As pessoas não devem ser desencorajadas a ponto de se sentirem
incentivadas a se afastarem de Cristo, mas não é lícito esconder delas que não
terão verdadeiro contentamento em Deus enquanto procurá-lo somente para
resolverem seus problemas cotidianos. Que elas venham buscar soluções para os
seus problemas, mas que não se esconda delas que há um problema que geralmente
é a causa de tudo o mais que nos torna insatisfeitos com nossas vidas e com
Deus, que é a falta de diligência em guardar o nosso coração limpo de
pecados.
Devemos fazer valer a nossa fé no sangue de Jesus para sermos
purificados. Devemos confiar que o Espírito Santo é poderoso para mudar os
nossos corações de pedra em corações de carne, e limpá-los de toda impureza.
Mas é necessário se dispor a buscar isto em Deus, e a estar disposto a
renunciar a práticas pecaminosas e a deixar que o Espírito vença sentimentos
pecaminosos em nós tal como inveja, ciúme, cobiça, murmuração etc.
É somente quando nos dispomos a guardar continuamente o nosso coração
que a presença de Deus vai se tornando cada vez mais doce e desejável para nós.
Em caso contrário nós o acharemos como o nosso opositor, porque o Espírito luta
contra a carne, e em nossa resistência ao seu trabalho, não poderemos achar
descanso e paz para as nossas almas.
Sem verdadeira submissão a Deus nunca venceremos a batalha, porque é
Ele quem a vence em nós e por nós. E como Ele fará uma tal coisa enquanto resistimos
à Sua vontade?
Decida-se a andar com o Senhor na luz da Sua verdade e não pense em
voltar atrás. Porque somente os que lançam a mão do arado e continuam
caminhando olhando para a frente é que são dignos da Sua presença e trabalho
nos seus corações.
Cerque-se do pensamento que ainda que fosse necessário perder a
própria vida para manter esta santa comunhão com Deus com um coração puro e
sincero, você não recuaria um só milímetro para não negá-lO.
Os que procedem deste modo acham a sua vida que está escondida em
Cristo. É nesta disposição de perdê-la por amor a Ele, negando-se a si mesmos,
que irão encontrar esta sua verdadeira vida que se encontra escondida com Ele
nas alturas.
Há uma nova natureza que nos tornou co-participantes da natureza
divina, e que foi implantada em nós na conversão. Convém que ela cresça em
todas as suas partes e virtudes, e este crescimento ocorrerá à medida que
guardarmos o nosso coração.
E quanto aos que são chamados a exercerem governo na casa de Deus, que
guardem também seus corações de serem elevados para exercerem domínio sobre
aqueles que lhes foram confiados por Deus. Que o façam em humilde serviço e por
amor ao Senhor do rebanho. Que se guardem da tentação de fazer valer a sua
própria autoridade, em vez de serem canais da autoridade do Espírito de Deus
que neles opera. Que sejam até mesmo gratos a Deus pelos Joabes e pelos
Aitoféis com os quais terão que governar. Ele lhes ajudarão a se manterem
humildes diante do Senhor e em constante intercessão para não tentarem se
elevarem sobre eles. Que aprendam a trabalhar com eles, e a estarem descansados
em Deus, tal como Davi, pela posição de governo em que foram colocados por Ele.
O Senhor mesmo prevalecerá sobre os Joabes e Aitoféis e nos guardará de todo o
mal, enquanto guardamos o nosso coração em humildade na Sua presença.
Por eles, o Senhor provará os nossos corações para sabermos até que
ponto desejamos que Ele seja de fato o governante do nosso povo e de nossas
próprias vidas, ou até que ponto desejamos fazer valer a nossa própria
autoridade.
Temos muito o que aprender com Moisés, com Davi e muitos outros sobre
isto.
Uma obra que é genuinamente de Deus será conduzida e governada por Ele
próprio, e nós seremos apenas Seus instrumentos. Enquanto fazemos muitos planos
e procuramos prevalecer em muitas frentes que não foram planejados e abertos
pelo Senhor, ainda estamos fazendo a nossa obra e não a dEle.
A obra de Deus é dirigida por Ele, e somente por Ele. Josué é general
mas deve se submeter ao Príncipe dos exércitos do Senhor. Ao generalíssimo dos
Seus exércitos tanto do céu, quanto da terra. E Jericó deve ser subjugada pelos
planos de guerra que recebermos de Suas mãos em inteira submissão a Ele, tal
como fizera Josué.
Assim é todo aquele que guarda o seu coração porque será diligente no
trabalho de Deus, porque o terá recebido dEle próprio. Não estará fazendo a sua
própria obra, mas aquela da qual foi encarregado pelo Senhor a fazer, tal como
a que Neemias fez em Judá.
Esta pessoa não será confundida pela falta de pensamentos, e a sua
língua não estará presa pela falta de palavras. Deus dará abundantemente
ministrações àqueles que andam humildemente na Sua presença, guardando o
coração deles incontaminado do mal.
O desejo desta pessoa nunca será pregar a si mesmo, seu próprio
conhecimento, suas virtudes, senão somente a Cristo, pois sabe de quantas
corrupções o seu coração tem sido livrado e limpo por Ele. Sabe que não há nada
para gloriar-se em si mesmo, senão somente em Cristo. E todo o desejo do seu
coração é portanto o de exaltá-lo, com a mais profunda gratidão.
Estes ministros brilham com a luz de Cristo, mas sabem que são
estrelas seguras nas Suas mãos. Que estão a serviço dEle e debaixo do Seu
domínio. E temem e tremem em falar e agir de modo diferente do que Ele lhes
tenha ensinado e revelado.
Guarde seu coração fielmente e você estará preparado para qualquer
situação à qual você for chamado. Você estará contente em Deus em toda e
qualquer circunstância. Seja na
prosperidade, seja na adversidade, porque o poder do Senhor e a Sua graça
estarão com você e isto lhe será mais do que suficiente para mantê-lo
completamente contente na Sua presença, e até mesmo exultante e gloriando-se
nas próprias tribulações, porque verá
que em vez de afastá-lo do Senhor elas o trouxeram para mais perto dEle.
Quem tem experimentado isto já não está mais preocupado com os seus
próprios interesses, senão com os de Deus, e conhecerá que este interesse
divino é o de ganhar almas e edificá-las na verdade, e assim, este será todo o
negócio das vidas daqueles que têm se separado para o Senhor nesta verdadeira
santidade.
E finalmente ver-se-á o amor de Deus inundando e regendo estas vidas
porque esta flor preciosa e delicada do amor divino não nasce no lodo, mas na
água cristalina do Espírito Santo, que for encontrada em corações que tiverem sido limpos pelo sangue de Jesus,
e que se têm guardado de toda forma de impureza.
Agora, governados por este amor celestial, as orações não serão apenas
súplicas por misericórdia, mas também e sobretudo poderosas intercessões junto
ao coração de Deus para destruir fortalezas e sofismas e trazer todo pensamento
cativo à obediência de Cristo Jesus.
O Espírito Santo sempre receberá boa e alegre acolhida quando estiver
sondando estes corações para enchê-los da Sua glória e poder. E eles se
regozijarão grandemente com a manifestação da Sua presença.”.
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